Avivah Wittenberg-Cox: “O problema não são as mulheres, são as empresas”
A especialista em liderança, género e longevidade veio a Lisboa falar sobre os desafios do envelhecimento e a forma como afetam particularmente as mulheres. Será que a verdadeira emancipação só chega depois dos 50?

Especialista no equilíbrio entre géneros e gerações, Avivah Wittenberg-Cox é CEO da 20 First, uma consultora de referência focada em ajudar pessoas e organizações a tirarem partido do equilíbrio (das diferenças). Natural do Canadá e radicada em Londres, veio a Lisboa abrir a segunda edição da Conferência Idade MAIOR, um evento dedicado aos desafios e oportunidades encerradas nesta realidade demográfica. Autora dos livros WHY e HOW Women Mean Business (Wiley) e Thriving to 100 - Through Life's 4 Quarters, do podcast 4-Quarter Lives e da conta Elderberries, no Substack, já participou em inúmeras conferências e fóruns. É, ainda, professora convidada na Oxford Said Business School e na DePaul University em Chicago, e codiretora do programa de formação de executivos Longevity Leadership da Católica Lisbon, onde estará no próximo mês de junho para ministrar um curso focado nas questões da liderança e do envelhecimento. "A entrada das mulheres no mercado de trabalho desencadeou uma grande transformação social e a questão da idade será a próxima", diz-nos, logo após a sua muito aplaudida intervenção. "É curioso, hoje, quando vou às empresas falar sobre idade tenho a mesma sensação que tinha quando falava sobre género há 25 anos. As pessoas que estão à frente das empresas não entendem, nem estão preparadas para ter essa conversa. É todo um novo tópico". Ou, como ela prefere dizer, uma oportunidade.


Está há mais de vinte anos na direção da 20 First, uma consultora pioneira na área do Género (e não só). Como é surgiu o seu interesse pelo tema?
Cresci no Canadá, criada por uma mãe solteira, o meu pai morreu quando eu tinha três anos. A igualdade de género nunca foi uma questão para mim: a minha mãe fazia tudo, era professora universitária, era mãe e eu pensava que era assim que o mundo funcionava, que as mulheres podiam fazer tudo! Quando tive o meu segundo filho, na altura vivia em Paris, decidi criar uma associação sem fins lucrativos, focada na tentativa de equilíbrio entre a vida familiar e o trabalho. Essa associação transformou-se numa das maiores redes de mulheres da Europa, a PWM Global, que ainda existe. Durante dez anos dediquei-me a esta associação e viajei por toda a Europa, conhecendo milhares de mulheres e ouvindo-as falar sobre temas como o trabalho, a maternidade, a liderança. Foi através dessa experiência que realmente aprendi.
Que tipo de experiências teve? E que visões lhe deram?

Desenvolvemos iniciativas maravilhosas, relacionadas com empreendedorismo, liderança, dinheiro, finanças, e isto numa altura em que estes ainda não eram temas habituais. A determinada altura, apercebi-me que as grandes empresas não dedicavam qualquer atenção a estes assuntos e então acabei por apostar num negócio de consultoria. Depois de 10 anos no terreno, pude concluir que o problema não são as mulheres, são as empresas. Então, depois dessa década passada a ouvir as mulheres, passei os vinte anos seguintes a viajar pelo mundo e a ter esta conversa da igualdade dentro das grandes empresas, em equipas de liderança constituídas sobretudo por homens. A minha preocupação era transmitir-lhes aquilo que precisavam saber de forma a gerir o equilíbrio de género.
Essa é uma tendência transversal: independentemente do setor de atividade ou até do país, as lideranças ainda são maioritariamente masculinas. Por que é que ainda é assim? É uma questão cultural? Tem a ver com a educação?
É um pouco de tudo. O equilíbrio de género surge quando é desenhado. Se não houver uma intenção de o promover, ele não acontece. Tem de ser por mandato, caso contrário... Mas, também importa dizer que [o mundo do trabalho] é mais equilibrado, do ponto de vista do género, do que era há vinte anos, inclusivamente no que diz respeito às lideranças. A verdade é que é um processo lento, ou pelo menos, mais lento do que as pessoas gostariam. Precisamos de lideranças habilitadas para poderem operar essa mudança. Precisam de ser treinadas, precisam de compreender e precisam de se preocupar com o assunto. São necessários três CEO seguidos para que a mudança se efetive, ou seja, 15 anos contínuos deste tipo de liderança porque, quando os CEO’s mudam, as políticas internas também mudam e tudo pode regredir. Depois, também importa sublinhar, há empresas exemplares neste aspeto, o problema são as outras, as que não são assim tão recomendáveis. Mas, se tiver de resumir, a mudança faz-se através de bons exemplos e de boas lideranças.


Como é que se convence uma liderança a ouvir os argumentos pró-equilíbrio de género?
Tal como está a acontecer agora em relação à questão da longevidade, são as lideranças mais inteligentes que me procuram [e não o oposto]. Elas conhecem os dados, sabem que as mulheres têm competências e talento, representam a maioria de consumidores. Os líderes inteligentes não apresentam uma resistência emocional relativamente ao equilíbrio de género. Agora, se o CEO não "compra" este tópico, se não acredita na sua importância, esqueça, não vale a pena insistir, será uma perda de tempo.

A mudança de paradigma tem de partir de cima?
Exatamente.
No entanto, as mulheres que ocupam cargos de chefia não têm necessariamente um estilo diferente de liderança...
Penso que isso depende do tipo de empresa: se for uma empresa predominantemente masculina, as mulheres têm de se adaptar de forma a terem sucesso, adotando comportamentos masculinos no que respeita à liderança. Em empresas onde há equilíbrio de género, as mulheres têm mais espaço para serem elas próprias, têm um estilo menos masculino. Diria também que é uma questão geracional. A primeira geração de mulheres a chegar a estes lugares teve de se adaptar. As mulheres, atualmente, já não estão dispostas a fazer isso.
Faz sentido falar de características específicas de uma liderança feminina?
Eu não acredito muito nisso. Existem muitas diferenças entre homens e mulheres, claro. Mas aquilo em que acredito é no espetro masculino-feminino e, quer homens como mulheres, posicionam-se nesse espetro. Neste momento, temos vários exemplos daquilo que é uma liderança extremamente masculina, e isso vai acabar por nos matar. Também existem exemplos de liderança extremamente feminina, mas é mais rara. Diria que a maioria das pessoas está algures no meio. O problema é existirem ambientes muito masculinos que não permitem que o lado mais feminino dos homens emirja. Em empresas mais equilibradas do ponto de vista do género, é tudo mais fluído. Dito isto, não sou grande defensora da ideia de que as mulheres desempenhem lideranças radicalmente diferentes, aquilo que acredito é que têm percursos de vida diferentes e contextos culturais que, frequentemente, as limitam.
Referiu os exemplos de masculinidade extrema que vemos hoje em certas lideranças políticas. Como é que chegámos até aqui, e aparentemente tão depressa? É apenas um retrocesso ou estamos diante de processos de outra natureza?
Há, claro, um backlash contido no processo, mas é mais do que um retrocesso. Usou-se a ideia de que os progressistas eram irritantes nos seus extremismos, todas as questões em redor das pessoas trans... Tornou-se relativamente fácil criar raiva e resistência. Foram demasiadas mudanças a acontecer e muito depressa, isto numa altura em que ainda se estava a lidar com a presença cada vez mais expressiva das mulheres, o que, só por si, já era uma questão complicada. Ou seja, ainda estávamos a travar essa luta pela igualdade quando, de repente, tudo se começou a embrulhar com outras questões...
Criando uma enorme fragmentação...
Mas é isso que eles fazem. Usam essas questões para dividir as pessoas de uma forma muito eficaz e isso tem sido orquestrado de uma maneira muito cuidada. Agora estamos a meio deste pesadelo global. Três homens a dividir o mundo entre eles próprios.
O que fazer, para resistir?
Temos de olhar para as mulheres como uma parte estratégica do processo. Eu nunca quis incluir as mulheres na discussão sobre diversidade, não me parece nada vantajoso misturar os dois assuntos. As mulheres ainda são a maioria das pessoas com educação superior, ainda não estão suficientemente representadas no mercado de trabalho. Por outro lado, somos uma população que está a envelhecer rapidamente e, também por isso, precisamos de todos, especialmente na Europa. Por fim, importa lembrar, as mulheres representam mais de metade da população, e isso também pode representar uma oportunidade. Por isso, vamos fazer acontecer!

Isso lembra-me uma frase sua: "The questions you ask, define the solutions you craft" ("As perguntas que faz, definem as soluções que cria"). Qual seria a questão mais pertinente a pôr, neste momento?
Quais são os nossos valores? Aquilo que defendemos? Como é que podemos agir de acordo com aquilo em que acreditamos? Se aquilo em que acreditamos é na igualdade, então tornemo-la real. Continuem a trabalhar para isso, seja na família ou no local de trabalho. O mundo precisa de nós mais do que nunca. Temos de nos unir e de lutar, não por coisas insignificantes, como casas de banho, mas pelo que realmente importa.
Quando defende a ideia de igualdade no mundo corporativo tende a usar o argumento do lucro, afirmando que o equilíbrio de género é mais lucrativo. A tónica não devia estar na justiça social?
Temos de falar com as pessoas na língua que elas entendem. Sejam elas de esquerda ou de direita. Temos de perceber aquilo que lhes importa. Claro que defendo a justiça social, mas defendê-la berrando a pessoas para quem essa não é uma prioridade, não me vai fazer avançar. Onde é que essa atitude nos levou? O mundo está a ensinar-nos uma lição. Se o lucro é a prioridade de alguém, e se eu sei que o equilíbrio de género é mais lucrativo, irei por aí. A empresa será mais lucrativa porque vai ser mais equilibrada, porque vai ser mais meritocrática, porque vai realmente valorizar e premiar os melhores talentos, entre os quais estarão necessariamente mulheres. Que palavras é que são mais eficazes para provocar essa mudança de mentalidade?
Como se traduz isso para grandes audiências?
Na apresentação que acabei de fazer [na conferência Idade Maior], explorei a idade de quarters, para me referir às diferentes fases da vida de uma pessoa. Eu podia ter usado qualquer coisa relacionada com as estações do ano, primavera, verão, outono, inverno, mas eu sei que aquela audiência pensa desta forma e que assim a minha comunicação vai ser mais eficiente. Estou simplesmente a tentar ser ouvida. Apregoar a minha raiva e o meu ressentimento não me vai levar a lado nenhum. Eles odeiam isso. A isto chama-se maturidade, o momento em que se percebe que a forma como queremos fazer as coisas pode não ser a que tem mais impacto. É isso que é o compromisso.
É uma questão de transmitir uma mensagem com sucesso?
Sou extremamente cautelosa com as palavras que uso e atenta à forma como elas vão impactar uma audiência, porque há anos que estou mergulhada nas questões das diferenças culturais, de género, de geração. Nunca falo de forma leviana. Estou sempre muito consciente das palavras que emprego. Se falo de quarters e não de estações do ano é porque essa terminologia é mais corporate friendly. O problema com muitas palavras woke tem que ver com o facto de saber o efeito [negativo] que elas vão ter em pessoas que precisamos de trazer para a conversa. Se as alienarmos desde o primeiro dia, não será nada produtivo. Por isso, é muito útil adequar as palavras à audiência com a qual estamos a interagir.
Passando então para a intersecção entre género e idade... dizia-me há pouco que o Q3 da sua apresentação, o chamado terceiro quarto, correspondente a pessoas com idades entre os 50 e os 75 anos, é formado maioritariamente por mulheres...
Sim. Penso que homens e mulheres chegam a esta fase da vida de formas muito diferentes, ainda que a norma esteja pensada em função dos homens e daquela que foi a evolução das suas carreiras. As mulheres, depois, tendem a adaptar-se. Homens e mulheres têm prioridades diferentes nas diferentes fases, porque são criados e socializados de formas diferentes. Elas ainda são educadas para cuidar, para serem mães, para trabalhar, se assim o entenderem, mas em complemento àquelas que são consideradas as suas funções centrais. Os homens são preparados para trabalhar, para serem os provedores e, em complemento, serem pais, se assim o entenderem.
É a descrição da teoria dos papéis sociais. Ela ainda se aplica?
Está inscrita no nosso ADN. Serão precisas mais algumas gerações para que isso se altere. A cultura não muda assim tão depressa, ainda que existam variações de país para país. Penso que esse é o nosso ponto de partida. Ignorá-lo é não compreender a forma como os homens reagem. Afinal, basta pensar nos muitos jovens que continuam a querer ser eles os provedores da família, aliás eles debatem-se muito com essa aspiração, nomeadamente quando veem as mulheres a tornarem-se independentes, a triunfarem sozinhas. Parte do retrocesso tem a ver com isso, com sentirem-se incapazes de fazer aquilo que foram programados para fazer. Depois, quando as mulheres conseguem ter carreiras independentes, às vezes ganhando mais do que eles, isso espoleta uma série de problemas. Mas isto é o que se passa na fase Q2 [entre os 25 e 50 anos].
E quando se passa essa fase?
Quando se consegue atravessar esta fase com sucesso, ou mesmo que ela tenha sido marcada por fracassos, por exemplo porque não se atingiu o patamar profissional que se ambicionava ou não se teve filhos (e aí é preciso digerir tudo e avançar, porque isso também faz parte do processo do envelhecimento), os homens normalmente estão bastante cansados porque estiveram a trabalhar sem interrupções num mundo competitivo. Então eles chegam à fase Q3 ansiosos por algum descanso. Querem desacelerar, reformar-se, fazer algum investimento. As mulheres chegam a esta fase com uma sensação: ‘uau, já não tenho de tomar conta de ninguém’. É um tempo de descoberta e de libertação. Depois de décadas a correr atrás de toda a gente, chegam a uma altura em que podem concentrar-se exclusivamente no trabalho. É difícil de prever como é que uma mulher vai chegar a essa fase, mas reportando à minha experiência e pensando num perfil específico de mulher – com educação superior e ambiciosa – ela vai alcançar este momento da vida e sentir-se entusiasmada, sobretudo se já correspondeu a todas as expectativas sociais no passado. Elas chegam a esta fase, que é particularmente longa, com algum dinheiro e flexibilidade. Como alguém me disse um destes dias é como ser adolescente outra vez, mas com um cartão de crédito.
E as outras mulheres? Porque estamos a partir do princípio de que todas têm condições para viver essa fase da forma que descreveu...
Independentemente de se ter tido sucesso ou não, a idade, o envelhecimento, são sempre uma oportunidade para a mudança. As pessoas reagem à falha e ao insucesso de formas muito diferentes. Algumas aproveitam a experiência como uma aprendizagem, navegam através dela e reinventam-se. Outras, podem ficar aborrecidas, amargas ou frustradas durante mais tempo. Parte do amadurecimento é adaptarmo-nos ao mundo e à vida. Somos sempre capazes de recuperar, de mudar e de reconstruir. Sempre. Todas as pessoas, de todos os estratos económicos e sociais.
Acredita que essa capacidade é mesmo transversal?
É o conceito de humanidade. Somos criaturas extraordinárias, somos mais resilientes do que imaginamos. A minha mãe era uma sobrevivente do Holocausto, cresceu em campos de concentração. Foi para a universidade, tornou-se professora e criou três filhos sozinha. A maior parte de nós não tem de lidar com um tipo de vida tão difícil, mas muitos têm, por todo o mundo. Nem toda a gente é forte, mas com ajuda, com comunidade, com apoio, todos somos capazes.

Colocando agora a questão de um ponto de vista mais pessoal: o que tenciona fazer com o seu tempo, nos próximos anos?
Penso que ainda há muito trabalho a desenvolver nesta questão geracional, devo passar algum tempo dedicada a isso. Eu penso muito na vida em ciclos de sete anos. Neste momento estou nos 63-70 e ainda muito dedicada às questões de género e de equilíbrio geracional, ajudando pessoas e empresas. Quando chegar aos 70 vou começar a focar-me mais na transição para o Q4 [dos 75 anos 100 anos], procurando perceber aquilo que realmente representa, e que é algo que ainda não sei. Ainda não me preparei para isso, para a perda, para o declínio e todas essas coisas.
É como se estivesse a recriar a sua realidade à medida que fosse avançando?
Exatamente (risos)! Penso que vivemos numa época muito privilegiada. Temos dinheiro, somos saudáveis. Eu sou certamente privilegiada nesse aspeto, por isso sinto uma espécie de "responsabilidade" de mostrar o caminho, de mostrar como é que as coisas podem ser. Sempre fui uma empreendedora, criei as minhas empresas, a minha rede. Há muitas alterações ao longo do caminho e é divertido partilhar essas experiências. Isso também nos permite descobrir uma comunidade de pessoas com quem temos afinidade. Acredito que os empreendedores têm mais facilidade em criar o seu próprio ambiente do que as pessoas que estão inseridas em organizações e essa sempre foi uma mensagem que procurei passar às mulheres: se o mundo corporativo não é amigável, criem o vosso próprio negócio!
