Três momentos de 2021. As escolhas da equipa da Máxima
Pedimos aos nossos colaboradores que elegessem três ideias ou momentos que os marcaram ao longo do ano. Da Cultura à Política, passando pela Moda ou pelas Artes, o ano em retrospetiva.
Sofreu três tentativas de assassinato enquanto presidente da câmara de Maiden Sharh, a capital de Wardak, no Afeganistão, mas Zarifa Ghafari não se considera uma super-heroína, embora a sua tenacidade, garra e coragem indiquem o contrário.
"Não me sinto assim porque penso que há mais coisas que preciso de fazer. O objetivo ainda não foi cumprido", disse à Máxima durante a sua passagem por Lisboa esta semana.
Com apenas 24 anos, assumiu o cargo de autarca com o objetivo de tornar o seu país um local seguro para todas as mulheres afegãs, uma missão urgente tendo em conta a realidade atual do Afeganistão. "Precisamos de lutar mais. Sou apenas uma lutadora, mais nada. Sou apenas humana", afirmou.
Como muitos cidadãos, também ela teve de fugir quando os Talibãs tomaram a capital de Cabul à força. Há uns dias, esteve em Portugal com o apoio da associação Women in Tech, uma organização sem fins lucrativos que defende o empoderamento das mulheres.
Os desafios da jovem afegã bateram-lhe à porta bastante cedo na vida. Quando tinha apenas quatro anos, ficou responsável por cuidar da casa e dos irmãos mais novos enquanto os pais estavam fora a trabalhar.
Na conferência, conduzida por Catarina Furtado, presidente da Corações com Coroa, Zarifa contou que candidatar-se a uma autarquia nunca fez parte dos seus planos, mas que o seu marido a acabou por convencer. Assim, assumiu o cargo em 2019, não se deixando abalar pelas ameaças de morte que recebia de grupos terroristas, nem pelos ataques à sua vida, um deles com ácido, que lhe deixou com queimaduras no corpo.
A tomada de Cabul, em agosto deste ano, foi o único acontecimento que a fez fugir. A prioridade era levar a família para um "porto seguro", pois os talibãs já lhe tinham tirado o pai.
"Vinte dias depois de me atacarem, quando não tiveram sucesso e não me conseguiram matar, eles mataram o meu pai só para me travar", declarou. Mas é preciso mais para fazê-la baixar os braços. Agora, a ativista está determinada a negociar com o governo, em nome de todas as mulheres afegãs cujos direitos estão a ser ameaçados e violados.
"Não tenho medo deles", afirmou, explicando que "esta grande confusão precisa de ser corrigida" e que os talibãs estão a usar a religião islâmica como um meio para invadir países. "A minha cultura é tão boa para a mulher. É tão linda, tão pacífica", disse. "Isto é tudo sobre dinheiro, a guerra é apenas um negócio". Zarifa acredita que se o grupo talibâ quer mesmo governar o Afeganistão, irão precisar das mulheres, visto serem 50% da população atual.
Criticou também o Paquistão por apoiar o terrorismo no seu país, salientando quão necessária é a aplicação de sanções e de pressão política por parte das outras nações.
"Quanto mais nos matam, espancam, abandonam e tentam silenciar-nos, mais fortes nos erguemos, porque essa é a única solução para o meu país", defendeu.
Na conferência, recordou ainda como foi deixar a sua terra, embora as palavras lhe escapassem dos lábios com dificuldade. "Deixei parte de mim lá", confessou. "Nada o pode explicar. Ainda tenho pesadelos com isso". Para a ativista, deixar o Afeganistão e todas as mulheres que continuam em perigo para trás, como as militares, jornalistas e ativistas, foi mais doloroso do que a morte do pai.
Relativamente às formas de ajudar, pode fazê-lo através da assinatura da petição disponível no site da Zarifa e através do fundo Junto Acolhemos, criado pela Corações com Coroa e pela Cruz Vermelha Portuguesa, cujas doações estão abertas até 31 de dezembro e que tem como missão dar resposta a necessidades específicas no âmbito da educação e saúde de mulheres e crianças refugiadas, em programas de acolhimento em Portugal, sendo que metade da verba será dirigida a jovens e crianças afegãs.