Pedro Nuno Santos: “Qualquer pessoa progressista, que defenda a igualdade, é também feminista."
A Máxima perguntou aos oito líderes partidários 10 questões sobre direitos das mulheres, feminismo e igualdade. As respostas do candidato pelo PS (Partido Socialista).

Quando foi a primeira vez que percebeu que havia desigualdade entre homens e mulheres? Considera-se feminista? O que pensa da existência de um Dia Internacional da Mulher? A Máxima pediu aos candidatos que concorrem às eleições legislativas deste domingo que respondessem a um questionário sobre temas como a interrupção voluntária da gravidez, a eutanásia, ou a necessidade de um Ministério para a Igualdade.
Sem cronómetro ou a pressão do tempo, Inês Sousa-Real, Mariana Mortágua, Paulo Raimundo, Pedro Nuno Santos, Rui Rocha e Rui Tavares responderam, por escrito, às mesmas dez questões. Às portas das eleições legislativas, e em vésperas de celebrar o 8 de março, eis o que os líderes dos partidos com assento parlamentar têm a dizer — nas suas palavras.

Todos os líderes de partidos com assento parlamentar foram convidados e todos aceitaram receber as perguntas da Máxima. André Ventura, do partido Chega, e Luís Montenegro, da Aliança Democrática, decidiram não responder.
Quando foi a primeira vez que percebeu que havia desigualdade entre homens e mulheres?
É difícil precisar, mas desde muito novo, ainda criança.

As mulheres continuam a receber menos do que os homens (menos 13,1%, segundo os dados mais recentes da Eurostat) e estão sub-representadas, na política e na economia, nos cargos de decisão e poder. Que proposta tem o partido para atenuar esta desigualdade?
O PS tem feito muito pela promoção da igualdade salarial entre mulheres e homens e temos visto progressos muito grandes nesta matéria. A nossa legislação não podia ser mais clara do que é hoje, da Constituição, ao Código do Trabalho, passando pela Lei da Igualdade Salarial que aprovámos em 2018. Mas nós sabemos que ainda há uma distância grande entre os princípios legalmente consagrados e as práticas efetivas das empresas. Isto não quer dizer que toda a desigualdade salarial de género radique de práticas discriminatórias — há uma parte muito significativa da disparidade salarial entre mulheres e homens que resulta da distribuição desigual de mulheres e homens por setores de atividade económica e, na base, por áreas de estudo. Nós precisamos de atuar em duas grandes frentes: na identificação e penalização das práticas discriminatórias, desde logo com uma avaliação sobre a aplicação da Lei da Igualdade Salarial, mas também com a adoção de medidas penalizadoras para as empresas que incumpram essa lei — é por isso que propomos que as empresas em que haja diferenças remuneratórias entre mulheres e homens que não sejam justificadas por fatores objetivos fiquem impedidas de aceder à contratação pública e a fundos nacionais e europeus. Por outro lado, temos de continuar a combater a segregação de género no mercado de trabalho e no sistema educativo e temos também de fazer avanços ao nível dos mecanismos de representação das mulheres nos cargos de decisão das empresas. Claro que todas estas linhas de ação precisam de ser acompanhadas de progressos também na esfera da vida pessoal e familiar, onde as mulheres continuam também a ser penalizadas. É por isso que queremos, por exemplo, avançar com uma discussão alargada no sentido de simplificar o regime de licenças parentais e de assegurar um exercício mais pleno e mais igualitário dos direitos de mães e pais.
Em 2023 foram registados 30.323 crimes de violência doméstica, e 22 vítimas mortais (17 das quais mulheres), em Portugal. No ano passado, as autoridades receberam perto de três mil queixas relacionadas com o crime de violência no namoro. O que falta fazer?
Toda e qualquer forma de violência contra as mulheres, de violência doméstica ou violência no namoro é um atentado aos direitos humanos e o expoente máximo da discriminação de género. Esta é sem dúvida uma área em que, apesar de termos feito caminho — por exemplo com a classificação do crime de violência doméstica enquanto crime público — precisamos de mudanças. Precisamos de mudanças desde logo ao nível da prevenção, envolvendo o sistema educativo, o sistema de justiça penal e de família, as forças policiais e também os meios de comunicação social. Mas também precisamos de mudanças ao nível do direito penal. O PS defende, por exemplo, a adoção de medidas robustas e eficazes que assegurem a retirada do agressor da casa de morada de família e o seu afastamento que se evite a dupla vitimização a que as vítimas deste crime violento muitas vezes ficam sujeitas, e defende também a adoção de uma medida vinculativa que garanta a remoção imediata das responsabilidades parentais de homicidas, a par da criação de um regime jurídico específico para crianças vítimas de violência doméstica. Ao mesmo tempo, precisamos também de reforçar os instrumentos de proteção e apoio às vítimas, desde logo com a atribuição automática de apoio judiciário às vítimas de violência doméstica, mas também com a expansão da Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica, assegurando a cobertura integral do território nacional, e com a disponibilização e a aplicação efetiva de ordens de restrição e de proteção em relação a todas as formas de violência contra as mulheres — não em contexto de violência doméstica ou no namoro mas também em circunstância de assédio, casamento forçado ou mutilação genital feminina. Deixar ainda uma nota sobre uma proposta relevante que o PS tem nesta área e que procura responder a situações muito sensíveis: a criação de Fundo de Garantia que assegure as necessidades e os direitos básicos de segurança, apoio psicológico, abrigo, educação com caráter continuado às crianças órfãs de mãe devido ao assassinato cometido em contexto de violência doméstica.
A interrupção voluntária da gravidez até às 10 semanas deve ser permitida?
Tenho muito orgulho do combate que travei, ainda enquanto Secretário-Geral da Juventude Socialista, para que a IVG passasse a ser direito de todas as mulheres em Portugal e acredito que o trajeto que o país fez nesta área deve orgulhar-nos a todos e todos os indicadores o confirmam. Antes da aprovação da lei do aborto, estima-se que houvesse 20.000 interrupções voluntárias da gravidez por ano. Desde que a lei foi aprovada, este número nunca foi ultrapassado em Portugal e até baixou, ficando abaixo da média europeia. Atravessamos um período que é de enorme incerteza e ameaça quanto a um conjunto de direitos que por vezes damos por adquiridos, há partidos que querem voltar atrás, querem voltar ao tempo da criminalização, das prisões, do risco de vida para as mulheres. Mas esse é um tempo que nós já ultrapassámos. A IVG é uma prática médica permitida em Portugal desde 2007, e assim deve continuar a ser. O PS não tem qualquer dúvida quanto a isto e eu não tenho qualquer dúvida quanto a isto. É por isso, aliás, que temos um compromisso no nosso Plano de Ação para a próxima legislatura no sentido de remover os obstáculos à implementação da lei da IVG, nomeadamente com uma regulamentação clara do direito à objeção de consciência dos profissionais de saúde. É isto também que nos distingue dos partidos da direita: onde eles defendem retrocessos, nós defendemos progressos.
As escolas devem permitir o acesso dos alunos a casas de banho tendo em consideração o seu direito à autodeterminação de género?
O que eu defendo é a aplicação da lei que a Assembleia da República aprovou na última legislatura e que resultou de iniciativas do PS, do BE, do Livre e do PAN. O que essa lei prevê é que as escolas devem garantir que as crianças e os jovens possam exercer plenamente os seus direitos e a sua vontade expressa no acesso às casas de banho e aos balneários, assegurando o bem-estar de todos e procedendo às adaptações que considerem necessárias para o efeito.
O próximo Governo deve promover a realização de um referendo à morte medicamente assistida (eutanásia)?
Este é mais um assunto em que nós não compactuamos com retrocessos. A Assembleia da República aprovou, depois de um processo muito difícil, com avanços e recuos, uma lei da morte medicamente assistida. Sabemos que há forças políticas que querem voltar atrás, mas no que depender do PS não haverá aqui qualquer retrocesso. Pelo contrário, o que há a fazer no começo da próxima legislatura é avançar logo que seja possível com a regulamentação da lei para que ela possa começar a produzir efeitos.
O Ministério para a Igualdade foi um departamento do Governo efémero, entre 1999 e 2000. Atualmente existe uma Secretaria de Estado da Igualdade e Migrações. Faria sentido a existência de um Ministério?
A promoção da igualdade depende muito mais de termos uma intervenção concertada, transversal a todas as áreas governativas setoriais, combinada com políticas específicas de ação positiva, do que da orgânica do governo. Todos os progressos que alcançámos nos últimos anos em matéria de promoção da igualdade e de combate às discriminações só foram possíveis porque conseguimos trabalhar nesta base de política transversal, envolvendo áreas-chave como o trabalho, a educação ou a saúde, passando por áreas mais específicas como o desporto ou a cultura. A área governativa da igualdade tem um papel importante em assegurar a coordenação da nossa estratégia para a igualdade, mas o trabalho não se esgota aí e requer mesmo o envolvimento do Governo inteiro.
Faz sentido haver um Dia Internacional da Mulher?
O dia internacional da mulher existe para nos lembrar a todos que os direitos que as mulheres têm hoje são conquistas que resultaram de lutas muito difíceis, lutas essas que estão ainda por cumprir em muitas partes do mundo e que estão incompletas em muitas outras, incluindo na nossa sociedade. É importante que nos lembremos que os direitos, as liberdades e garantias que temos hoje em dia não nos foram oferecidos e não são dados adquiridos, são resultado de muitas lutas e há uma luta contínua que a todos cabe travar para proteger esses direitos e para garantir a sua efetividade. Não só no dia da mulher, mas sempre.
Considera-se feminista?
Sim. Qualquer pessoa progressista, que defenda a igualdade, é também feminista.
Qual a mulher que mais admira? Porquê?
A minha mãe e a minha mulher.
