O regresso de Phoebe Philo, designer favorita das ‘fashionistas’
Há gritos de alegria no mundo da Moda: a criadora de culto, rainha das passarelas britânicas, está de volta. Por Anna Murphy

Um desfile na passerelle é um momento, um trecho teatral, concebido para empolgar a sua audiência. No entanto, os espetadores destes acontecimentos de Moda tendem, determinadamente, a não se deixar empolgar. Mas não era isso que acontecia nas mostras da Céline quando a designer britânica Phoebe Philo era a sua diretora criativa.
Imagine a etapa final da peregrinação a Santiago de Compostela, precisamente quando a catedral começa lentamente a surgir no campo de visão. Imagine Janis Joplin e John Lennon a regressarem à vida e a comporem uma música juntos. Imagine – e peço desculpa por o fazer passar por isto de novo – que Inglaterra tinha ganho no domingo à noite [11 de junho, quando perdeu a final do Euro2020, que disputou contra Itália]. Era este o estado de espírito típico de quem trabalha em Moda quando Philo, agora com 48 anos, estava prestes a revelar as suas mais recentes peças.
Por isso, imagine a animação quando na última segunda-feira [12 de julho] foi anunciado que, depois de uma paragem de quatro anos, Philo vai lançar a sua própria marca, apoiada pelo conglomerado de luxo LVMH. No domingo, em Brixton, não me conseguia mexer sem ver camisolas da seleção inglesa. E na segunda-feira, em Notting Hill, havia uma variedade diferente de blusas que tinham sido retiradas dos guarda-fatos. Deparei-me com algumas fãs de Philo endinheiradas – não há outro tipo – a passearem envergando as suas adoradas blusas da casa Céline para assinalarem aquele dia memorável do anúncio do regresso da designer.


Não tenho dúvidas de que aquelas mulheres estavam a celebrar. No entanto, um leigo no assunto poderá ter tido dificuldades em perceber isso. Porque o look Céline não tem só a ver com camisas e calças de estilo masculino nem com largos pulôvers azul-marinho – contrabalançados com um particular e variado acompanhamento de vestidos pelos quais as mulheres que normalmente vestem blusas e calças masculinas e largos pulôvers azul-marinho se podem sentir tentadas. Tem também a ver com uma expressão determinadamente impenetrável – há até quem lhe possa chamar uma expressão austera.
Philo sempre se assemelhou a uma esfinge, raramente concedendo entrevistas – e quando dizia algumas palavras nos bastidores, depois das suas apresentações, normalmente surgia metade mulher, metade pólo com gola, e as suas palavras eram abafadas pelas nervuras da gola em caxemira puxada para cima. "O mais chique que se pode ser é não existirmos no Google", disse certa vez. "Céus, adoraria ser essa pessoa".
O estatuto de culto é um termo demasiadamente usado na Moda, muitas vezes de forma inapropriada. Mas não quando se fala de Philo. Sem dúvida que a forma enigmática como se apresenta ajuda, mas tem sobretudo a ver com o que ela faz. "Muito sinceramente, o que sinto é que tudo o que tenho a dizer está no produto", declarou certa vez. E provavelmente tem razão.


Conheço mulheres que podem escrever parágrafos a fio sobre a perfeição das calças e blusas com a assinatura Philo, mulheres que lamentaram a sua saída da Céline. Nas redes sociais, a hashtag #oldceline funcionou como uma espécie de epitáfio. Os seus fãs nunca superaram isso. Agora – finalmente – isso vai ficar para trás.
Correram muitos rumores desde que Philo decidiu sair da Céline em 2017 – como os que diziam que ela iria substituir Karl Lagerfeld [falecido em 2019] na Chanel. A estética de Philo nada tem a ver com a de Lagerfeld, mas a sua cultura segue a linha de Coco Chanel, não apenas na sua reapropriação do masculino enquanto feminino mas também no seu resoluto – e na Moda isso continua a ser pouco habitual – cunho de empoderamento feminino.

Philo é uma rara entidade no mundo da Moda do século XXI, uma mulher que desenha roupas para outras mulheres. "O que adoro é a ideia de um verdadeiro guarda-roupa", disse certa vez. "Acho que aquilo que o mundo precisa não é mais coisinhas frívolas que acabam atiradas para um armário ou para um depósito do lixo".

Os seus pares da ala masculina tendem a não falar de algo tão enfadonho como um guarda-roupa. A outra notável designer contemporânea que o faz é Maria Grazia Chiuri da Dior. Não é de surpreender que inúmeras pessoas que conheço e que gastavam bastante dinheiro a comprar na Céline tenham desde então transferido a sua lealdade para a Dior de Chiuri. O que é surpreendente, já para não dizer deprimente, é que a criadora italiana é muitas vezes relegada ao plano de demasiado "comercial" pelos membros mais snobes do firmamento da Moda. Criar roupa que as mulheres querem de facto vestir é, evidentemente, visto por alguns como uma quebra de compromisso.
Uma das muitas conquistas de Philo foi ter sido indubitavelmente comercial – há duas carteiras Céline com a sua assinatura que continuam a ser as carteiras mais em voga alguma vez feitas – mas nunca ter sido considerada como alguém que se "vendeu". As suas peças de roupa sempre se apresentaram como suficientemente difíceis para serem consideradas peças de Moda (não me façam falar) e ao mesmo tempo suficientemente fáceis para as pessoas as quererem de facto usar.
Ela é também uma inigualável desbravadora de novos caminhos, criando tendências que de início podem parecer disparatadas aos olhos de todos menos dos viciados em estilo mais empenhados, acabando depois por se tornar a tendência do momento. Um exemplo é o das suas sandálias de 2012, ao estilo Birkenstock e com pelo, as quais se podem hoje encontrar numa versão ao preço da chuva junto das clientes do supermercado Waitrose que frequento, na minha zona a norte de Londres.


Não admira que a LVMH, para quem ela trabalhou quando estava na Céline, queira estar associada à sua nova marca. No entanto, não porá as mãos em grande parte do seu trabalho. A gigante do luxo terá apenas uma participação minoritária, o que permite que Philo "dirija e faça as suas experiências".
Há uma outra coisa pela qual Philo se tornou notável: a sua capacidade de saber rumar e gerir a sua carreira nos seus próprios termos. Ela deixou a casa Céline porque se fartou dos prazos cada vez mais velozes da Moda moderna, e já anteriormente tinha tomado uma decisão semelhante, quando abandonou o seu lugar de topo na Chloé após dar à luz o terceiro filho – com Max Wigram, ex-aluno do Eton College e dono da galeria com o seu nome – e desapareceu do circuito durante dois anos para "pôr a minha cabeça, as minhas ideias e eu própria em ordem".

Como é que vai ser a sua nova marca? Importa sublinhar que a sua fase na casa Chloé – onde substituiu a sua amiga e ex-chefe Stella McCartney – foi muito diferente da sua fase na Céline. Na Chloé imprimiu uma modernidade hiper-feminina que oferecia leveza com severidade e que encaixava bem na zona VIP do festival de Glastonbury. Estava muito longe do intelectual e esotérico cunho "cool" que imprimiu na Céline, com um estilo mais virado para a feira internacional de arte contemporânea Frieze.

Penso que é seguro dizer que a hashtag #newphoebe vai ser tão popular quanto a #oldceline. Afinal de contas, foi uma marca pela qual se empolgou logo de início porque "não tinha história… tu vais e crias a tua própria história". E quando ela apresentou a sua primeira coleção, para a estação da primavera de 2010, "recordo-me de a minha mãe vir ter comigo, de lágrimas nos olhos, e dizer ‘é tão tu!’". O que também é assumido é que será igualmente empolgante para muitas outras mulheres. Estou entusiasmadíssima. Mas, tal como já referi, estou a tentar não o demonstrar.
Anna Murphy/The Times
Tradução: Carla Pedro

Moda, Phoebe Philo, Céline, LVMH, Karl Lagerfeld, Chanel, Birkenstock, Chloé, Moda, Designer, Estilo, Tendências