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‘The Crown’, a temporada mais temida

Tudo o que precisa (mesmo) de saber antes de começar a assistir aos novos episódios da série da Netflix.

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11 de novembro de 2022 Ângela Mata

Acaba de estrear, esta semana, a aguardada quinta temporada da aclamada série da Netflix. Mas, afinal porque está a ser tão polémica? Há meses que crescia o drama à volta dos novos episódios de The Crown. Personalidades como o ex-primeiro-ministro inglês John Major e a atriz Judi Dench questionaram a sua precisão, algo que obrigou a própria Netflix a defender-se, reforçando tratar-se de um drama ficcional ‘inspirado em eventos da vida real’.

Parte da polémica está intimamente ligada ao facto de muitos dos protagonistas ainda estarem vivos. Ou seja, trata-se de uma série baseada em factos reais, sobre pessoas que ainda fazem parte do momento presente. Com a agravante de essas mesmas personalidades continuarem a ser membros ativos da realeza britânica, nomeadamente o rei Carlos III. E de notar que a série se estreia praticamente dois meses após a morte de Isabel II, a 8 de setembro. Ou seja, nove semanas apenas depois de Carlos ter sido proclamado rei. Para muitos, o momento ainda é demasiado débil.

Ao todo são 10 novos episódios que tocam em factos históricos bastante complicados e controversos para a família real britânica, polémicas que explicamos aqui.

O revisitar de temas tabu

Esta temporada passa-se nos anos 90, década na qual a rainha - interpretada agora por Imelda Staunton - está nos seus 60 e poucos anos. O famoso 'annus horribilis' é aqui bastante desenvolvido e inclui o discurso que Isabel II fez sobre o mesmo em 1992. Mas, salvo as primeiras linhas, o restante é inteiramente inventado. Este é só um exemplo da ligeira (e até certo ponto, normal) distorção da verdade. Algumas das imprecisões de The Crown foram sendo abafadas pela passagem do tempo, mas agora que os acontecimentos se aproximam da atualidade, torna-se mais fácil detetar os erros.

O 'annus horribilis' da rainha, 1992, também é retratado na série
O 'annus horribilis' da rainha, 1992, também é retratado na série Foto: IMDB

Em foco estão também os casamentos em crise dos filhos de Isabel II e, controversamente, a série sugere ainda um caso extraconjugal entre o príncipe Phillip (Jonathan Pryce) e Lady Rumsey (Natascha McElhone), 32 anos mais nova. Na ausência de factos, essa ficção acaba por preencher o vazio, tornando-se para muitos verdade.

O caso extraconjugal de príncipe Filipe é retratado nesta temporada
O caso extraconjugal de príncipe Filipe é retratado nesta temporada Foto: IMDB

Mas há mais. Os principais temas desta série são a relação difícil entre Carlos e a rainha – o príncipe surge impaciente para sucedê-la – e entre Carlos e Diana. A série baseia-se bastante, quer no livro de Andrew Morton, quer na famosa entrevista da princesa Diana ao programa Panorama, da BBC. Muitas são, por isso, as vozes críticas a Peter Morgan, o realizador de The Crown, por ignorar o recente apelo do príncipe William para não repetirem nunca mais essa mesma entrevista. Existe mesmo todo um episódio dedicado à entrevista bombástica da princesa Diana (1995) a Martin Bashir, na qual ela falou sobre a existência de três pessoas no seu casamento. A entrevista não é recriada, mas Bashir é visto a falsificar documentos e a mentir ao irmão de Diana, o conde Spencer, no sentido de este persuadir a princesa a dar a entrevista.

A entrevista de Diana a Martin Bashir continua a ser controversa
A entrevista de Diana a Martin Bashir continua a ser controversa Foto: IMDB

Nesta temporada vemos também o amigo de Diana, James Colthurst, a apresentá-la ao jornalista Andrew Morton. De lembrar que Diana gravou entrevistas para Morton usar no seu livro de 1992, Diana: Her True Story – In Her Own Words. Esse envolvimento foi visto como uma declaração de guerra contra a família real. Aliás, qualquer série ou filme sobre a família real provavelmente faria o mesmo ao retratar aquela época, mas é possível imaginar a dor que poderá causar aos envolvidos. Daí que muitos defendam que The Crown deveria ter terminado antes de chegar a um momento tão recente e tão difícil.

Retrato de um Reino Unido preso ao passado

Quer queiramos, quer não, a série afeta a forma como o país é visto internacionalmente, tendo em conta todos os episódios mais ou menos políticos que refletem parte da história.

A série mostra todo o esplendor real, dos bons restaurantes aos espaços de lazer, bem como os colégios de elite, como o caso do de Eton, onde andaram os príncipes Harry e William. Além disso, os ingleses são descritos como amantes de caça e das boas maneiras. Há, por isso, quem defenda que esses retratos significam que são vistos como um país preso ao passado, outros como um país bem informado da sua rica cultura e história.

Harry (Will Powell) e William (Senan West) acompanhados dos pais
Harry (Will Powell) e William (Senan West) acompanhados dos pais Foto: IMDB

A complexidade humana

Grande parte da controvérsia em torno desta temporada está relacionada ao agora rei Carlos III e a dúvida se tem sido injustamente retratado no seu relacionamento com a princesa Diana. Mas, tal como na vida real os humanos e as suas relações são complexas, também as personagens da série não são exceção.

Depois, temos uma princesa Diana magnificamente interpretada por Elizabeth Debicki: na voz, na elegância, no corte de cabelo, nos gestos e expressões. Já Dominic West faz o seu melhor para encarnar na personagem de Carlos, mas é para muitos bonito demais para o papel. Está caracterizado ao milímetro, imita na perfeição, mas acaba por ter uma atitude determinada, confiante e dominante, muito por conta do físico atrativo que contraria um pouco o original.

Há quem ache Dominic West bonito demais para interpretar Carlos
Há quem ache Dominic West bonito demais para interpretar Carlos Foto: IMDB

No plano político, o primeiro-ministro da época, John Major, surge interpretado por Johnny Lee Miller. E quem melhor do que Gillian Anderson para ser Maragaret Thatcher, regressando ao papel que já desempenhou na temporada anterior. Até Camilla, a atual rainha consorte, consegue uma melhorada imagem através da interpretação de Olivia Williams.

Johnny Lee Miller no papel de John Major
Johnny Lee Miller no papel de John Major Foto: IMDB

Mohamed Al-Fayed a improvável estrela

Surge no terceiro episódio, no qual se vê a determinação de Mohamed em aproximar-se o mais possível da monarquia, chegando a comprar o castelo francês de Eduardo VIII e Wallis Simpson, outro casal controverso da realeza britânica. A série mostra ainda Mohamed em eventos com Diana, e o primeiro encontro desta como filho Dodi (com quem viria a morrer no fatídico acidente de carro no túnel de Paris). Este é já considerado um dos melhores episódios da temporada, pela narrativa forte, que nos leva às origens humildes de um jovem Mohamed em Alexandria até alcançar o seu status de magnata. Ainda assim, há quem já tenha evocado alguma estranheza por lhe ter sido dado tamanho destaque.

Mohammed Al-Fayed comprou o castelo francês de Eduardo VIII
Mohammed Al-Fayed comprou o castelo francês de Eduardo VIII Foto: IMDB

Dificuldade em ver Imelda como rainha por causa de Harry Potter

Isto porque, Imelda Staunton, a atriz que interpreta o papel de rainha, sucedendo a Claire Foy e Olivia Colman parece estar a dividir opiniões. Se, por um lado, a sua interpretação está a impressionar muitos, outros são os que estão com uma . Sobretudo os espetadores mais jovens e fãs da saga Harry Potter, que serecordam de Staunton no papel da vilã Dolores Umbridge.

Imelda Staunton no papel de rainha Isabel II
Imelda Staunton no papel de rainha Isabel II Foto: IMDB

A ‘million dollar question’

Quanto à pergunta se a série pode mudar a imagem da monarquia… Muito provavelmente, o público mais jovem, que não guarda recordações dos anos 90, será bastante influenciado pelo argumento da nova temporada, pois olha para a série quase como se de um documentário se tratasse. Lembremo-nos também que a realeza é menos popular nestas faixas etárias. Além disso, sendo que a história de Diana (interpretada pela atriz Elizabeth Debicki) ganha protagonismo nesta última temporada, e os mais jovens não têm recordações da princesa ainda viva, o mais certo será identificarem-se mais com ela. Quer pelos seus dilemas pessoais e pela sua defesa de várias causas públicas, quer por ter posto em causa instituições formais, tornando-se um ícone para várias gerações.

Elizabeth Debicki como princesa Diana
Elizabeth Debicki como princesa Diana Foto: IMDB

Ainda agora a série começou a ser vista um pouco por todo o mundo, mas espera-se, ainda assim, que a nova temporada deixe uma impressão mais heterogénea da monarquia.

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