Crónica Dating em Lisboa

Miúdas desempoeiradas também se apaixonam por homens casados

'Match Point' (2005).
'Match Point' (2005). Foto: IMDB
10 de março de 2023 Maria Pestana

Abri a porta e desviei-me para que saísse, mas ficou parado. Não se mexia, hesitava, esperava que eu mudasse de ideias, eventualmente, mas eu estava decidida. Quando levantei o olhar e o confrontei senti um misto de surpresa e tristeza nele. Tenho a certeza que mordia o lábio ou a bochecha quando o Miguel me puxou para si e me abraçou com força. Tanta força que quando me encostei no seu peito senti o coração a bater de tal modo que, por segundos, achei que era o meu. Mas não era, eu estava calma, estranhamente calma. Porém, quando me afastei e o olhei novamente não pude evitar senão beijá-lo. O primeiro e o único beijo que demos. Foi longo e perfeito.

Não sei exatamente quando tudo começou. Conheço o Miguel há anos, por razões profissionais, mas há uns meses decidimos finalmente ir almoçar. Era um almoço casual, sem quaisquer segundos interesses, mas eu sou eu, portanto, vou sempre pronta para o que der e vier. Trocámos umas ideias sobre o mercado de trabalho, debatemos possibilidades de carreira e como sou tagarela, e já tínhamos abordado o tema por WhatsApp, discorri algumas estórias sobre a minha vida amorosa e não poupei detalhes. A dada altura o Miguel perguntou-me: "És sempre assim quando estás nos teus dates?". Encolhi os ombros e respondi que sim, dependia. "Pois, se calhar devias ser menos. É possível que, efetivamente, assustes alguns dos teus pretendentes por seres tão direta", explicou – mais tarde, soube que "desbocada e indiscreta" seriam os adjetivos que queria utilizar, mas poupou-me na altura. Fiquei um pouco perplexa com o comentário e respondi meio a ferver por dentro que não tencionava diminuir-me por ninguém. Ele achou a minha resposta infantil. Eu achei-o um bocado parvo. Recordo-me de sair desse almoço certa de que nunca mais o iria ver e de pensar que se aquilo era um teste mais valia continuar com a sua mulher porque, claramente, ele não teria andamento para mim – não faço ideia do porquê disto me ter passado imediatamente pela cabeça, mas passou.

A verdade é que continuámos a falar. Durante dois meses, não houve praticamente um dia em que não falássemos. Havia sempre um enorme elefante na sala onde quer que estivéssemos, mas ambos optávamos por ignorar e por continuarmos a beber os nossos negronis ou imperiais e a debater, geralmente, os meus dramas existenciais ou qualquer outro assunto na ordem do dia. Entretínhamo-nos. Ele achava-me interessante. Eu achava-o de confiança. Ele achava que eu gostava dele porque me dava atenção, mas eu gostava porque me apoiava, porque teve a paciência para ver além do óbvio e aprendeu a gostar de mim por inteiro. "Lembras-te quando fomos almoçar e me disseste que eu devia ser menos direta porque podia assustar os dates?", perguntei uma vez. "Eu disse isso? Bem, foi meio parvo da minha parte, desculpa", respondeu – e eu sorri de satisfeita.

Certo dia o Miguel conversou com um psicanalista e ficou obcecado com o facto de nunca ter pensado na ideia de si que poderia estar a transmitir aos outros. Perguntou-me o que eu achava. Expliquei que tinha a impressão de que gostava de falar comigo porque eu falava pelos dois e assim não tinha de se expor verdadeiramente. "Não estás errada", concordou, "mas tu também não perguntas nada". Depois de explicar a diferença entre um diálogo e um interrogatório decidi que terminaria todas as frases com uma pergunta e comecei a fazer perguntas, muitas perguntas. Achei que se fosse retrair, mas dava-me tantas liberdades que continuei. Alguns dias depois, enquanto me consolava perante mais um dos meus melodramas existenciais, foi a sua vez de tomar liberdades, confessou que tinha sentimentos por mim e tentou beijar-me. Para espanto de ambos, desviei-me e exclamei uma série interminável de "nãos".

Uma semana depois, enfrentávamos a verdade. Não podíamos ser só amigos. "Não eras tu que defendias que um homem e uma mulher podiam ser amigos? Não entendo agora!". "Um homem e uma mulher podem ser amigos, mas eu e tu não podemos", disse segura. Por isso, quando me perguntou "Como ficamos?" respondi "Não ficamos. Não podes ter o melhor de dois mundos e eu perdi". Agora estávamos ali, de porta aberta, a ganhar coragem para abdicar de tudo, a aproveitar os minutos que nos restavam na única vez que tivemos coragem para ceder ao desejo – porque sabíamos que não nos voltaríamos a ver. Eu não iria permitir.

Namanhã seguinte acordei e tinha uma mensagem enviada pelas 6h25. Destacava o quão fria e analítica eu era, mas, independentemente de todas as nossas incongruências, pedia para me ver mais logo, ou no dia seguinte, porque não conseguia estar mais de dois segundos sem pensar em mim. Irritava-me que me chamasse de fria quando eu era forçada a tomar as atitudes certas pelos dois. Ele não tencionava sair de casa, não tinha nada para me oferecer a não ser a promessa de um amor com horários e dias contados. Mesmo assim teimava ter-me na sua vida de uma ou de outra forma. "Chama-me ingénuo, mas acho que podíamos dar um passo atrás e ser só amigos. Eu sou ótimo a retrair-me, tu és fria (desculpa, mas és) o suficiente para não nos deixares fazer disparates", dizia, mas eu sabia que ele só estava à espera do momento em que eu vacilasse.

Anos e anos a defender que nunca seria a outra, que nunca me colocaria nessa posição, que seria sempre a primeira e a única e, agora, estava prestes a mandar a toalha ao chão, pisar as minhas convicções e pior do que trair outra pessoa, trair-me a mim mesma. "Não tenho argumentos contra isso", admitia. "Se sabes que não podes dar-me o que quero, porque não abdicas de mim? Porque não me deixas ir?", pedi, por fim, exausta. Não respondeu nesse momento, mas eu sabia a resposta: porque já não conseguia desistir de mim, da mesma forma que eu não conseguia desistir do futuro que imaginara para mim, da possibilidade de casar, de ter filhos, de constituir a minha própria família.

Alguns dias depois recebi uma chamada do Miguel: "Só te queria dizer que tinhas razão. Algures nas últimas semanas decidi, egoistamente, que queria ter um caso contigo e é errado. Acontece que hoje de manhã quis comentar uma coisa contigo e percebi que não podia. Por isso, só espero que possamos ser amigos mais à frente, porque gosto de ti e te quero na minha vida. Percebo que não consigas agora, não precisas de responder já". Chorei baixinho durante os cerca de seis minutos que duraram a chamada. "Por favor, vem ter comigo e abraça-me. Já tenho saudades tuas", era o que lhe queria ter dito, mas em vez disso, permaneci em silêncio, com as lágrimas a escorrerem-me pelo rosto.
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