“O divórcio pode ser libertador — mesmo quando há filhos envolvidos”

“Divórcio Positivo” é o primeiro livro de Marta Moncacha, que também é mãe, divorciada e filha de pais divorciados. Entretanto, tornou-se especialista em divórcio e coparentalidade.

Divórcio Foto: Pexels
23 de setembro de 2020 às 07:00 Inês Esteves

São quase 60 divórcios em 100 casamentos, segundo os últimos números divulgados pelo Pordata, o que significa que boa parte dos adultos terá que lidar com a separação ao longo da vida. Sabemos o quão difícil, mas também corajosa, pode ser esta mudança, especialmente com filhos, mas dez anos depois do "conscious uncoupling" Gwyneth Paltrow e Chris Martin será que devemos olhar para o divórcio de outra forma?

O livro Divórcio Positivo (Guia de sobrevivência para lidar com o fim) foi escrito com o intuito de ajudar quem está a passar pela mesma situação, e partiu da experiência pessoal e profissional da autora para responder a questões que ela própria teve, quando passou pelo fim do seu casamento. As páginas incluem testemunhos pessoais e conhecimentos técnicos para ajudar a pensar nos temas relacionados com o divórcio e dirige-se a homens e mulheres. Para além de abordar o término de uma relação, a autora também desenvolve o tema da coparentalidade.

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Foto: D.R.
Foto: D.R.

 

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Marta Moncacha é licenciada em Política Social e pós-graduada em Mediação de Conflitos, com especialização em Mediação Familiar e em Parentalidade e Educação Positivas. É assistente social há mais de vinte anos e formadora na área da comunicação e coparentalidade positivas e do desenvolvimento pessoal. 

Escrever um livro sobre divórcio não pode ser fácil, que desafios enfrentou?

O maior desafio que enfrentei foi o facto de ter muito presente a minha própria história de filha de pais divorciados e de mulher e mãe divorciada, e de querer evitar que o livro se limitasse a ela. Claro que o livro e o meu trabalho na área do Divórcio partiram da minha história, mas queria muito que ele fosse transversal e adequado a todas as pessoas - homens e mulheres - que lidam (ou que já lidaram) com o fim de um relacionamento. Era preciso encontrar o registo e o tom certos...quero acreditar que consegui!

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O blogue Dolce Far Niente também trata de alguns assuntos de divórcio, porque deixou de ser tão assídua a publicar e decidiu aceitar a proposta para escrever um livro?

Quando aceitei a proposta para escrever o livro, ainda escrevia assiduamente no blogue; foi há cerca de 4 anos que o convite inicial surgiu. Depois, tive o meu 4º filho, a vida pessoal e profissional tornou-se ainda mais desafiante, e fui gradualmente optando por partilhar as minhas reflexões e experiências na minha conta de Instagram, e, mais recentemente, no grupo de facebook "Divórcio Positivo". Escrever o livro foi sempre uma prioridade, apesar do tempo que demorou a "nascer". Costumo dizer que é o meu 5º filho!

Após a leitura do seu livro, os leitores que passem por situação de divórcio vão ter uma experiência mais positiva? Ou apenas estarão mais preparados para o que acontece?

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Quero acreditar que ficarão mais despertos para uma visão mais positiva da "experiência divórcio" e, consequentemente, com maior clareza sobre o caminho que terão de percorrer. Considero que a leitura do livro permitirá que os leitores reflitam sobre algumas das aprendizagens que o divórcio pode trazer, e mesmo que elas não fiquem de imediato integradas, espero que permaneçam como "pistas" e estratégias para o futuro.

O término de uma relação é uma grande transição, mas se for um "divorcio positivo" , pode mesmo ser uma experiencia enriquecedora, de introspecção, aprendizagem e crescimento?

Por experiência própria e pelo trabalho que faço com as mulheres que me procuram, acredito profundamente que sim. As dores do divórcio são inegáveis; há muitas mudanças internas e externas a acontecer, e há um ciclo da perda que deve ser respeitado e vivido. Ainda assim (ou talvez por isso mesmo), o divórcio também traz muitas aprendizagens que devem ser olhadas. Há um caminho interno de autoconhecimento que pode ser percorrido e que é profundamente transformador, porque nos faz olhar para nós mesmos, para a nossa relação com os filhos (se os houver), e para a nossa relação com a vida, de uma forma diferente. Muitas vezes, o fim de um relacionamento faz-nos repensar a maneira como estamos connosco próprios e com os outros, e esse movimento pode ser profundamente libertador.

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Acredita que através do "divórcio positivo", possa estabelecer-se uma amizade posterior ao divórcio?

Acredito que essa relação de amizade com o outro pode acontecer, mas não considero que seja condição essencial para que o divórcio seja positivo. Muitas vezes, basta que a relação com o outro progenitor (quando há filhos em comum), seja uma relação funcional (que funciona!), que se baseie no respeito mútuo e na confiança nas competências parentais do outro, e que ancore num estilo de comunicação positiva. Se assim for, considero que estamos perante um divórcio positivo.

A coparentalidade consegue ser uma experiência saudável? Existem pais que acabam por pôr as emoções à frente das prioridades dos filhos, se sofrerem de forma acentuada com o divórcio?

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Acredito por experiência própria (quer como filha de pais divorciados, quer como mãe que se divorciou), que o exercício da coparentalidade no divórcio pode ser uma experiência saudável, assim os pais estejam despertos para todos os "perigos" que o tsunami de emoções do divórcio traz, e para o risco (tantas vezes real!), dos filhos serem colocados no meio do divórcio, e não no centro! Infelizmente, há muitos filhos de pais separados/divorciados que são "armas de arremesso" numa "guerra" que não lhes pertence, e que são manipulados pelos próprios pais, tantas vezes sem que estes tenham consciência disso! Acredito que há um enorme caminho a percorrer naquilo a que chamo de "literacia para o divórcio", apoiando os pais neste processo de educar conjuntamente, quando a relação conjugal já terminou. Quando digo isto, não aponto o dedo aos pais, ao contrário, alerto para a necessidade urgente de obterem ajuda profissional, sempre que sintam que estão "a perder o pé".

Existe alguma diferença no desenvolvimento de uma criança, estejam os pais juntos ou divorciados?

Não sendo psicóloga, acredito que existem diferenças significativas quando o contexto familiar é estável, e quando ele implica conflito reiterado. Não é o divórcio que marca inevitavelmente os filhos, é o conflito. E ele (como sabemos), tanto pode existir no divórcio, como no casamento.

Como se iniciou como divorce coach?

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Curiosamente, comecei a fazer a certificação durante a quarentena! Antes dela, contudo, já fazia sessões individuais com mulheres que lidam (ou que já lidaram) com uma separação/divórcio, porque já tinha feito uma Pós-Graduação em Mediação de Conflitos com especialização em Mediação Familiar, e outra em Parentalidade e Educação Positivas. Paralelamente, trabalho como Assistente Social há 20 anos e sou formadora na área da Comunicação, um dos pilares do Modelo Divórcio Positivo.

Como divorciada, como arranjou força para ultrapassar a sua experiência tendo em conta que considera "não lidar bem com a mudança". Ou seja, como é "mudar de vida" para uma pessoa que não gosta de mudança?

Embora pareça um paradoxo, continuo a lidar mal com a mudança, porque sofro muito com a antecipação! Mas descobri que sofro ainda mais com a sensação de infelicidade, é dela que tenho mais medo! De modo que mudar é o único remédio! Também descobri que o que me assusta na mudança é o desconhecido; isto quer dizer que ela pode ser menos penosa quando clarificamos e desmistificamos previamente o caminho. Esse é parte do meu trabalho com as mulheres que me procuram: trazer clareza e ajudar a tornar o desconhecido um terreno um pouco mais conhecido.

Para mim, mudar de vida foi muito duro e, por isso mesmo, um renascimento! Percebi que sou mais forte do que pensava e que, afinal, mudar não tem de ser uma experiência negativa; pode ser profundamente transformadora!

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Tendo em conta a sua experiência na área, considera que os relatos de divórcio com filhos envolvidos, que tem ouvido, são experiências como a sua? Ou o processo é diferente?

Todos os processos são diferentes, cada caso é mesmo um caso! Há situações semelhantes à minha e há outras completamente diferentes! De qualquer forma, todas as mulheres-mães que me procuram estão profundamente investidas em "fazer melhor" e em saírem da "experiência divórcio" mais fortes e preparadas para o "novo"! A todas elas, agradeço a coragem de mergulharem para dentro delas próprias, de se questionarem e de se resgatarem.

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