Marine le Pen, do trauma de infância à luta para escapar à sombra do pai
Nas vésperas da segunda volta das eleições francesas, que opõem Le Pen e Macron este domingo, 24, viagem pelas motivações da candidata da extrema direita à presidência.

Os rumores dizem que Marine Le Pen não quer realmente tornar-se presidente de França, como já escreveu Charles Bremner, correspondente em Paris há mais de duas décadas. "Tem tudo a ver com o exorcismo do papá", segundo uma linha de pensamento que anda a correr desde que a Reunião Nacional se defrontou contra Emmanuel Macron, em 2017.
A mais nova das três filhas de Jean-Marie Le Pen alimentou esta teoria ao parecer deitar a perder a presidência, da última vez, com uma exibição incompetente no seu debate com Macron, dias antes da segunda volta das eleições.

A relação tensa de Le Pen com o pai, de 93 anos, que em 2015 ela renegou e expulsou do partido de extrema-direita que ele havia fundado, é fulcral na história da filha sensível, de quem nunca fora esperado que assumisse o negócio da família e, no entanto, já por duas vezes alcançou o limiar da porta do Palácio do Eliseu.

A cisão com o pai desenrolou-se em público, à medida que ele a provocava, dizendo que se tinha vendido, a partir do seu retiro perto de casa dela nos subúrbios a oeste de Paris. Sempre foi sustentado que Jean-Marie nunca quis realmente ser presidente em 2002, quando deixou atónito o mundo inteiro ao conseguir passar à segunda volta das presidências contra Jacques Chirac. Foi aniquilado por 82% contra 18% dos votos.

Mesmo antes do fiasco da segunda ronda das eleições de 2017, corriam rumores na comitiva dela que Marine, de 53 anos, não levava a corrida presidencial a sério e que preferia ir a festas do que estudar os dossiês. As lacunas de Le Pen – tais como o seu fraco domínio das questões de pormenor – continuam bem visíveis, mas ela tem repetidamente confundido aqueles que a subestimaram depois de ter sido empossada como sucessora por Jean-Marie, em 2011, e ter deitado mãos à obra para tornar o partido um movimento nacional de patriotas mais brando e acolhedor para as mulheres.

Os mais recentes camaradas que deverão estar arrependidos de terem subestimado a chefe são os seus lugares-tenentes, que este ano a abandonaram para seguirem Éric Zemmour, o ferrabrás antimuçulmano que tentou, e falhou, roubar o ardor dela. Entre eles estão Marion Maréchal, a filha, de 32 anos, da irmã de Marine, Yann, a estrela da geração seguinte da dinastia, que se suspeita ter por alvo tomar de assalto o movimento da tia maioritariamente de classe operária e transformá-lo numa causa conservadora de linha dura, mais urbana. A traição de Marion foi "brutal", disse Marine Le Pen.

A líder, na sua terceira corrida à Presidência, tem usado ultimamente os seus conflitos na lida com a dinastia como parte do seu esforço para desintoxicar a marca do partido e distanciar-se do pai, também ele tóxico. Em fevereiro, o homem que foi em tempos advogado e que entrou na política como assessor jurídico de seu pai falou num comício de uma infância de Marine marcada pela ausência dele e dos dias de escola dela em Paris, em que ela foi vítima de bullying devido à má-reputação do pai.

Le Pen já antes falou do seu trauma de adolescência, quando a mãe, Pierrette, abandonou a família, em 1984, fugindo com um jornalista. O efeito foi "a mais horrível, cruel e esmagadora dor no coração – a minha mãe não me amava", disse ela.

Depois da mais recente rutura do seu relacionamento com o parceiro com quem vivia, Louis Aliot, presidente da câmara de Perpignan e um dos pesos-pesados da Reunião Nacional, este ano Le Pen falou da sua vida difícil como mãe duas vezes divorciada que criou três filhos. Ela convidou a televisão a entrar na casa que partilha com uma amiga de infância. Não há homens lá em casa, disse aos espetadores. Ninguém sugeriu que ela e a amiga são algo mais do que companheiras de casa e ela já fez saber que não haveria primeiro cavalheiro no Eliseu.
O sucesso de Le Pen na projeção do seu lado humano, que inclui a suavização da sua voz e o favorecimento de cores pastel, enfurece Macron e os seus outros opositores. Dizem eles que ela está a safar-se bem com um embuste flagrante, graças ao novo papel assumido de defensora das classes mais baixas excluídas, ao mesmo tempo que vai encobrindo um manifesto anti-imigrantes, anti-Europa que levaria a França a ser expulsa da União Europeia e a atiraria diretamente para os braços de Vladimir Putin, um homem que há muito admira. Macron, por sua vez, está empenhado em expor aquilo a que ele chama o manifesto de mentiras que valeu à empresa da família Le Pen a conquista da maior fatia do escrutínio eleitoral na primeira volta das presidenciais desde que aquela foi fundada em 1972.
Charles Bremner/The Times/Atlântico Press

Tradução: Adelaide Cabral

