O que mudou no mundo, em 30 anos?

Três décadas são suficientes para mudar um país. E nós damos exemplos de mudanças simples, mas marcantes, que alteraram o nosso quotidiano e o nosso sempre bom comportamento desde 1988.

24 de outubro de 2019 às 07:00 Pilar Diogo

Para mais tarde recordar?

Comecemos pelo modo como guardamos as nossas memórias fotográficas. Há 30 anos, para não irmos mais longe, corríamos para revelar os rolos de fotografias que tirávamos com máquinas fotográficas, cuja evolução continua a espantar. E o suspense adensava ("Terão ficado bem?") até ao dia em que as íamos buscar bem reveladas e contidas num envelope. Era com uma enorme excitação que as recebíamos para as descobrirmos, uma após uma, ainda que em algumas as cabeças estivessem cortadas ou, no melhor dos casos, desfocadas. Depois colocávamo-las em álbuns pesados que tinham folhas de papel de seda para as proteger. Hoje, os álbuns são digitais e as fotografias são tiradas por telemóveis e se ficaram mal, apagam-se e repetem-se. Perdeu-se a espontaneidade e a expectativa. E se houver um desaire técnico não fica nada guardado para a posteridade e que nos possa vir a ensombrar, anos mais tarde.

Hoje, sai-se.

Há mais de 30 anos, o termo cocooning definiu a vontade de estar em casa, o nosso "casulo", e foi adoptado por Faith Popcorn para explicar esse movimento crescente do regresso à casa e à segurança que ela representa por oposição à procura do entretenimento fora dela. Agora parece estar tudo do avesso. Apesar da crise económica, nunca se saiu tanto e tão cedo na idade, nunca se inauguraram tantos restaurantes e bares, nunca a diversão, sobretudo a nocturna, foi tão variada e animada, e nunca se viajou tanto. A casa parece ser mais um "refúgio" do que um "casulo". Será que Ms. Popcorn já aderiu a esta tendência?

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Quantas mais, melhor. 

Os "bandos", as "tribos" ou, pura e simplesmente, os grupos de mulheres que, nos anos 90, invadiram a noite e os aeroportos foi mais do que uma tendência. Nunca, como agora, tantas mulheres de diferentes idades se juntam para sem complexos se divertirem à noite ou para viajar. Em Portugal, onde há meio século "parecia mal" uma senhora sair sem companhia, sobretudo à noite, a tradição já não é o que era. E cada vez mais as mulheres assumem a partilha dos espaços nocturnos com os mesmos direitos de usufruto e de lazer que os homens.

Sexo à la carte… digital.

Whitney Wolf Herd deu um grande passo em frente ao criar a Bumble, a aplicação que permite às mulheres tomarem a iniciativa de encontrar um parceiro sexual. Isto há três décadas seria impossível porque não havia Internet e as mulheres não tinham uma grande liberdade para tomar a iniciativa. Havia todo um ritual a cumprir: sair de casa, frequentar lugares de entretenimento nocturnos, vestir-se bem, sentir a tal "química", etc., etc… Agora, até em casa e de pijama se pode procurar um parceiro sexual. Basta ter um telemóvel, ligação à Internet e estar inscrita num dos sites de "encontros amorosos" ou simplesmente no Facebook, que continua na origem de muitas relações…

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Dress to impress?

Quando é que sair à noite deixou de ser motivo de cuidado com a indumentária, tal como há 30 anos? "O que é que vais levar vestido logo à noite?" terá saído do léxico urbano nestes novos tempos? Agora que temos acesso a moda para todos os gostos e para todas as bolsas, não é preciso vender os anéis para se conseguir alinhar um outfit. Até porque vestir bem não é sinónimo de vestir caro, ou melhor, vestir caro não é o mesmo que vestir bem. E deslumbrar voltou a estar na ordem do dia.

Não compra, mas aluga.

Para a Geração Y ou Millennials ou Geração da Internet ou o mais que ainda lhes queiram chamar, ou seja, aquela geração que continuará a ter um maior impacto na economia mundial, a propriedade, per se, não lhe diz nada. Por isso, não se compram casas ou carros, mas alugam-se. O lema é este: não é preciso comprar uma casa para ter um lar e não é preciso comprar carro para se conseguir ir de um lugar para o outro. Alugar, arrendar e partilhar são os novos "contratos de compra e venda". O mundo Millennial abraçou também todas as formas de trocas, o que explica o sucesso de fórmulas como AirBnB, Lyft, Uber e espaços de coworking. Além do mais, o puro consumo foi substituído por experiências pessoais enriquecedoras, como, por exemplo, viajar, ir ao teatro e frequentar spas e restaurantes.

Staying alive!

A tomada de consciência, cada vez maior, de que somos o que comemos e que as nossas escolhas afectam a nossa saúde e a longevidade é uma realidade. Assumimos, mais do que nunca, toda uma nova forma de vida que privilegia o bem-estar. E isso passa não só pela actividade física, que se multiplicou em mil e uma novas modalidades, mas também pela alimentação. Ou deveremos falar de nutrição? Superalimentos, antioxidantes ou probióticos são termos que entraram no vocabulário comum e já não nos causam estranheza. Bebemos sumos detox, tomamos suplementos multivitamínicos diariamente, traçamos planos alimentares isentos de lactose e de glúten, evitamos alimentos não processados e açúcares refinados. Resumindo: tudo o que soe a saudável, a bio, a orgânico e raw é mais do que bem-vindo!

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Clanning ou a pertença a um clã.

O sentimento de pertença a um grupo que represente os mesmos sentimentos, causas ou ideias é outra das grandes tendências que emergiu nestas últimas três décadas. Com o apoio da Internet assistimos ao culminar de activismos #hastag, #eusoumoderna, #eusoucool, #freemelania! Mas os especialistas dos movimentos sociais levantam uma questão pertinente: apesar de todo o buzz que possam gerar, será que estes movimentos culminam em acções que fazem a diferença ou serão meras formas de dizer "Eu também estou informada".

Gostar do que é português.

Ainda não estamos ao nível dos americanos com a bandeira nacional pendurada a cada esquina, mas os portugueses mostraram que evoluímos do "Nem quero que percebam de que nacionalidade eu sou" para gritar, a plenos pulmões, "Eu sou português!".

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De repente, tomámos consciência de que somos a quinta língua mais falada no mundo, de que o resto da Europa olha para nós com interesse, que somos capazes de fazer tudo e bem e que as marcas portuguesas são sinónimo de qualidade. Redescobrimos a beleza da calçada portuguesa, os sabores da nossa gastronomia e abraçamos velhas tradições e ofícios. O pastel de nata não sucumbiu ao macaron e o pastel de bacalhau ao sushi. Para celebrar a nossa herança cultural, também voltámos a decorar as casas com peças reproduzidas das criações de Bordallo Pinheiro, a usar acessórios de moda fabricados em cortiça e a deleitarmo-nos com a doçaria regional.

Vamos dar ao pedal.

Nunca em tempo algum se pensaria que adoptaríamos a "febre" das bicicletas. Muito menos em Lisboa, devido às colinas. É ver por toda a capital gente de todas as idades a pedalar. E o resto do país acompanhará. É saudável para o corpo e para a mente e não é agressivo para o Ambiente. Circular de carro movido a combustível de uma ponta da rua para a outra é tão 80’s…

Moda low-cost.

Há uns anos largos, havia lisboetas que faziam excursões ao Porto para comprar roupas e acessórios numa famosa loja espanhola, na Rua de Santa Catarina, e que tinha peças nunca vistas por cá e a preços muito apetecíveis. O nome era curto e de mulher: Zara. E deu-se a (r)evolução no consumo. Hoje, as lojas de moda acessível existem nas grandes cidades e na Internet e a antecipação dos saldos permite-nos vestir as tendências do momento na estação certa… por metade do preço ou menos.

Almoçamos à secretária?

Era impensável almoçar ou jantar à mesa do trabalho, há 30 anos. Mas a mais recente crise económica veio aligeirar as regras. Daí ao surgimento de lancheiras de todos os tamanhos e feitios e de livros de receitas com menus práticos, saudáveis e baratos. Assistimos à passagem do comer em pé e à pressa para a rotina de mastigar, sentados frente ao computador ou na sala de refeições das empresas, que se muniram de frigoríficos e de micro-ondas para o efeito.

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Clique, clique, clique.

As compras online já não assustam ninguém. Tudo se compra e tudo se vende. A variedade é imensa e o processo é rápido e fácil. Hoje, temos tudo à distância de um clique: artigos de supermercado, moda, produtos de beleza, medicamentos, carros, casas, arte ou jóias de luxo. Quem sonharia fazer compras, assim, em 1988?

Na esquina da Loja das Meias, ao meio-dia.

Sem telemóveis e computadores, houve toda uma geração, nos anos 80 e 90, que conseguiu marcar encontros e cumprir horários e datas sem falhar. Pasme-se! Não apenas era possível como também era fácil: ligava-se a uma outra pessoa através de um telefone fixo, aprazava-se o encontro com a marcação do local, do dia e da hora e aparecia-se. E para quem ia ao "coração" de Lisboa, o local era incontornável: a porta da Loja das Meias, na esquina da Rua Augusta com a Praça D. Pedro IV, vulgo Rossio. Hoje, o "ponto de encontro" é a porta dos Grandes Armazéns do Chiado e quem chegar atrasado só tem de perguntar por telemóvel "Onde é que estás?"…

O outro medo de voar.

Os anos 80 foram os últimos em que voar ainda tinha umas réstias de glamour e que, muito mais importante do que isso, se viajava com segurança (o único medo era o poder haver um desastre aéreo). Agora, com as ameaças terroristas surge o medo colectivo, pelo que a segurança aeroportuária é tão apertada (felizmente) que nos faz suspirar pelos bons velhos tempos. Não vale a pena ir carregada com perfumes e cosméticos ou dar um brilho extra aos sapatos porque vai ter de os descalçar.

À velocidade da luz.

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Viajar deixou de ser um acontecimento e um desejo longínquo com necessidade de grandes preparativos. O mundo é global e é para ser descoberto de mochila ou de mala de cabine. As companhias low-cost pululam e a facilidade com que se compra um bilhete, se salta para o táxi, se desembarca no aeroporto e se entra num hotel é feita quase à velocidade da luz. Mapas de papel, agências de viagens, traveller checks, máquinas fotográficas e afins parecem coisas de museu.

Comida de fusão, gastronomia molecular, chefs, super-chefs e uber-chefs.

Nunca se atribuiu tanta atenção à comida, a um chef, a um restaurante novo e a um menu diferente. De repente, abriram-se as portas de todas as cozinhas do mundo numa imensa feira de sabores. E se há 30 anos era a Televisão que se encarregava da divulgação, hoje são os media e a Internet que transformam cozinheiros em chefs e a culinária em gastronomia. Mudam-se os tempos, mudam-se os sabores. 

Influencers.

Não, não se trata de uma nova estirpe de vírus da influenza. Referimo-nos à influencer muito em voga nos dias que correm e que mais não é do que uma forma de marketing, cujo foco está colocado nas pessoas que vão influenciar outras ao invés do mercado, em geral. É identificada (Facebook, Instagram e por aí fora…) consoante o número avassalador que tiver de seguidoras e de seguidores. Mais um caso em que o que conta é a quantidade e não a qualidade. Mas o Financial Times já lhes garante o declínio junto das grandes marcas. Será assim?

But first, let me take a selfie.

Todos o fazemos, uns mais do que outros. É a "febre" da selfie… Ela é tirada por dá cá aquela palha e enaltece o ego de quem a tira. Sós ou acompanhados e de telemóvel em riste, aí está ela a mostrar vezes sem conta que, afinal, sabemos comunicar, que gostamos de postar e que somos divertidos e cool!

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Séries de televisão, o novo vício.

Como é que vivíamos, há 30 anos, antes de haver tantos canais televisivos e tantas séries? Como é que não morríamos de ansiedade? Naquele tempo, as séries icónicas eram para ser vistas a conta-gotas, ou seja, um episódio apenas por semana. E esperar pela semana seguinte parecia uma eternidade. Hoje, dificilmente seguimos as mesmas séries ao mesmo tempo, mas falamos das personagens como se as conhecêssemos bem. Em geral, a qualidade aumentou e deu-nos este vício que, afinal, adoramos.

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