Não é incomum que vítimas que sofram ou que tenham sofrido de violência doméstica ou sexual não se vejam exatamente como são – vítimas. É um "fenómeno" triste, sim, mas ainda recorrente. Numa entrevista recente à revista francesa Télé Loisirs, a cantora e atriz luso-belga Lio, cujo nome verdadeiro é Vanda Maria Ribeiro Furtado Tavares de Vasconcelos, recordou um dos episódios mais traumatizantes da sua vida.
"Fui violada por um familiar próximo quando tinha dez anos de idade, no banco de trás do carro dos meus pais", disse em voz alta, certamente um tema de conversa excruciante. "Digitalmente. Em silêncio, enquanto os meus pais conduziam, ao lado da minha irmã mais nova, que tinha três anos."
O crime nunca foi levado a sério nem considerado violação pela família da cantora pop dos anos 80. Na verdade, Lio só considerou efetivamente que tinha sido vítima de abuso sexual há dois anos atrás, com cinquenta e muitos anos. "Desde então, nada correu bem. Conseguimos safarmo-nos porque não somos reconhecidas, não somos bem-vindas. Somos maltratadas mesmo quando denunciamos e nada acontece."
À mesma publicação, mencionou também que sofreu violência doméstica na década de 90 às mãos do seu marido da altura, o artista Alexis Zad. "Apaixonei-me por um homem que me espancou." O perigo era tanto que a cantora viu-se, pelo menos uma vez, na sala de urgências do hospital. Inebriada na sua relação tóxica, Lio apenas apresentou queixa "quando ele começou a bater-me enquanto estava a amamentar os gémeos (Garance e Léa, hoje com 21), porque eu tinha medo por eles." Quem a ajudou a ver a luz foi a sua irmã mais nova, Helena, que a apresentou a uma associação para vítimas.
A entrevista surgiu numa altura em que a atriz integra o elenco do filme Elle m’a Sauvée, cujo tema principal é a violência doméstica e o feminicídio. De acordo com um artigo da revista Madame Fígaro, pelo menos 17 mulheres já foram mortas consequência de abusos físicos desde o início de 2022.