Filipa, Patrícia, Joana, e Silvia : 4 mulheres líderes numa Câmara Municipal
Ocupam cargos de poder no município de Oeiras e regem-se pelos mesmos valores: o da igualdade de género, da liderança feminina, da sustentabilidade e da diversidade. Conversámos com elas.

As vereadoras Joana Baptista e Filipa Laborinho juntaram-se a Sílvia Breu, Diretora do Departamento de Ambiente e Qualidade de Vida e Patrícia Costa, arquiteta e Diretora do Departamento de Habitação Municipal no Município de Oeiras, para a talk "Liderança Feminina", durante o House of Beauty, evento que decorreu nos Jardins do Palácio do Marquês, em Oeiras, nos passados dias 23 e 24 de junho. Estes quatro nomes fazem com que a Câmara Municipal de Oeiras seja a que tem mais mulheres na liderança, no país, e elas sabem do que falam. Numa conversa descontraída e séria ao mesmo tempo, abordaram-se temas como o olhar feminino no poder, os preconceitos relacionados com a existência de várias mulheres em contexto laboral ou a sustentabilidade como missão número 1 deste município. Mais tarde, conversámos com cada uma delas sobre estes assuntos, a sua educação e o que as inspira.
São todas líderes, cada uma no seu pelouro, à sua maneira. Os valores da liderança, da emancipação feminina, da assertividade, onde começam na vossa carreira?
Joana Baptista: Seja homem ou mulher, os valores da liderança na minha carreira começam na competência e na disciplina. Marcar pelo exemplo é fundamental, exigir de mim o dobro daquilo que exijo à minha equipa. Ter objetivos claros de progresso, principalmente quando se desempenha um cargo político, ser audaz e nunca perder o sentido de missão é fundamental. Creio que o melhor que eu posso fazer pela emancipação feminina é liderar pelo exemplo.
Sílvia Breu: Começam desde cedo e resultam de uma educação em que esses mesmos valores estiveram sempre presentes. Também de uma forma pessoal, a minha mãe foi professora primária e em 1976 foi uma das 4 mulheres corajosas que concorreram às primeiras eleições autárquicas e que ganharam. Foi presidente de câmara durante quase duas décadas, pelo que a liderança e assertividade sempre estiveram presentes na minha vida de forma muito evidente. Quanto ao tema da emancipação feminina devo dizer que é uma preocupação recente, no sentido que nunca foi tema, pois sempre vivi numa família em que quer para a minha mãe quer para o meu pai era profundamente claro que homens e mulheres são iguais, nas suas diferenças óbvias. Tenho duas irmãs, uma filha e três sobrinhas, logo sempre houve uma grande maioria de mulheres em casa e sempre houve um profundo respeito por todos os géneros, feminino e masculino.

Filipa Laborinho: Sempre existiram, não me lembro de ter havido um início, mas a construção de um caminho que foi natural e que faz parte de quem eu sou e da minha forma de estar na vida e, portanto, estes valores também se manifestam no trabalho.
Patrícia Costa: Sinto que todos estes conceitos/valores aconteceram na minha vida antes de qualquer intenção de início de carreira, por herança e comunhão familiar. Faço parte de uma família matriarcal na qual sempre houve espaço para a aceitação do individuo, per si, com todas as dimensões que esta aceitação implica: prática do respeito; aprendizagem na estruturação do pensamento; orientação nas escolhas; espaço para a contestação das convicções de cada um; aprendizagem do tempo de ouvir e do tempo para falar; e tomei a consciência que precisamos de todos. Desde pequena que fui ensinada a explicar o meu ponto de vista, o porquê, a fundamentar a minha escolha e a aceitar a sua consequência. Isso cria uma relação de respeito e fortalecimento interiores, mas também de aceitação da diversidade a todos os níveis, porque não somos todos iguais: cada um carrega a sua história e faz o seu caminho.

Qual é o segredo da liderança positiva?

JB: Assertividade e confiança. Entendermos as valências de cada membro da nossa equipa, e nessa matéria a nossa sensibilidade feminina permite-nos ler com clareza os demais, e traçarmos um caminho reto, com objetivos comuns, com assertividade. Sermos capazes de ter um golpe de asa, mesmo correndo riscos e assumirmos esses riscos pelo todo. É de extrema importância que a equipa confie em nós ao mesmo tempo que se sente confiante e empoderada. Uma liderança positiva é o reconhecimento que a subsistência deste equilíbrio é da nossa total responsabilidade.
SB: Não sei se há um segredo e não sei se sei qual é o segredo, caso exista! Sei o que tento fazer: ouvir, conhecer as pessoas que lidero e os seus problemas e dificuldades, tentar que todas as minhas pessoas percebam que têm um papel fundamental, mesmo quando acham que não. Sou de elogio fácil, mas também de chamar à atenção quando corre mal e explicar porque correu mal e sobretudo explicar que se se continuar a fazer da mesma forma vai correr mal outra vez! E rir! Rir é fundamental.
FL: Não há segredo, apenas bom senso. Entendo que uma liderança positiva é aquela que é exercida com respeito pelos outros. Somos todas e todos diferentes, mas é nessa diferença que está a mais-valia. Cada uma e cada um tem a sua parte, e todas as partes são fundamentais para o todo. Por isso respeitar, valorizar, incentivar, apoiar, elogiar são o único caminho para uma liderança positiva.
PC: Considero que em nada há segredos, nem receitas mas, felizes acontecimentos. Uma liderança feliz é o somatório de uma equipa disponível para acreditar num propósito e alguém disponível para se entregar e definir uma estratégia. Um líder é alguém que consegue transmitir uma mensagem, definir um caminho e contagiar, positivamente, através do seu exemplo a sua equipa para que todos rumem para o mesmo lado. Uma liderança positiva também exige uma capacidade de observação do indivíduo e ajustar a sua posição na equipa às características individuais/profissionais e comportamentais de cada um. Há que ter a consciência plena que uma equipa é constituída por profissionais, mas que antes de serem profissionais são, acima de tudo, pessoas e, neste sentido, entendo que é mais importante cativar as pessoas. É um caminho mais feliz para todos e, no final a equipa fica a ganhar porque avança com a dupla: a pessoa e o profissional.


Quais são os mitos e estereótipos que é preciso derrubar sobre mulheres e cargos de poder?
JB: Existe a ideia de que as mulheres conseguem fazer várias coisas ao mesmo tempo, ao contrário dos homens. Perdoem-me os homens mas, seja mito ou não, eu este não o derrubo. Escolho dirigir-me a este tema pelo lado positivo e pelas reconhecidas qualidades das mulheres. Acredito que os mitos e estereótipos sobre mulheres em cargos de poder já foram todos derrubados porque já provámos a nossa capacidade e extrema competência no exercício dos mesmos. O que pode existir ainda é alguma falta de vontade. Estamos aqui, com a nossa reconhecida resiliência, para superar mais esse obstáculo.
SB: A primeira coisa a derrubar é a necessidade de se perguntar sobre os mitos e estereótipos sobre mulheres e cargos de poder! Não tenho memória de alguma vez se ter perguntado a um homem quais os mitos e estereótipos de homens e cargos de poder. Mas enquanto tal não acontece, dizer que muitas mulheres a trabalhar juntas dá confusão é falso! Já trabalhei com mulheres, já trabalhei com homens e se tiver de fazer alguma distinção poderia dizer que é mais produtivo trabalhar com mulheres do que com homens, são mais focadas, mais objetivas, mais eficientes e com muito pouco tempo a perder. Obviamente que estou a generalizar. Haverá também homens assim e haverão mulheres que não são assim.


FL: Há muitos. Talvez um dos que mais me incomode é a ideia (preconceito) de que uma mulher que chega a lugares de poder vai ter de escolher entre trabalho e família. Aliás, desde que sou Vereadora na Câmara Municipal de Oeiras, perguntam-me várias vezes como faço com a minha filha. É uma pergunta que não vejo ser feita aos homens que têm cargos de poder. E é uma pergunta que revela muito sobre os estereótipos que ainda existem sobre o papel da mulher na sociedade e na família. Há muito caminho ainda por fazer. E talvez os mitos e estereótipos sejam também responsáveis pela fraquíssima representatividade das mulheres em cargos de poder. O caso de Oeiras é uma exceção no panorama geral, aqui temos 57% de mulheres dirigentes e 43% de homens. Mas esta realidade de Oeiras vai no sentido contrário da realidade do resto do país e do mundo, como mostram os estudos que a Comissão para a Igualdade de Género e Cidadania (CIG) tem feito e divulgado, bem como o estudo recentemente divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, realizado em 80 países que representam 85% da população mundial e que conclui que o preconceito contra as mulheres não diminuiu na última década pois metade dos inquiridos acredita que os homens são melhores líderes que as mulheres.
PC: O primeiro mito a derrubar é que a dimensão do ser mulher empreendedora não é compatível com a maternidade, seja ela em que fase dos filhos se estiver a falar. Penso que este é o maior estigma, muitas vezes alimentado com o ideal de uma supermulher, o que não faz sentido. Não existe, nem é preciso. O importante é viver cada momento em verdade. Agora estou a brincar com o meu filho, não vou atender telefone, não vou abrir computador. Daqui a uma hora estou a trabalhar e ele pode estar ao pé de mim, mas não pode incomodar, tem que respeitar o meu momento. Agora é hora de jantar, estão todos na cozinha a ajudar, cada um com a sua capacidade. É, naturalmente, uma aprendizagem para a família, para a relação mãe/filhos. Mas é fundamental para que os seus filhos, que vão ser parte ativa da sociedade, cresçam conscientes destes limites. Estes filhos, homens e mulheres vão constituir a sua família neste pressuposto. Respeito pela essência de cada um. E é disto que se trata. Não se trata de cargos de poder, trata-se de respeito pelo espaço e pelo tempo de cada um. Porque nem todas as mulheres sentem necessidade de empreender o seu tempo num projeto ou numa missão que envolva uma maior dedicação ao trabalho, e está tudo bem. Não é menos mulher por isso mas, é preciso sublinhar que o contrário também é verdade e, está tudo bem.

Há uma grande sintonia entre todas, o humor é uma ferramenta de trabalho?
JB: Com certeza. E acredito que uma ferramenta de trabalho bastante sofisticada. O uso do sentido de humor, com alguma sensibilidade e inteligência, pode ser usada tanto em momentos de descontração, tão necessários para trabalhos em equipa, como em momentos mais tensos como gestor de danos colaterais. Mas como qualquer outra ferramenta de trabalho tem de ser usada com o condão do sentido de oportunidade.
SB: O humor é fundamental. É a diferença, às vezes, entre "cortar os pulsos" e conseguir perspectiva. O humor constrói pontes, facilita relacionamentos, ameniza situações de stress. Um ambiente de trabalho sem humor é triste!
FL: Para mim é uma ferramenta da vida. O humor aproxima-nos, desconstrói assuntos difíceis e fáceis, mas sobretudo traz boa energia. Acho fundamental sabermos brincar com a vida e não levarmos tudo tão a sério. E, neste caso, a sintonia sentida na sessão que fiz com as minhas colegas resulta da cumplicidade que se foi criando no dia-a-dia e dessa capacidade, que todas têm, de saber brincar com a vida.
PC: Acima de tudo, as pessoas estarem felizes e reverem-se no seu trabalho. Pertencer a uma equipa é um sentimento de profunda satisfação, o fazer parte de algo…dá sentido à caminhada, alimenta os dias mais angustiantes, porque também os há. Penso que o bom ambiente de trabalho, alargado à dimensão global da Câmara Municipal, reside na consciência clara que, cada serviço não está só e que não fazemos nada sozinhos, nem na vida, nem no trabalho. Tanto o amor como o humor são excelentes ferramentas de trabalho que devemos usar e abusar. Criar relações.

Seja na área administrativa, na gestão ou no ambiente, de que maneira pensam cada um dos vossos desafios profissionais?
JB: Os nossos desafios profissionais são sempre guiados pelo sentido de missão. Conseguir fazer um trabalho muito delicado que é gerir as necessidades de cada um. Num município com 171 mil habitantes é um trabalho diário entender e gerir as vontades de cada munícipe. Conseguir chegar a todos é o maior desafio profissional, tanto para mim como vereadora como para todos os técnicos do Município de Oeiras. Se me perguntarem o segredo, diria talvez o silêncio. O silêncio que me permite ouvir e permanecer atenta. Como diria Chico Buarque "Esse silêncio todo me atordoa; atordoado eu permaneço atento."
SB: Todos os desafios profissionais são encarados com vontade e ambição de fazer sempre mais, de fazer sempre melhor. Sem uma constante colaboração de todos e de todas as áreas não será possível cumprir os desafios nem a ambição.
FL: Penso através daquilo que é a minha experiência de vida e, naturalmente, incluo na minha ação preocupações que sinto enquanto mulher. É natural que as mulheres tenham atenção a questões diferentes dos homens e isso é visível com a entrada de mais mulheres na política em que foram colocadas na agenda política questões que não eram uma preocupação. Como por exemplo a luta pelo direito à interrupção voluntária da gravidez e a sua consagração na lei. Foram as mulheres que trouxeram esta e outras questões para a discussão pública. E este ponto é fundamental, estamos a falar de representatividade. A participação de ambos os géneros e até de comunidades específicas trará à política as preocupações dos diversos grupos, permitindo que as políticas satisfaçam diversas necessidades e todas e todos se sintam incluídos.
PC: A Câmara Municipal está organizada por departamentos temáticos que se dedicam a temas específicos. Naturalmente, hoje em dia, muito poucas matérias são estanques. E ainda bem! No meu caso, o Departamento de Habitação Municipal dedica-se à construção de casas municipais; à recuperação do património habitacional edificado; e à gestão das famílias que moram nos bairros municipais. Para uma competente execução da missão do departamento, há que interagir com os outros departamentos nomeadamente urbanismo, comunicação, espaços verdes, espaço público, acção social, entre outros porque raras serão as ações que podemos efectuar sozinhos. Há hoje uma consciência clara da mais-valia da especialização com ganhos ao nível da optimização e formação dos recursos humanos. Não obstante, é também cada vez mais clara a necessidade de interação multidisciplinar em cada área de atuação.
Se pudessem citar uma mulher inspiradora quem seria?
JB: Não podia ser mais oportuno citar a primeira mulher Primeira-Ministra do Reino Unido, Margaret Thatcher. É, ainda hoje, uma inspiração para todas as mulheres na política. Credos políticos à parte, foi uma mulher de convicções, determinada, audaz e fundamental na emancipação de todas as mulheres.
SB: A minha mãe, não por ser minha mãe, o que já seria razão suficiente, mas pela mulher que foi e que é, uma constante fonte de inspiração, no que é bom, mas também no que eu não me revejo.
FL: A minha mãe, a quem vou buscar tanto do que sou, com quem troco tantas conversas também sobre o caminho e desafios de ser mulher e não ter de fazer o que nos é imposto pela sociedade, tradição, cultura, entre tantos outros fatores que nos travam o caminho.
Que frase elegiam para reger a missão que carregam?
JB: "If you want something said, ask a man; if you want something done, ask a woman."
SB: Serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar, coragem para mudar o que posso e sabedoria para conseguir distinguir umas das outras. É mais um mantra!
FL: "No fim do jogo, peões e reis voltam para a mesma caixa", um provérbio italiano.
PC: "Do not be afraid of your difficulties. Do not wish you could be in other circumstances than you are. For when you have made the best of an adversity, it becomes the stepping stone to a splendid opportunity", de Helena Petrovna Blavatsky.
Que projetos prevê a CMO, num futuro próximo, ligados à sustentabilidade?
JB: O novo Fórum Municipal, que ainda se encontra em construção, mas estará pronto para receber a maioria dos colaboradores do Município de Oeiras em 2025. Como já referi, para liderar é preciso ser audaz e eu reconheço a audácia deste projeto. Audaz na sustentabilidade económica, por centralizar todos os serviços da Câmara Municipal de Oeiras e permitir reduzir custos que podem ser investidos na população, e audaz na sustentabilidade ecológica porque espelha todas as boas práticas ambientais. Este projeto ultrapassa várias gerações desde a sua conceção, obra e futura vivência.
SB: A sustentabilidade está sempre presente em cada ação, cada projeto, cada iniciativa, cada decisão que é tomada na CMO, seja, ambiental, financeira ou social. Focando mais na área ambiental, destaco 4, entre inúmeros que vamos desenvolvendo: dar continuidade ao projeto, já antigo, de termos uma árvore por cidadão, algo que queremos tentar alcançar em 2025 (falta-nos cerca de 30.000); terminar o processo de instalação de sistemas de rega inteligentes em toda a área regada de espaços verdes; incrementar a recolha separada de resíduos orgânicos e o grande objetivo de fazer de Oeiras o concelho mais cívico da Europa!
FL: Destaco o Plano Municipal para a Igualdade e Não-discriminação, que alinhará as políticas nesta área e estabelecerá caminhos para impulsionar a igualdade, que é um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Este plano resulta de uma parceria com a Comissão para a Igualdade de Género e Cidadania (CIG) e estará alinhado com a estratégia nacional e europeia para esta área, contribuindo para o cumprimento dos compromissos internacionais estabelecidos na Agenda 20/30.
PC: Nas várias áreas de ação, o município investe na sustentabilidade dos mais variados temas. No âmbito da habitação municipal estão em curso dois programas importantes materiais relevantes nesta matéria, como os "Novos Programas de Habitação", consistem na construção de empreendimentos de habitação municipal que serão dedicados ao regime de renda reduzida. Por outro lado, o Município tem também em curso o Plano de Requalificação dos Bairros Municipais que se destina a introduzir nos bairros o conceito da sustentabilidade, pela introdução de isolamento térmico nos edifícios quer ao nível das paredes exteriores, coberturas e colocação de caixilharias mais adequadas no que concerne ao desempenho térmico. Está também em curso o projeto para transformar os bairros municipais comunidades produtoras de energia. A sustentabilidade é um conceito que, para além do material, também tem um registo imaterial. Está em curso uma visão mais sustentável na gestão do bairro naquilo que envolve a criação de respostas mais adequadas às necessidades das famílias e que em muito extravasam a escala da casa entendida de modo conservador.

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