O novo restaurante do hotel é bom gosto nos seus mais variados sentidos. A Máxima foi conhecer o menu vegetariano Raízes e adorou.
Foto: Four Seasons27 de agosto de 2021 às 07:00 Patrícia Barnabé
Basta entrar no Cura, a porta ao lado da icónica entrada do Ritz Four Seasons de Lisboa, para se perceber que estamos num espaço onde tudo foi pensado em bom e para perdurar. Abriu em plena pandemia, em setembro de 2020, com uma decoração sóbria, sólida, feita de materiais maciços e sensoriais, a luz certa e, claro, a grande escola de receber do Ritz. O jovem chef Pedro Pena Bastos faz um equilíbrio magnífico entre texturas e sabores muito cuidados e honestos criados a partir de produtos de pequenos fornecedores locais, e de outros que ele colhe, como musgo ou o grão de bico que abriu as hostes num delicioso torresmo com puré de couve flor e óleo de alho verde para acordar o palato. Depois, desenha pratos lindos com mãos de pinça, e peças delicadas como os snacks em forma de raminhos. O carismático escanção Mário Marques, que chega à mesa como uma brisa, já nos tinha servido o que chamou de "mais próximo de um champanhe" em Portugal, de Luiz Costa, pinot noir e chardonnay numa colheita de 2016.
Adorámos a leveza e o conforto dos primeiros momentos: um coração de alface com vinagrete de pólen e sementes de girassol, com a delicadeza de uma flor que foi ligeiramente fumada, seguido pela saborosa tartelete de pistáchio com pepino e requeijão, de uma grande frescura, e por uma cebola assada com trigo sarraceno, trufa de verão laminada e um molho com redução de cebola e óleo de menta, que abre todos os sabores, é curioso o crocante do trigo a contrastar com a textura da cebola. Claro que não resistimos ao prato do lado que provava o menú Meia-Cura e ficámos encantadas com a lula de Peniche, caviar avelã e noisette de algas, que é um dos pratos assinatura do chef. A acompanhar, um suave Tourónio branco da Quinta de Tourais, 2018, que não poderia ser mais perfeito ali.
Foto: Four Seasons
É difícil retirar a pretensão aos pratos mais sofisticados, mas Pedro Pena Bastos parece ser mesmo bom no seu exercício. Até o pão de trigo ancestral, e o crocante de broa com pimento fumado, que são feitos naquela cozinha aberta a meia luz para a sala de jantar, são de chorar por mais. Ainda mais se molhados num azeite turvo, ligeiramente amargo e com uma finalização picante que o chef produz com o irmão na zona de Torres Novas, e não se encontra à venda em lado nenhum. Também se aconselha manteiga da ilha das Flores ligeiramente fumada.
Seguiu-se um funcho grelhado com cogumelos cantarelos, avelã e ovo, que muito nos espantou por não sermos fãs da tendência espaçosa do funcho, mas que o chef travou com um perfume limonado de erva-príncipe, ainda mais em evidência com o Art. Terra Amphora de 2017, as castas Antão Vaz e Arinto apurados por um solo xistoso, cortesia da Casa Relvas. E um dos nossos eleitos: o xerém de milho e algas e capuchinhos com uma emulsão destas e óleo de coentros, que abraçou logo o Quinta de Lemos Dona Louise, um touriga nacional, de 2006, descrito por Mário Lemos na perfeição como "uma floresta no outono ou uma caixa de charutos que temos há muito em casa".
A rematar, o chef de pastelaria Diogo Lopes serviu-nos cacau em deliciosas texturas, ganache, tupinambur, óleo de girassol, café 100 arábico, sorbet de levístico, que é um aipo mais pequeno, envoltos na boca com um vinho Madeira Cossart Gordon Bual cinco anos. E para os cafés, chás ou outras terminações, umas pequenas maravilhas: tartelete de pistáchio com cereja do Fundão e cardamomo, bolacha de alfarroba, bolacha belga e alho preto e uma bolinha de lavanda e framboesa sobre uma cama de pétalas de rosa. Caso para dizer que este jantar aqui cura tudo, até maus feitios.
O 46 Lisboa tem o charme dos lugares híbridos que convocam os sentidos, bebe-se, come-se, conversa-se e ouve-se música da melhor, como numa confortável e restrita sala de estar. E ainda se fazem compras.