E se o seu filho lhe disser que é gay?
É possível que ‘sair do armário’ nem sempre seja uma tarefa fácil — ainda mais quando tal sucede em plena adolescência. O testemunho de uma mãe que não desistiu da felicidade do filho e aprendeu com ele pelo caminho.

Em primeira instância, aquilo que mais queremos para os nossos filhos é que eles sejam felizes. Algumas pessoas também querem que eles sejam brilhantes, bem sucedidos; outras tantas sonham ver os filhos bem casados e com uma (bonita) família. Ah, e claro que sim, que sejam felizes — independentemente do que é que isso, da felicidade, significa, pois os sentidos são mais do que muitos. E também pouco discutíveis neste contexto. A certeza que se tem é esta: todos querem que os seus filhos sejam felizes.
Teresa, 38 anos, arquiteta, não é exceção a esta regra. E, à conversa com a Máxima, deslinda acerca do momento em que o seu filho Zeca, hoje com 17 anos, lhe contou que era homossexual. Já lá vão uns anos… "O Zeca sempre foi um miúdo amoroso, todo ‘dos abracinhos’. Mas eu também sou dos ‘abracinhos’, portanto não era por aí. Nunca desconfiei [de que ele era gay]. Ele era um miúdo muito mais sensível [que a regra dos miúdos da idade dele], mas eu não desconfiava que ele pudesse ser homossexual. Até que há uma vez, há cerca de quatro anos, estava eu grávida da minha filha mais nova (e já de um segundo casamento), tinha ele 13 ou 14 anos, em que me apercebi que alguma coisa de errado se passava com ele. Foi na época daquele jogo, a Baleia Azul. Um jogo em que eles [os miúdos] se mutilavam… Estávamos a ir a um evento qualquer, e notei que ele usava muitas pulseiras e um relógio. Mas depois, reparei que, por baixo destas, ele estava muito arranhado, mas um arranhado profundo. Perguntei o que era aquilo, ao que ele me respondeu que tinha sido no jardim (perto do liceu que frequentava naquela altura), que tinha caído nas silvas… Eu engoli a história, mas fiquei a pensar nela. Pedi que me mostrasse mais de perto. E, em conversa, mencionei o jogo da Baleia Azul: ‘Zeca, de certeza que isso não tem nada a ver com aquele jogo que tanto se ouve falar agora?’. Se for isso, fala comigo. Ao que ele respondeu que não, ‘que disparate’, asseverou. Mas, passadas umas horas, já em casa, estava eu na cozinha, quando ele vem ter comigo e me diz: ‘Mãe, sabes os arranhões? Fui eu que me cortei’. Naquele momento eu fiquei sem chão, completamente desamparada, mas super forte. Pensei: ‘Se eu agora dou a mais pequena abertura para ele perceber que eu estou triste, ele não me conta mais nada’. Então, eu mantive-me forte e pronta para ouvir. E ele começou a falar: ‘Mãe eu corto-me porque prefiro sentir a dor física à dor psicológica’," conta Teresa.
"Quando temos um filho, o que é que tentamos fazer por ele? Tentar dar uma boa educação e fazer de tudo para que ele seja feliz. São as duas coisas mais importantes, na minha perspetiva. Quando ele me diz que prefere cortar-se para sentir a dor física em detrimento da dor emocional… ‘Quando faço isso, a dor emocional passa’. Achei que o meu filho era um privilegiado por ter tanta coisa que eu nunca tive… Perguntava-lhe porquê… Ele dizia que tinha sido fruto do meu divórcio com o seu pai. E, depois, rematou: ‘Mãe, eu não sou bem aceite na escola. Tenho poucos amigos. As pessoas gozam comigo porque eu sou… homossexual’. E assim, no meio da conversa, largou a notícia, mas eu continuei a ouvi-lo como se nada fosse. No meio de tudo, esta parte da conversa — a revelação — era a que me estava a custar menos ouvir. E prosseguiu: ‘Mãe, eu sou totalmente diferente, eu não me enquadro naquele estereotipo da escola, em que são todos iguais. E eu sinto-me muito triste… E tenho momentos em que eu só quero é morrer…’. E, naquele momento, em que ouvimos um filho dizer que só quer morrer, pensamos: ‘Mas o que é que eu vou fazer? O que é que eu posso fazer para mudar a mentalidade dele? Para tirar aquele sofrimento de dentro do meu filho?’, desabafou.
Para Teresa, uma mãe em sofrimento por assistir da plateia ao sofrimento do filho, o objetivo era apenas um: que o seu filho parasse de sentir aquela dor emocional que o estava a destruir. E, neste seguimento, trabalhou para que aquele final que poderia ser trágico, desse lugar a um final feliz. Daqueles em que todos viveram felizes — não sabemos se ‘para sempre’, porque, nesse campo, não dominamos rigorosamente nada.
Saber usar bem as palavras

"Uma vez, numa discussão, eu, às tantas, disse: ‘Eu deixo-te fazer o que tu queres, deixo-te ser quem tu quiseres… Aceito as tuas escolhas’. Ao que ele me interrompe e diz: ‘Não estou a perceber, mãe. Tu estás a dizer que isto foi uma escolha?’. Eu usei muito mal as palavras, as mesmas que lhe davam a entender que ele poderia ‘escolher’… Fiquei uma hora e meia a ouvi-lo "dissertar" acerca do tema: ‘Mãe, isto [da homossexualidade] não é "uma escolha". Quem me dera que eu pudesse escolher, pois tudo seria mais fácil. Eu nasci assim. Desde sempre que sou assim, e desde sempre que eu me sinto "diferente"’. Aprendi isso com ele, eu não sabia disso. Naquela primeira conversa eu aprendi muito. E tentei, ali, desmistificar um bocado. E dizer-lhe que, nos dias de hoje, [assumir a homossexualidade] já não era uma questão. Dizia-lhe que era "na boa", que ninguém queria saber, nos dias de hoje, quem é homossexual e quem não é".
"E esta foi a resposta dele ao meu conselho anterior: ’Mas, oh mãe, isso não é bem assim. Pode ser assim com os adultos, mas na minha idade as coisas não são assim. Os miúdos gozam, os miúdos são maus, há bullying, há tudo de mau’. E eu apercebi-me, naquele instante, de que o meu filho estava, realmente, "na merda". Fiquei apática e sem saber o que fazer. Até porque, enquanto tínhamos esta conversa, a preocupação máxima dele era comigo, perceber se eu estava bem… E perguntava: ‘A mãe está triste? Está tudo bem?’. Ao que eu ia explicando: ‘Eu, em relação à tua sexualidade, é o que te fizer mais feliz. E quero que saibas que vou estar aqui para o que quiseres e para o que for preciso. Só quero que sejas feliz. É-me indiferente se estás com A, B ou C, desde que estejas bem. Agora, dizeres-me que te magoas, para não sentires a dor psicológica,… Isso sim. Estou aqui para te ajudar, mas acho que deveríamos ter algum apoio psicológico. E lá fomos a um psiquiatra… ".
Não, isto não é uma anedota

"Mas ele percebeu, imediatamente, que eu estava do lado dele. O problema veio com o pai (e com a família do pai) — família conservadora que sempre fez piadas com gays… ‘Como é que eu vou explicar que eu sou gay? Como é que eu vou explicar que não é giro ficar a ouvir os tios a fazerem piadas sobre este assunto, porque não faz sentido. A mãe diz que eu tenho de ter poder de encaixe, porque a mãe goza com o facto de já ter tido um cancro [a mãe teve, de facto, um cancro], mas isso é diferente. A mãe goza porque quer gozar com isso. Mas para mim não faz qualquer sentido gozar-se com a homossexualidade’. Demorou cerca de dois anos a contar ao pai que era gay. Foram três anos, desde que eu soube, até conseguir contar ao pai. Ganhou coragem porque, com o tempo, ele não queria ir para casa do pai. Não se sentia bem, com os tios e etc. O pai não quis forçar a ida dele para lá. Até que eu tive de contar ao pai, que achou que a culpa era minha, das séries que víamos em casa ou dos meus amigos gays…".
Diálogo (olhos nos olhos) acima de tudo
"Fui falar com o pai que só me dizia que ‘era uma moda, que aquilo iria passar’. Eu explicava: ‘Isto não é uma gripe’. Ele não percebia. Fazia piadas. E, claro, ele não queria ir para casa do pai ouvir piadas. Não gostava, não queria lá estar. Aceitei. Mas, ao mesmo tempo, pensava ‘que triste que era ele ter um pai (vivo) e não querer estar com ele’. Então, fui eu que andei numa luta para que ele conseguisse aceitar o pai. Até que, um certo dia, resolvemos sentarmos-nos os três a conversar. Não se tratava de um encontro para ele confessar ao pai que era gay, mas pedi ao meu filho que, no caso do pai o confrontar com essa questão, que nesse caso ele contasse a verdade. E que não mentisse ou ocultasse mais".

"Ele passou a ficar tão confortável comigo que chegava ao ponto de, por vezes, estarmos os dois a passear, e ele comentar: ‘Mãe, olha que rapaz tão giro ali a passar’. E eu: ‘Ai sim, é este o género de rapaz de que gostas?’. E ríamos. Mas foram precisos dois ou três anos para eu conseguir aproveitar momentos em que ele quisesse falar sobre isto — porque eu não podia puxar a conversa, porque se eu puxasse, ele não queria falar. Tinha de ser quando ele queria. Eu nem sempre soube lidar com isso, porque não sabia intervir como ele estava à espera que eu interviesse. Então, eu lembro-me de, certa vez, nós estarmos num sítio qualquer e ele dizer-me: ‘Eu acho que eu sou pansexual’ — ao que eu fiquei pávida a olhar pois não fazia a menor ideia do que é que se tratava. Fui pesquisar e descobri que pansexual é alguém que não se apaixona por outro pelo seu sexo, ou identidade de género, mas antes por aquilo que a pessoa é".
Atenção à formatação
"Ao longo destes três anos vamos crescendo e vamos percebendo como é que lidamos com um filho que é homossexual. Coisas pequeninas do dia a dia, do estilo, ele dizer: ‘Eu quero comprar uma garrafa para pôr água’. E fomos ver umas para comprar e ele escolheu uma cor de rosa bebe. Eu disse, com espanto: ‘A cor de rosa?’ Na altura aquilo saiu-me… Porque, de facto, estamos formatados para que o azul seja para os meninos e o rosa para as meninas. O que é um disparate. E ele dizia: ‘Mãe, mas a cor não tem género’. Eu lembro-me da frase até hoje, pois ele tem toda a razão: uma cor não tem mesmo género. Na altura ele tinha 12 anos. Foi uma chapada de luva branca. E damos por nós a pensar: ‘Realmente nós temos muito a aprender com os nossos filhos’. Se é a cor de rosa, é claro que levamos a cor de rosa. E vamos aprendendo e lidando e avançando (e emociona-se). Somos tão formatados…Quando um filho nos diz que a cor não tem género e quando percebemos tudo o que está à volta disso, ficamos a pensar… Porque isso serve de lição para tudo o resto que vemos acontecer no mundo. E aquilo serviu-me um bocado para tudo. Ele tem toda a razão: o que é isto do género? As mulheres têm o cabelo comprido e os homens curto? Isto é o que vem com o sistema".

Diferentes gerações, diferentes reações
"Eu e o pai fazemos 18 anos de diferença e, no momento de recebermos a notícia, esta diferença de gerações notou-se. Eu sou de uma geração em que não me faz confusão que o meu filho seja gay; o pai, por sua vez, pertence a uma geração em que precisou de dois ou três anos para perceber (e aceitar) que o filho era gay. Todos os dias eu estou a aprender com o Zeca como lidar com isto, estamos cada vez melhor. E ainda acrescento: que ele é um miúdo super impecável, super sensível, super educado…? Ele é do melhor! E que podem mais querer uns pais?"
