Carolina Lopes: “A vida é uma sucessão de mini-mortes”
A atriz portuguesa, que passou pela série sobre a realeza "The Crown", finta a solidão da representação a inventar novas formas de se distrair. Sempre com um sorriso.

Fixe este nome: Carolina Lopes. Vemo-la de passagem pela quinta temporada da série The Crown. Faz de gerente do Hotel Ritz de Paris e troca meia dúzia de palavras com o ator que veste a personagem de Dodi Al-fayed.
Num chá, ao fim da tarde, na esplanada da Pastelaria Versailles, Carolina desconstrói a magia ao redor da série. "Aquela cena aconteceu numa propriedade no meio de Inglaterra. Não parece, mas é tudo mentira." Não bastasse isso, continua: "o elenco é bastante humilde. São pessoas que se sentavam comigo a falar dos filhos e da família. Assim que perceberam que aquele era o meu primeiro trabalho puseram-me completamente à vontade."

A questão que se impunha a seguir era: Caiu lá de para-quedas?

"Vai ser outra desilusão. (risos) Tenho uma agente no Reino Unido que me fez uma selftape. O papel era falado em francês e, como andei no Liceu Francês, ela tenta arranjar papéis em que o sotaque não seja problema."
Com a ajuda das novas tecnologias, uma semana depois estava a voar até Inglaterra. Apesar do estado de felicidade, ainda lhe passou pela cabeça: "O que é que uma portuguesa vai fazer numa série que retrata a realeza inglesa? Não faz sentido. Mas achei o máximo."
O caminho para chegar aqui não foi evidente. Quando era pequenina queria ser atriz. Contudo, cresceu tímida e envergonhada. Ter frequentado o Liceu Francês não ajudou à festa. "O diretor dizia: se quiserem estudar teatro vão para o Chapitô, o que não era animador". Na família não havia gente ligada ao meio artístico. Ninguém a levou ao teatro, a musicais ou a outro tipo de espetáculos.
O bichinho da dramaturgia terá ficado a maturar durante a adolescência. A vida andou e só aos 18 anos é que voltaria a dizer: "Vou ser atriz". A primeira escolha foi o Reino Unido. "Concorri às melhores escolas, mas como não era suficientemente boa a inglês, falhei em tudo".


Acabou o liceu sem planos para depois. Antes de ter tempo para se preocupar, nesse mesmo verão recebeu um telefonema de uma amiga: "não queres vir a Paris?
Foi de carro até Paris, prestou provas na Escola Cours Florent e ficou. Foram três anos inesquecíveis, nem sempre pelas melhores razões. Aos 18 anos vivia perto do Jardim das Tulherias. "A minha mãe quis que fosse viver para uma zona segura e arranjou-me casa numa área só de idosos." Basicamente ia lá para dormir nos intervalos da escola.
A adaptação foi difícil. Não será por acaso que a Cours Florent é considerada umas das melhores escolas de teatro da Europa. "À chegada tive a sensação que os outros miúdos sabiam tudo e que já tinham na bagagem muito teatro. O que vale é que sou um bocado ratinho de biblioteca, tirava notas e ia para casa ler." Desta experiência retira a capacidade de superar-se. "A escola era duríssima e apesar disso nunca desisti. Houve pessoas que ao longo do ano ouviam – todos os dias – que não prestavam para nada. Às vezes sentia que estava em guerra". À volta a atmosfera era bastante competitiva. Para se libertar do stress a jovem atriz fazia sestas e no último ano começou a fazer psicoterapia. "Mas isso todos os atores fazem".

Outro estereótipo que não caiu bem foi o "piropo": "Não pareces nada portuguesa. Os franceses acham que as mulheres portuguesas são todas feias e peludas".
Em 2016 entrou no Royal Conservatoire of Scotland, em Glasgow, para fazer um Bacharelato em Acting. As memórias que trouxe da capital escocesa são melhores do que as de Paris. Foi amor à primeira vista. Destaque para a hospitalidade dos locais. "Era uma mais valia ser estrangeira. Os escoceses têm genuína admiração pelo facto de falarmos outra língua além da materna, e termos saído do país de origem. Até porque a maior parte dos meus colegas ainda vivia com os pais."
Inspirada por este ambiente genuíno, desde então Carolina veste-se como bem lhe apetece. Depois de três anos em Glasgow mudou-se para Londres, até que a pandemia, em março de 2020, a obrigou a voltar para Portugal. Recentemente mudou-se de Caxias para Lisboa e sente que daqui pode viajar para todo o lado.
Participou em uma dezena de curtas-metragens, entrou na minissérie O Fim, de André Bento, que segundo Carolina é um nome que aconselha a reter.

É protagonista em False Front de Alastair Railton, e faz parte do elenco da curta-metragem Gone But Not Forgotten, do mesmo realizador.
No fim do ano passado fez a campanha de Natal da NOS realizada por Marco Martins e adorou ser dirigida pelo cineasta português. Apesar de não querer fazer da publicidade modo de vida, confessa que dá para pagar as contas. Tudo isto faz parte da aprendizagem."
Aos 27 anos ironiza que "é como tivesse uma vida paralela". Tanto pode ir atrás de uma superprodução como participar num filme sustentado por um crowdfunding. Em 2022 foi escolhida para participar no projeto Passaporte. Uma iniciativa de Patrícia Vasconcelos cujo objetivo é dar visibilidade internacional a atores portugueses. "Foi espantoso fazer parte deste processo em que apresentamos um monólogo e interagimos com diretores de casting a um nível altíssimo".
2022 foi também o ano em que pisou o palco do The Lyric Hammersmith Theatre, em Londres como Crisotémis, numa adaptação de Electra. O teatro, aliás, é uma das suas grandes paixões. "Foi duro acabar a escola e perceber que entrar no meio teatral é muito mais difícil do que no streaming".
A vida segundo Carolina são dois dias e não quer que nada lhe passe ao lado. Trocado em miúdos, a jovem atriz defende que "a vida é uma sucessão de mini mortes" por isso raramente perde o foco. Enquanto o resto do mundo trabalha das nove às cinco, "os atores têm que saber ocupar-se a si mesmos, fazer coisas que contribuam para que mantenham a moral em cima. Ninguém terá condições de passar num casting depois de ter passado um mês em casa a chorar", graceja. Quando não tem nada para fazer inventa. Seja em aulas de funk brasileiro, a viajar, ou a ler o livro de Maya Angelou Letter to My Daughter, que recomenda.
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