Teresa Damásio: “Gostava que os homens deixassem de ser os dirigentes só pelo facto de serem homens”

Com 25 anos de uma carreira ligada à educação e à política, a autora do livro "O Estado das Coisas – Visões sobre a igualdade, o ensino e o estado do país em geral" respondeu às perguntas da Máxima sobre como é que as mulheres podem ter um papel de maior relevo (e com maior igualdade) na sociedade.

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11 de abril de 2025 às 12:56 Madalena Haderer

Teresa Damásio é advogada, professora há mais de 25 anos, militante do Partido Socialista e mãe de três rapazes. É administradora do Grupo Ensinus, que faz parte do Grupo Lusófona – que inclui inúmeros estabelecimentos de ensino em Portugal e nos Países de Língua Oficial Portuguesa. É também administradora do Real Colégio de Portugal – um estabelecimento de ensino, em Lisboa, que vai da creche ao ensino secundário – e do Grupo ISLA. Presidente do conselho de administração da Universidade Lusófona da Guiné-Bissau e membro do conselho de administração do ISUPE Ekuikui II, em Angola, Damásio tem toda uma carreira ligada à educação. Além disso, passou pela Assembleia da República como deputada e é, atualmente, presidente da Assembleia de Freguesia de Benfica. No exercício de todas estas funções, Teresa Damásio tem vindo a dedicar-se a temas como a política, a educação, a igualdade de género, a gestão, a lusofonia e a liderança. O livro O Estado da Coisas, publicado no final do ano passado, é resultado das suas constantes reflexões sobre todos estes temas, no exercício das suas inúmeras funções.

José Bragança de Miranda, investigador, ensaísta e professor universitário na área da comunicação, escreveu o prefácio do livro, que resume da seguinte forma: "O Estado da Coisas de Teresa Damásio, livro que temos agora entre mãos, reúne as escritas, intervenções, comunicações e discursos ligados ao ensino, à vida política, à gestão africana, originadas pela sua actividade de interveniente nos últimos 30 anos na vida portuguesa."

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Com a Máxima, Teresa Damásio falou mais aprofundadamente sobre o papel da mulher na sociedade, as desigualdades de género e todos os inúmeros desafios que as mulheres têm de enfrentar para cumprir o seu potencial.

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Qual o seu objetivo para este livro? Que tipo de mudança ou influência gostaria que ele exercesse, em particular, na vida das mulheres portuguesas?

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Gostaria que as mulheres tomassem verdadeiramente consciência do seu potencial na sociedade e tomassem verdadeiramente consciência da importância que é serem um exemplo e que a sua conduta e a sua proatividade podem efetivamente transformar as vidas. Espero inspirar todas as mulheres que leiam o meu livro a tornarem-se exemplos, a tornarem-se mentoras de outras mulheres e a serem um ícone na sociedade.

Acredita que homens e mulheres vão receber o mesmo salário para o mesmo trabalho brevemente? Na sua opinião, o que é que tem feito adiar algo que é de uma justiça óbvia?

Não. Infelizmente, acho que ainda vai demorar. De acordo com estudos e estatísticas internacionais, feitas tanto pela Organização Internacional do Trabalho, como pela União Europeia (UE) e pela UNESCO, o wage gap vai demorar muitos anos a alterar-se. E não é por falta de legislação. Em todos os estados-membros da UE existe o princípio constitucional "para trabalho igual, salário igual". Portanto, não é um problema jurídico. É, isso sim, um problema de mentalidades, da forma como as organizações estão habituadas a trabalhar, em que se valoriza muito mais o trabalho do homem do que o da mulher, independentemente das competências académicas e profissionais de cada um. Isso é, para mim, absolutamente chocante.

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Que mudanças gostaria de ver acontecer nos próximos 20 anos nas vidas das mulheres?

Gostava que houvesse mulheres a ascender a lugares de direção na política, no governo central, no governo local e gostava que dentro das empresas fosse comum ter mulheres CEO e não fosse sempre apontado como algo excecional. Gostava que na academia as mulheres, apesar de serem aquelas que detêm mais doutoramentos, pudessem efetivamente ascender ao posto de reitoras e ascender ao posto de chefes de departamento, e que os homens deixassem de ser os dirigentes só pelo facto de serem homens. Isso é verdadeiramente lamentável e é um atraso brutal em termos do cumprimento dos direitos humanos.

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Vemos que muitos jovens do sexo masculino demonstram uma certa desconfiança e até desconforto com os valores feministas. Isso é algo que a preocupa? Acha que o feminismo vai continuar a evoluir e a disseminar-se ou será que vai ocorrer uma regressão?

Efetivamente, isto é um problema grave que as sociedades [ocidentais] atravessam e que deve merecer a nossa maior atenção. Ponto um: não devemos achar que os direitos das mulheres estão adquiridos. Ponto dois: devemos continuar a ensinar às gerações mais jovens a importância da igualdade de género. Trinta anos volvidos desde a Conferência de Pequim [IV Conferência Mundial sobre a Mulher: Igualdade, Desenvolvimento e Paz], verificamos que os objetivos não foram alcançados e que ainda não se percebe que os direitos das mulheres são direitos humanos e que os direitos humanos são os direitos das mulheres.

Na sua opinião, a escola pode fazer mais pelo feminismo, pela emancipação da mulher e pelos valores da igualdade, equidade e paridade? Se sim, o quê?

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A escola, como referi há pouco, nomeadamente no pré-escolar, no primeiro, segundo e terceiro ciclos, e, naturalmente, no ensino secundário e na universidade, deve sempre ensinar a todos a história da humanidade – através da qual percebemos que as mulheres foram sempre discriminadas. E ensinar porque é que isto não pode acontecer e por que razão é tão importante mudar estes paradigmas. As mentorias são fundamentais. É importante perceber que a transformação da sociedade, o bem-comum, constroem-se quando homens e mulheres tiverem igualdade plena. Algo que não sucede neste momento.  

Como é que o empreendedorismo pode melhorar as vidas das mulheres? E como se ensina?

O empreendedorismo resulta de características inatas. Cada um de nós tem um espírito mais ou menos empreendedor. Mas, na escola, nomeadamente, no primeiro, segundo e terceiro ciclos do Ensino Básico, é suposto – e já acontece – que haja nos manuais a introdução de competências empreendedoras. Por outro lado, a organização da escola – onde há fóruns de estudantes, onde as pessoas fazem apresentações, orientam os seus trabalhos – promove, naturalmente, todo um ambiente empreendedor que leva o ser humano e, no caso, as mulheres, as serem proativas, energéticas, empreendedoras, muito positivas e a quererem fazer sempre mais e melhor.

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A Teresa é, como diz na biografia presente no seu livro "uma mãe orgulhosa de três rapazes". Teve algum tipo de cuidado especial para educar os seus filhos? Tem conselhos que gostasse de partilhar com outras mães de rapazes?

Sim, tive sempre o cuidado de ensinar aos meus filhos que em casa as tarefas são para ser feitas por todos e não há papéis femininos ou papéis masculinos. Na escola devem sempre respeitar as suas colegas e nunca devem ter práticas discriminatórias. Mas o melhor exemplo, efetivamente, vem de casa, pelo que é importante que os filhos vejam mães ativas, mães trabalhadoras, mães empreendedoras e mães que têm competências pessoais e sociais que as levam sempre a afirmarem-se e a fazerem valer as suas opiniões e valores.

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No seu livro fala sobre o empoderamento feminino através da moda. A que conclusões chegou?

A moda é absolutamente fundamental. Basta ver a importância que teve a introdução da minissaia e das calças [no guarda-roupa feminino]. A moda representa um grande motor de transformação social. As mulheres devem inspirar-se através da moda, expressar-se através da moda, ser mais arrojadas, [mais] bonitas. Através das suas roupas, as mulheres podem mostrar ao mundo aquilo que pensam e como atuam perante a vida.

Na sua opinião, o que é que governos, entidades oficiais, sociedade civil, escolas e famílias (todos nós, portanto) podem fazer para melhorar a divisão de tarefas do trabalho doméstico?

Começando por aprender na escola a retirar a estereotipação de que existem profissões para mulheres e profissões para homens. Aprendendo e ensinando que todos são responsáveis equitativamente e igualmente pela distribuição de todas as tarefas. E dando exemplos através dos professores e das professoras que os meninos e as meninas são iguais.

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E quanto à violência contra as mulheres. O que pode ser feito para pôr fim a este flagelo?

Denunciar e denunciar! A violência é um crime público. Denunciar às autoridades todas as situações e crimes que tenhamos conhecimento e ensinar de forma muito enfática, nas escolas e universidades, a importância de denunciar casos de violência. Hoje também temos um fenómeno que preocupa muito que é a violência no namoro, por isso, mais do que nunca, devemos ensinar que nenhuma mulher deve permitir que o seu namorado ou marido tenha acesso ao seu telemóvel, acesso às suas passwords, acesso às suas contas bancárias, acesso aos seus cartões de multibanco, acesso às suas redes sociais, ao seu email. Devemos fazer tudo ao nosso alcance para parar a violência. Este é um problema de todos nós!

O Partido Socialista, do qual a Teresa Damásio é militante, nunca teve uma líder feminina? Porquê?

Porque os partidos políticos estão enquadrados nas sociedades onde se encontram. Já tivemos muitas mulheres ministras, temos na Federação de Lisboa uma mulher presidente [Carla Tavares]. Temos uma candidata à Câmara Municipal de Lisboa [Alexandra Leitão] e acredito que vamos ter uma mulher candidata a Secretária-Geral e a primeira-ministra. É absolutamente necessário e é algo que vejo com preocupação – que não haja mulheres a candidatarem-se a lugares de direção central, não só no meu partido, como em outros. Mas em particular, no meu partido, que é de esquerda, progressista, esperamos que tal aconteça a breve trecho.

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