Dating em Lisboa. "Os arranjinhos são estranhos. Levamos um pré-aviso na testa que diz 'estou solteira, quero conhecer alguém. Espero que esse alguém sejas tu'"

Dakota Johnson e Pedro Pascal dançam juntos, num ambiente romântico em Lisboa Foto: "Materialists"
19 de agosto de 2025 às 12:47 Maria Pestana

Nos meus sonhos, o amor simplesmente acontece, tal como nos filmes. De onde vem, não sei bem. Esbarro com ele numa esquina, numa livraria, num café, ou um dia abro os olhos e percebo que esteve sempre ali, a meu lado ou à minha frente, eu só não estava ainda pronta para o ver dessa forma. Precisava de aprender aquelas lições que dizem que a vida nos ensina. Claro que esta é a visão romantizada de Hollywood, a dos filmes de sábado à tarde que cresci a ver na televisão ao estilo 10 Things I Hate About You ou He’s Just Not That Into You. É engraçado que o cinema nos ensine que o amor vive sempre numa dualidade com o ódio. Tendemos primeiro a desgostar, a repelir a outra pessoa só para percebermos que a amamos, que ela nos irrita porque nos espelha, não é perfeita e não vai corresponder a todos os nossos desejos, anseios e ilusões. Mas caramba, queremo-la tanto que na força da raiva a estrafegamos de beijos.

Eu tenho um amigo assim. Adoro-o de coração e odeio-o de morte. Ora estamos ali, todos cheios de mel, ora viramos para o fel e terminamos as conversas com o típico “estás-me a irritar, já não vou dizer mais nada”. Trocava mensagens com esse amigo quando aceitei ter um encontro com o seu cunhado. Falávamos sobre qualquer outro assunto inusitado quando me confidenciou que estava numa aplicação de dating com o irmão da mulher, viam perfis e comentavam em conjunto. Imaginei-os sentados lado a lado, cada um com uma cerveja na mão, enquanto viam perfis e decidiam se o dedo deslizava para a direita ou para a esquerda. Admito que, de imediato, me passou pela cabeça saber mais sobre esse cunhado. E admito ainda que, da mesma forma automática, me questionei sobre o porquê de ele não sugerir que nos conhecêssemos. Quer dizer, parecia-me matemática simples: solteiro mais solteiro dá caso. Oxalá a vida sentimental fosse tão simples quanto uma soma básica de um mais um. “Será o cunhado problemático ou serei eu a problemática? Se calhar, é feio. Ou se calhar só gosta de loiras com peitos fenomenais”, pensei. As minhas dúvidas não se alongaram muito, talvez meia hora, até receber a mensagem que aguardava: “Eu sei com quem é que ele devia fazer match!”. Ora bem, era comigo, pois claro. E na senda de encontrar o amor, voltei a uma das formas mais tradicionais de conhecer pessoas: o “arranjinho”.

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Aceitei que combinasse um café para nos apresentar, pois esta coisa dos “arranjinhos” tem sempre um quê de estranho. Há uma espécie de intrusão. Conhecer alguém quando levamos de antemão um pré-aviso na testa, uma fita invisível que diz “Estou solteira e quero conhecer alguém. Espero que esse alguém sejas tu”, é demasiada pressão. Queria aligeirar o encontro, torná-lo mais casual, retirar-lhe o peso romântico, a expectativa que se cria de ambos os lados. Ficámos então de marcar esse café, conforme a disponibilidade dos três, mas nestes dias as agendas já não se cruzam como noutros tempos e em trio a coisa complica-se anda mais. Atalhando caminho, o cunhado pesquisou-me no Instagram, enviou-me um pedido de amizade seguido de uma mensagem. “Fomos atingidos pelo cupido”, escreveu-me. Vi a mensagem surgir no ecrã do telemóvel. Passei os dedos pelas sobrancelhas, como faço sempre que antevejo chatices, e esbocei um sorriso. Ando sempre à procura de chatices de qualquer modo. Corri para me confidenciar com o meu amigo. “Olha, olha. O cunhado já se meteu em ação!”.

Começámos o ritual habitual de troca de mensagens através do chat de Instagram. Achei-o muito simpático e até carinhoso. Tinha uma forma afetuosa de me escrever, como se já partilhássemos algum tipo de intimidade. “Fiquei com vontade de te conhecer”, “Apetece-me estar contigo”, “Sei que vou gostar imediatamente de ti”. Parecia bom auguro, mas rapidamente me senti presa, presa numa espécie de armadilha. Apesar de querer aquele encontro sentia que também não podia fugir das expectativas criadas. Eu não sabia ainda nada sobre aquela pessoa, mas ela agia como se existisse já um elo entre nós e isso ressoou-me como uma reg flag. Corri novamente para o amigo, desabafando as minhas dúvidas, que em dia de fel me dizia “Lá estás tu outra vez, se é para esta m**** nunca mais te apresento ninguém”. Um dia, contei ao cunhado que tinha acabado de almoçar com o amigo. Ficou triste. “Podiam ter-me convidado”. Foi um acaso, não fora planeado, deu-se a coincidência de estarmos no mesmo lugar à mesma hora. A sua tristeza imediata deixou-me ainda mais alerta. Afinal, não nos conhecíamos sequer. Porque haveria de ficar triste? Por outro lado, e como tendo a racionalizar tudo em demasiado, pensei que teimava em encontrar-lhe defeitos. Coisas pequeninas para implicar. Não lhe dizia diretamente, mas dificultava a comunicação entre nós. Dava-lhe respostas ríspidas. Ele aceitava-as, com paciência e educação, maturidade até. Deduzi que desgostava de si porque me demonstrava de imediato interesse, não dava luta, não deixava dúvidas, logo, não havia traumas a ressoar cá dentro (abro parênteses para contar que, ainda há dias, uma amiga me dizia que teve um date e que ele nem cheiroso estava. “Faltava aquele cheirinho a trauma”, e cheiro a trauma, para ela, era Boss Bottle). Posto isto, concluí que só gosto dos sacanas que não me ligam nenhuma. Pensando bem, até estávamos no bom caminho para o enredo de um filme de Hollywood: se eu começava por desdenhá-lo haveria de dar por mim louca por ele.

Por esses dias, tive consulta com a minha psicóloga. Abordámos o assunto. Ela ajudou-me a perceber que eu não estava interessada no cunhado porque não tínhamos ainda partilhado interesses verdadeiros. “As coisas rasas não te interessam. Essas frases clichés, que todos usam, não funcionam contigo”. O cunhado tinha a particularidade de ser uma daquelas pessoas que falam muito, mas não dizem nada. Depois de uma semana a trocarmos mensagens, eu sabia em que área trabalhava, mas não sabia ainda concretamente o que fazia. Sabia que era pai, mas não sabia nem os nomes, nem as idades dos filhos. Sabia que gostava de séries e quais os géneros preferidos, mas por azar não eram os mesmos que os meus. Não tínhamos ainda falado sobre literatura, nem sobre outros hobbies, nem sobre absolutamente nada do que me poderia entusiasmar. Por isso, o raciocínio da minha psicóloga fez-me sentido. Pus-me a pensar sobre quem era o meu confidente, a pessoa com quem diariamente eu falava sobre esses pequenos nadas que nos enchem os dias.

Não me apercebi de imediato, a psicóloga também não ousou dizê-lo, num daqueles estratagemas que nos levam a concluir sozinhas o que elas já estão fartas de saber. Porém, quando saí da sessão e comecei a caminhar para casa percebi que havia somente uma razão para eu não gostar realmente do cunhado. A cada passada ia-me questionado: por que razão encaixei um almoço com o meu amigo de forma tão rápida e nem fiz questão de tentar convidar o cunhado? Se o meu interesse era o cunhado, devia ter procurado qualquer motivo para nos encontrarmos. Mas não, porque eu não queria estar com o cunhado, queria estar com o meu amigo.

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Às vezes, o amor vem antes da paixão e nem nos apercebemos. Não traz borboletas na barriga, nem nos causa ansiedade. Não nos deixa loucos, desinquietos, confusos. Traz-nos conforto, empatia e amizade. É por isso que não damos bem por ele. Entranha-se com pequenas doses de serotonina, em vez de shots grandes de dopamina, porque até nisto existe ciência. Pensei que estranhos haveriam de ser os almoços de domingo em família, eu acompanhada pelo cunhado, pensando no amigo. Será que o amigo também pensaria em mim, sentado à mesa, ao lado da mulher? Será que, no seu íntimo, eu era também a sua confidente? A sua amada em segredo? A vida tem tempos estranhos. Às vezes, chegamos ao mesmo sítio que alguém e, no entanto, não podíamos estar mais desencontrados. Não saí com o cunhado e dei por mim a evitar o amigo. Antes assim, do que metida num grande filme.

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