Esta escritora lembra uma vida feita de pessoas que se perderam (e que perdeu)

Nada indica que "Os Detalhes", o mais recente livro da autora sueca Ia Genberg, seja autobiográfico – embora possa sê-lo. E, no entanto, lembra muito da vida e da juventude de mulheres que foram adolescentes nos anos 80 e 90. É um livro íntimo que fala de perda e de saudade da pessoa que fomos outrora.

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14 de junho de 2024 às 18:37 Madalena Haderer

Sobre a narradora sabemos apenas que está doente, com febre, e que esse estado a leva a recordar o que não foi, mas podia ter sido; o que quase foi, mas acabou por não ser; e o que foi, mas melhor não tivesse sido. Uma viagem pelas ruas da memória observada através das lentes embaciadas pelo calor que emana do seu corpo. Quem nunca? Há um certo saudosismo e benevolência e, acima de tudo, um grande sentimento de perda. Quatro perdas, na verdade, uma por capítulo. Quatro pessoas que estiveram, mas já não estão. Não conseguimos perceber se as perdas foram catastróficas, porque não sabemos o que se passa na sua vida atual, mas intuímos que não está delirantemente feliz, bem-sucedida ou realizada. E parece só, embora cheguemos a saber que tem filhos. A doença fá-la procurar um livro com uma dedicatória que uma ex-namorada lhe ofereceu, num outro momento de convalescença, há muitos anos. E é assim, com a reflexão sobre aquela dedicatória e aquela relação que começamos a conhecer a narradora, uma mulher cujo nome nunca chegamos a saber.

Os Detalhes é um romance breve, daqueles que se lê numa tarde, construído em torno de quatro retratos: Johanna, a ex-namorada da dedicatória, que é agora uma famosa apresentadora de rádio, pairando por aí, qual fantasma do passado; Niki, a amiga que desapareceu há anos sem deixar rasto; Alejandro, que aparece e desaparece, como um furacão, mudando para sempre a vida da narradora; e Birgitte, uma mulher traumatizada e consumida pela ansiedade, cujo carácter evasivo esconde um segredo doloroso – este será, talvez, e por razões que roçam o spoiler, o retrato mais pungente.

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As memórias dos tempos da juventude, pendem para a lamechice e para o exagero. Mas que juventude é que não pende? Algo que, neste caso, é empolado pelo facto de a narradora ter tendência para atrair pessoas com personalidade tóxica – nos anos 80 não se dizia assim –, narcisistas e egoístas e, algumas, com claros problemas mentais, diagnosticados ou por diagnosticar. Algo que a narradora, porém, parece não ver – nem então, nem agora. Por outro lado, o romance tem uma patine nostálgica, não só por ser sobre pessoas que se perderam, mas porque é passado antes dos telemóveis. Num tempo em que, quando alguém mudava de casa ou de trabalho e o contacto se perdia, era preciso pegar na lista telefónica, lamber papel (não literalmente, jovens, calma, não éramos assim tão selvagens), e ter a sorte de o número daquela pessoa vir na lista – ou isso ou o grande embaraço de ligar para casa dos pais da pessoa e perguntar por ela. Ou seja, tempos em que as pessoas não estavam no Instagram, à distância de meia dúzia de cliques, e em que se comunicava por carta.

Ia Genberg, a autora, nascida em 1967, é uma das mais reconhecidas vozes da literatura sueca contemporânea e começou a sua carreira de escritora como jornalista. Neste livro, levanta questões profundas sobre a natureza das relações e a maneira como contamos as nossas histórias. O resultado é um estudo íntimo sobre o que significa ser humano, numa escrita provocadora, que lembra Annie Ernaux e Rachel Cusk. Os Detalhes, o seu terceiro romance, tornou-se um bestseller instantâneo na Suécia, onde ganhou o Prémio August para melhor livro de ficção em 2022 e o Prémio Literário Aftonbladet em 2023. Com a tradução para língua inglesa, tornou-se um bestseller internacional, tendo sido escolhido pela The New Yorker como um dos Melhores Livros de 2023 e selecionado para finalista do Prémio Booker Internacional 2024.

Os Detalhes é um livro publicado pela D. Quixote, uma chancela da Leya. Tem 160 páginas, custa cerca de 14 euros, e está disponível nas livrarias do costume.

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