Chef Nuno Mendes regressa a Lisboa para cozinhar dentro de um convento
O Santa Joana é um dos nove formatos gastronómicos inseridos no antigo convento na rua de de Santa Marta. Fomos conhecer os pratos imaginados pelo chef português que passou alguns anos em Londres.

Há poucos edifícios tão imponentes como o do renovado Locke de Santa Joana, erguido das ruínas de um antigo convento do século XVII, entre as ruas Camilo Castelo Branco e Santa Marta, ali junto ao Marquês de Pombal e a Avenida da Liberdade. Ao todo, a ambiciosa renovação consiste agora em nove pisos inseridos em quatro blocos distintos, com 370 unidades de alojamento, espaços públicos interiores e exteriores para reuniões e eventos, uma sala de cowork, um ginásio e uma galeria arqueológica, e ainda um pateo e uma piscina exterior. Tudo isto comunica e se complementa, pensado ao detalhe.


Precisamente na restauração, o hotel estabeleceu desde início uma parceria com a White Rabbit Projects (especialista em hospitalidade e restauração fundada pelo antigo diretor comercial da Soho House, Chris Miller). Ao todo são nove espaços de restauração, do Pool Bar aos bares de cocktails e vinil, distribuidos pelos vários cantos do Locke Santa Joana. Entramos pela rua de Santa Marta, dá acesso direto ao restaurante Santa Joana, o principal, onde o chef Nuno Mendes está há umas boas horas a coordenar a cozinha, aberta deste o verão.

Com ele, estão Mauricio Varela (que passou pelos Wines by Heart, Matte e Dahlia) como head chef e Maria Ramos (que vem do Bairro Alto Hotel) como chef de pastelaria. A tradição respeita-se dentro destas paredes históricas. A cargo do conceituado estúdio de design Lázaro Rosa-Violán, o projeto de interiores salvaguarda a imponência do sítio, tornando-o tanto clássico como algo exótico. A luz é baixa, está estrategicamente distribuida, somos levados para um cenário algo misterioso e empolgante. Há tanto encontros românticos como jantares de Natal, mas o ruído é suave e quase imperceptível.


A privacidade é respeitada. Vale a pena subir ao piso de cima, onde também ficam as casas de banho, só para contemplar a vista que se tem de cima: ao fundo, o The Raw Bar, de onde saem grande parte das propostas de marisco e frescos da carta (o trio de ostras da Ria de Aveiro, da Ria Formosa e do Sado!), mas também a arte têxtil de Carolina Vaz (que desenvolveu duas tapeçarias), do estúdio Grauº Cerâmica (que criou diversas peças inspiradas pela história do edifício e nas descobertas arqueológicas), e de Tatiana Ferreira, do estúdio Pareidólia, com peças baseadas na mesma inspiração: clássico e contemporâneo em coexistência.



Da carta, cuidadosamente pensada pelo chef para "nos divertirmos", como nos conta, saem propostas muito inspiradas naquilo que é o core da cozinha tradicional portuguesa. Melhores exemplos são os audazes corações de galinha grelhados com molho de pica-pau ou a panisse de grão-de-bico, chouriço de porco fumado e pickles - ambos na secção dos acepipes - ou ainda os mexilhões de Sagres fumados com batata nova assada e molho de alho verde e a açorda de cogumelos selvagens e abóbora assada, nas entradas (entre os €11 e os €15). Vale a pena provar o couvert só para provar a manteiga e o azeite que acompanham o estaladiço pão feito nas cozinhas.



Como o chef confirma, os produtos são o mais locais possíveis e frescos, baseando-se numa lógica de sazonalidade que cada vez mais as cozinhas adotam. Nos pratos principais, a presa de porco alentejano com pasta de nozes estufadas, nabos e grelos marinados e assados está a par do entrecôte maturado, couve toscana ao vapor e caramelo de alho negro e cogumelos, nas carnes, e no peixe há pescada escalfada, molho de manteiga fumada, funcho assado e pregado na chapa, emulsão de algas frescas e batata esmagada (entre os €17 e os €36).



Há várias propostas de partilha - como robalo grelhado, servido com caldo à bulhão pato, alliums tostados ou arroz de marisco caldoso, caranguejo e lavagante nacional - na carta, se a lógica é provar o maior número de pratos possível. Nuno Mendes, que em 2022, após a pandemia, abriu o Lisboeta, uma homenagem à sua cidade natal e, em 2023, o Cozinha das Flores, no Porto, sempre foi exemplo daquilo que é a melhor fusão entre a tradição e a cozinha moderna, e aqui continua a mostrar os seus trunfos, desta feita na capital. Nas sobremesas, provámos uma deliciosa mousse com flor de sal e gelado de leite e chantilly, mas também há papos de anjo, pão de ló de matcha, arroz doce ou ananás dos Açores (entre os €9 e os €16 à unidade).
Onde? Rua de Santa Marta, 61. Quando? Todos os dias das 12:00 às 23:00, exceto segunda e terça, apenas ao jantar. Reservas +351 211 555 582
