Infertilidade. "O médico que me seguia na altura disse: 'não seja medricas, nem picuinhas, vá para casa e faça um bebé'.
"A maternidade sempre foi algo que, como algo natural que parece ser, achei que iria fazer parte da minha vida um dia." Relatos de uma vida a sofrer com infertilidade e a impossibilidade de ter filhos.

As dores foram sempre uma constante aquando da menstruação, diziam ser normal, umas mulheres tinham mais azar que outras… Aos dezasseis anos houve um indício de que algo poderia não estar bem, tratamento aos ovários nesta altura, outro tratamento uns anos mais tarde. As dúvidas começaram a aparecer. Em 2012 iniciei a minha relação, aquela que me poderia abrir as portas da maternidade e algum tempo depois a palavra maternidade deixou de ser uma ideia abstracta, e parecia que estava no caminho certo para o sonho se concretizar.
Em 2014, as dores começaram a ser ainda mais fortes e passaram a ser não só durante a menstruação, mas também durante a ovulação e posteriormente a dor era diária. Ficava de cama, faltava ao trabalho, um cansaço extremo, a má disposição com náusea, dores na bexiga e durante a intimidade.

Perante estas queixas, o comentário do médico que me seguia na altura foi 'não seja medricas, nem picuinhas, vá para casa e faça um bebé'. Naquele momento, pensei que ele me devia ter dito aquilo mais cedo, pois se o tivesse feito, eu teria consultado outro médico mais cedo. Durante algum tempo vivi com esta culpa, culpa por não ter mudado de médico mais cedo, uma vez que se o tivesse feito, quem sabe as coisas não teriam sido diferentes.
Nesse mesmo dia marquei consulta para outro médico, por coincidência médico ginecologista especializado em infertilidade. Chego à consulta, começo a contar a minha história e ele responde 'Algo se passa, vamos investigar'. Assim foi, e passados alguns meses, e vários exames médicos realizados, tive o diagnóstico de infertilidade: 'Tem as trompas completamente obstruídas, nunca engravidará de forma natural, só por milagre!'. Passo seguinte: vamos fazer cirurgia e desobstruir. Na laparascopia obtive outro diagnóstico: endometriose!
Apesar da endometriose, este médico pensou que num prazo de seis meses após a cirurgia talvez engravidasse, mas que eu precisava de ter noção de que seria muito difícil, a percentagem era mínima. Esse tempo passou, não engravidei e sentia-me ainda pior do que antes da cirurgia. Consulto outro médico, especialista em endometriose e foi-me dito novamente que só por milagre conseguiria engravidar naturalmente. Que se quisesse poderia fazer tratamento de PMA, mas que mesmo assim seria muito difícil engravidar, as probabilidades não estavam a meu favor, continuaria a ser praticamente um milagre e que talvez o melhor fosse 'pôr a ideia de lado'.

Não coloquei a ideia de lado e fiz IIU, sem sucesso. É de notar que alguns médicos nos tratam como números e têm pouca sensibilidade para lidarem com as pessoas que desejam a maternidade. De cada vez que nos dizem que o tratamento não deu resultado, dói muito, choramos muito, não precisamos de um robot a falar connosco, precisamos de apoio.
Como não engravidava e estava cada vez pior, com dor diária, com especial ênfase nos períodos menstrual e fértil, nessas alturas as dores eram horríveis: na bexiga, todo o baixo-ventre parecia que rasgava por dentro, parte lombar direita, pernas, dificuldade em respirar, grande inchaço, impossibilidade de contacto íntimo, cansaço extremo, náuseas, choro de tanta dor… Resolvi consultar um outro médico.
Nessa altura descobri que também tinha adenomiose difusa! Fui submetida a outra cirurgia, acredito que foi o melhor a fazer, na altura fiquei limpa, excepto o útero que se manteve com a adenomiose difusa. E depois desta cirurgia fiz mais estimulação ovárica, mais coito programado, e fiz FIV - a FIV que, apesar dos custos, tinha mesmo de fazer, caso contrário nunca me perdoaria. Entreguei-me de corpo e alma a esta FIV, tinha de ser agora. Só tinha um óvulo, felizmente estava viável, foi fecundado, mas não evoluiu mais de três dias. Soube a resposta via telefone e aguentei-me firme a ouvir o veredicto da embriologista, contudo, após desligar o telefone chorei, perdoem-me a expressão, baba e ranho, chorei até não ter mais lágrimas... E, no dia seguinte, fui trabalhar como se nada fosse, isto porque todo este processo foi passado num sofrimento silencioso, só e incompreendido.

E como lido com tudo isto? Às vezes choro, choro pela dor física que sinto, choro de culpa porque não mudei mais cedo de médico, choro pela dor psicológica que me assalta, outras vezes fico com raiva pela incompreensão, desvalorização e insensibilidade da sociedade, por todos os comentários de 'Tire tudo, quer ter filhos para quê?', 'Ah, mas dói assim tanto?', 'Então mas foi operada e não ficou boa?', 'De cama outra vez?' e tantos outros... Também já foram muitas as vezes em que conversava de forma educada e atenciosa com grávidas, mas por dentro sangrava de dor porque eu não engravidava.
Ainda hoje fico feliz e desejo o melhor à criança e ao casal, mas sou invadida por uma tristeza sem dó por não conseguir o mesmo, e quando as pessoas que não queriam ter filhos engravidam naturalmente por imposição da sociedade, aí penso que é uma tamanha crueldade e choro compulsivamente, 'como é possível alguém que não queria filhos engravidar à primeira (às vezes gémeos) e eu não consigo?! Porquê? Porquê?' pergunto-me. Confesso até que já tive medo de ir visitar as pessoas que tiveram bebés há pouco tempo, tive medo da minha reação, tive medo de começar a chorar e chatear os recém-pais.
Já evolui bastante e já são muitas as vezes em que falo sobre este assunto apenas com lágrimas nos olhos e um nó na garganta. E escrever ajudou-me, sempre que um tratamento não dava resultado ou sempre que tinha uma consulta com alguma notícia menos boa, escrevia e escrevia sempre na companhia das lágrimas e da minha Maczinha, a minha cadela de estimação, que não saía do meu lado.

E foi desta forma que surgiu a ideia do livro infantil. Este livro surgiu da necessidade de amenizar a dor de não ter conseguido ser mãe e tentar falar sobre o assunto de uma forma mais suave, digamos assim. Durante o meu processo de descoberta da infertilidade e tratamentos, a minha cadela de estimação (infelizmente já falecida) teve um papel bastante importante, parecia que percebia a minha dor e eu acabei por canalizar muito do meu amor para este ser vivo de quatro patas que, tal como eu, tinha a sensibilidade à flor da pele. Todo o seu carinho foi fundamental, bem sei que parece estranho, mas sentia ali um grande apoio e compreensão. Ao longo deste processo fomos aprofundando a nossa relação e um dia lembrei-me de colocar a minha história de infertilidade vista pelos olhos dela - assim nasceu Mac à Espera do Nunca.

Depois fiquei indecisa, enviava para algum lado, não enviava... Um dia em que me senti mais forte psicologicamente e, achava eu, capaz de falar sobre o assunto, enviei. Passados dois dias tinha a resposta da editora a dizer que estavam interessados e depois, mesmo receosa do que poderia acontecer, fui em frente e publiquei o livro.

Sei que alguns se perguntam sobre o porquê de expor algo tão íntimo e doloroso. Contudo, este continua a ser um assunto tabu, falar sobre infertilidade é esmiuçar uma ferida ainda aberta, uma ferida que não sei se algum dia cicatrizará, no entanto, é precisamente por causa de tudo isto, é precisamente para se falar, para deixarmos de ter medo da dor, da culpa, do julgamento da sociedade, da pena, da incompreensão, para deixarmos de viver a infertilidade num sofrimento silencioso e só que escrevi este livro infantil. Apesar de não sermos pais, somos pessoas válidas para a sociedade. O facto de saber que estou a ajudar as outras pessoas é extremamente gratificante e significa que estou a atingir um dos meus objetivos.

É importante que as crianças e os jovens tenham contacto com estas doenças (endometriose/adenomiose, infertilidade) desde muito cedo para que as possam compreender, para que possam estar alerta e, caso um dia se deparem com estes diagnósticos, possam enfrentá-los com mais conhecimento, mais confiança, maior compreensão e com menos solidão. Este é um livro transversal a todas as idades, todos conseguem retirar algo do livro.
A entre-ajuda é extremamente importante, é importante falarmos sobre este assunto, não podemos continuar a sofrer sozinhas. É necessária uma maior consciencialização para a doença. Ainda estou a percorrer este longo e tumultuoso caminho da aceitação… Um dia de cada vez.
