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Moda

Há fumo branco na Loewe. Mas o que significa o surto de despedimentos e nomeações nas principais casas de moda?

São números chocantes, até para uma indústria onde a única constante é a mudança. Em pouco mais de um ano, quase duas dezenas de diretores criativos abandonaram cargos em algumas das mais importantes marcas de luxo. A chegada de Jack McCollough e Lazaro Hernandez à Loewe é a mais recente manobra nesta “dança de cadeiras”. Num setor pouco acostumado a lidar com quebras de vendas, serão apenas fatores económicos a impulsionar estas mudanças?

Foto: Ilustração por Mariana Matos
24 de março de 2025 às 18:55 Ana Murcho

"A Loewe tem o prazer de anunciar a nomeação de Jack McCollough e Lazaro Hernandez como diretores criativos da marca. O seu trabalho ao longo das últimas duas décadas desempenhou um papel importante na formação da moda moderna, ao mesmo tempo que cultivou um diálogo contínuo com a cultura contemporânea. A sua abordagem do design, enraizada numa exploração rigorosa do artesanato e filtrada por uma sensibilidade artística, contribuiu para a evolução da indústria e alinha-se com os valores que sublinham a herança de 179 anos da Loewe." Foi assim que, pouco antes das sete da manhã desta segunda-feira, 24 de março, a Loewe comunicou, via Instagram, a chegada de Jack McCollough e Lazaro Hernandez à histórica casa espanhola.

Horas antes, já alguns sites especializados avançavam a notícia, nomeadamente o Vogue Business, que publicava uma entrevista com a dupla: "É claro que seguimos a Loewe há muito tempo e temos o maior respeito pelo que foi construído na última década — é verdadeiramente impressionante. Os valores da casa sempre nos inspiraram e estão muito próximos dos nossos: o compromisso com o artesanato e as artes, a liberdade e o amor pela experimentação e a superação de limites e, claro, um profundo envolvimento com a cultura." Nesta conversa, McCollough e Hernandez sublinharam ainda que esta era uma oportunidade única de alargar horizontes — seus e dos seus públicos. "Isto são tudo coisas que perseguimos de forma consistente na Proenza Schouler, embora numa escala mais pequena e independente. O objetivo é honrar os códigos da casa através da lente das nossas próprias histórias culturais e perspectivas estéticas pessoais. O papel de um diretor criativo hoje, na nossa opinião, é enfatizar a essência da marca de uma nova forma e fazê-la ressoar com o momento atual."

Foto: Getty Images

Nesse aspeto, a escolha da LVMH não podia ter sido mais certeira. Conhecidos pela sua abordagem cerebral ao sportswear americano, os criadores — que se conheceram em 1998, quando estudavam na Parsons School of Design, em Nova Iorque — fundaram a Proenza Schouler em 2002, recebendo desde logo um enorme apoio de figuras de peso como Anna Wintour; dois anos depois, foram os primeiros vencedores do prémio CFDA/Vogue Fashion Fund. A marca rapidamente se transformou em algo ultra-desejável, sinónimo de alfaiataria inteligente e texturas experimentais, uma fusão aparentemente effortless entre o estilo cool das raparigas que trabalham e o refinamento das especialistas de arte que de vez em quando vestem alta-costura. Entre as suas muitas clientes habituais (que por vezes também atuam como colaboradoras, protagonizando as suas campanhas) contam-se Chloë Sevigny, Parker Posey, Bella Hadid, Laura Dern ou Pamela Anderson. A facilidade com que McCollough e Hernandez dominam corte e costura estende-se aos acessórios, um dos segmentos mais importantes da Loewe. A PS1, uma satchel bag que, para muitos, representa o espírito da Big Apple, foi um dos maiores hits dos anos 2000. Uma mais-valia quando o futuro, agora, é comandar uma casa que começou, precisamente, na marroquinaria — e cujo enorme sucesso também se deve a uma certa carteira Puzzle…

Foto: Getty Images

O anúncio desta segunda-feira põe fim a vários meses de especulação. Apesar de o lugar de diretor criativo da Loewe apenas ter ficado vago na semana passada, a partir do momento em que Jack McCollough e Lazaro Hernandez deixaram a Proenza Schouler, em janeiro, que se especulava sobre o seu destino final. E todos os rumores sugeriam o mesmo: que seriam eles os sucessores de Jonathan Anderson (que entretanto saiu), que por sua vez começará um novo e impactante "reinado" numa das mais importantes maisons francesas, situada na Avenue Montaigne. Alegadamente, claro. Tem sido assim no último ano e meio: um entra e sai de designers que espelha o caos em que se encontra o setor do luxo, abalado por uma inesperada quebra de vendas e faturação. No ano passado, o grupo LVMH (que detém, entre outras, a Dior, a Givenchy ou a Louis Vuitton) faturou cerca de 85 mil milhões de euros, "um desempenho sólido apesar de um ambiente económico global desfavorável." A rival Kering (que conta com nomes como a Saint Laurent, a Balenciaga ou Gucci), pouco mais de 17 mil milhões, "12% inferior ao registado e numa base comparável."

Apesar de parecerem valores astronómicos, estes números são alarmantes, principalmente para os acionistas. Habituados a crescer dois dígitos por ano há mais de duas décadas, só a pandemia de 2020 abrandou ligeiramente os lucros — nem a crise de 2008 abanou a crença de que a moda era imune aos possíveis crashes da bolsa e às subidas da inflação, porque os ricos, esses, teriam sempre dinheiro… E estariam sempre dispostos a gastá-lo em roupa e acessórios.

Porém, parece que os novos consumidores são exigentes quanto baste e favorecem cada vez mais a autenticidade, o artesanato e o valor, em vez de exibições ostensivas de riqueza. A queda da Kering, a maior da sua história, e a da LVMH (2%) reflete a necessidade de uma nova estratégia por parte dos grandes players do mercado, a quem já não basta lançar uma hit bag com lista de espera ou uma coleção repleta de logótipos para garantir o sucesso. Bem pelo contrário: nada disso significa exclusividade, nada disso grita originalidade, nada disso simboliza individualidade. É preciso reconquistar os clientes e despertar a vontade de consumir.

Foto: Getty Images

O Instituto Marangoni referia, a este propósito, que "embora estas mudanças fascinem os especialistas e os críticos de moda, a reação da Geração Z não se centra no drama, mas nas implicações destas mudanças. Para uma geração que valoriza a transparência, a autenticidade e o propósito, estas mudanças criativas têm de significar mais do que apenas uma nova estética. Têm de incorporar os valores que são mais importantes para eles. […] Esta geração não se apressa a compreender os pormenores do currículo de um designer; faz perguntas mais profundas. […] Será que nova liderança dá prioridade à inclusão, à sustentabilidade e à relevância cultural? Ao contrário das gerações anteriores, que podem ter idolatrado os designers-celebridade, a Geração Z é cética quanto a colocar alguém num pedestal. Exige ação, não apenas arte. Por exemplo, a passagem de Alessandro Michele na Gucci repercutiu-se não só devido aos seus designs arrojados, mas também porque fez da marca um símbolo de auto-expressão, individualidade e inclusão. Se a nomeação ou a saída de um diretor criativo não promover estes ideais, a Geração Z irá provavelmente ignorá-la."

Enquanto a indústria se foca em usufruir do buzz gerado pelo ruído desta "dança de cadeiras" (que, sejamos francos, pode ter tanto de esquizofrénico como de viciante, forçando os amantes tradicionais de moda a ficarem colados a estas movimentações e a ter pensamentos tão subtis como "tenho de ter uma peça da primeira coleção de X na marca Y."), há uma Geração que questiona: "será que isso realmente interessa?"

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Agora, a mudança é a única certeza. Contudo, nem sempre foi assim. "Ao longo do século XX a estrutura das indústrias da moda, da sociedade e dos media permitia que um único designer ditasse o que estava ou não na moda. Coco Chanel, Christian Dior, Mary Quant e Yves Saint Laurent são apenas alguns dos designers que exerceram essa influência em algum momento das suas carreiras e que projetaram roupas que mudaram, fundamentalmente, a forma como as mulheres se vestem", explica Francis Corner, reitora do London College of Fashion, no livro Why Fashion Matters (Thames & Hudson). E se, nas últimas décadas do século passado, criadores com uma visão peculiar conseguiram ter um impacto que perdura muito para lá da sua existência terrena, casos de Issey Miyake, Rei Kawakubo ou Thierry Mugler, atualmente a margem de manobra para que esses "génios" se estabeleçam é muito curta. Não há tempo. O século XXI não espera pela coleção certa, pela peça perfeita, pelo mood impecável, pela elegância subtil, pela rebeldia inteligente. O século XXI prefere o casaco viral ao vestido feito à mão e, para isso, não há tempo.

O ritmo acelerado a que vive a indústria da moda é igual ao ritmo acelerado a que vive a sociedade no seu todo, e é impulsionado por uma combinação de fatores (onde não é alheia a influência da fast fashion): o comportamento do consumidor (que através de uma acessibilidade quase total exige uma gratificação instantânea e uma escolha quase infinita) e a influência das redes sociais (que com a publicação constante de "artigos" aceleram o ciclo de tendências, que aparecem e desaparecem a um ritmo alucinante). Tudo isto contribui para uma paisagem em constante ebulição, onde nada é garantido. Num artigo de análise recentemente publicado no Business of Fashion, Lucien Pagès, fundador da agência de comunicação Lucien Pagès Communication, lembrava: "A transformação de um designer só pode ser um sucesso se lhe dermos as ferramentas necessárias, se ele tiver tempo e espaço. As pessoas estão à espera de demasiadas coisas."

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Mas de que tipo de mudanças falamos? De pequenas alterações no seio de uma maison, em que o discípulo segue o trabalho do mestre que se aposenta, ou de pequenas-grandes revoluções, onde até o ADN e a estética podem sair beliscados? Só o tempo o dirá. 2024 começou algumas "notícias de última hora", como a saída de Pierpaolo Piccioli da Valentino, depois de 25 anos (oito dos quais como diretor criativo) na marca criada por Valentino Garavani. A notícia apanhou meio mundo de surpresa, e a escolha do seu sucessor ainda mais: Alessandro Michelle, ex-Gucci, o homem do chaos magic, apresentado dias depois. Ainda em março, Dries Van Noten anunciou a sua reforma, deixando uma imensidão de fãs desolados com o adeus do incomparável designer belga. O nome do seu sucessor seria conhecido meses depois, em dezembro: Julian Klausner — que entretanto se estreou na Semana de Moda de Paris com críticas bastante positivas. Em junho, a Chanel comunicou o fim (largamente esperado, de resto) da curta era Virginie Viard. Até pouco antes do Natal, quando foi finalmente revelado o seu substituto, dezenas de rumores circularam sobre quem iria ocupar o lugar mais cobiçado da indústria. No final, a escolha recaiu sobre Matthieu Blazy, até então diretor criativo da Bottega Veneta — cargo que, por sua vez, foi entregue a Louise Trotter, ex-Carven. Já este mês, a marca francesa, cuja fundação remonta a 1945, nomeou Mark Thomas "director of design." Podemos ainda colocar dentro desta categoria (oficiosamente designada "não posso acreditar, estou em choque") Kim Jones, que em outubro se despediu da Fendi — e, posteriormente, da Dior Homme. Ainda não se sabe quem o irá substituir.

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Mas as "novidades" não ficaram por aqui. Se 2024 serviu para alguma coisa, foi para mostrar que, de facto, em moda, o que hoje é certo amanhã pode não ser. Uma das maiores tendências do ano foi trocar de diretor criativo como se o mundo estivesse a acabar e todas as experiências tivessem de ser feitas. E ninguém quis ficar para trás neste jogo de cadeiras. Tentando seguir uma lógica cronológica — e receando perder algum nome pelo caminho —, voltamos a janeiro, quando a Moschino anunciou o argentino Adrian Appiolaza como diretor criativo. O designer sucedia a Davide Renne, escolhido depois da saída de Jeremy Scott, que num terrível golpe do destino faleceu apenas dez dias após assumir o cargo… Depois de um longo hiato, que durava desde a ruptura com Raf Simons, em 2018, que pouco se sabia da Calvin Klein Collection. Essa paragem foi interrompida, em maio, quando a marca divulgou que ia regressar às passerelles, pela mão de Veronica Leoni. Em junho a Lanvin escolheu Peter Copping (que já esteve ao leme da Nina Ricci e da Oscar de la Renta) como substituto de Bruno Sialelli — que tinha saído nos primeiros meses de 2023, e em julho a Blumarine tornou pública a contratação de David Koma, cuja marca homónima, lançada em 2009, é uma das mais procuradas para momentos de red carpet. O outono trouxe (ainda mais) movimentações, e logo em setembro ficou-se a saber que Sarah Burton, que tinha saído da McQueen em 2023, iria para a Givenchy, e que Haider Ackermann ocuparia o lugar de Peter Hawkings na Tom Ford.

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A bomba atómica cairia em outubro, quando Hedi Slimane decidiu deixar a Celine — que ficou entregue Michael Rider —, abrindo portas a um mar de especulações sobre o seu futuro. Ainda no mesmo mês, o veterano Alberto Caliri substituiu Filippo Grazioli na Missoni e Lorenzo Serafini chegou à Alberta Ferretti com o intuito de fazer o que fez na Philosophy: tornar a marca relevante (outra vez). Em novembro, Peter Do abandonou a Helmut Lang, e em dezembro, bom, dezembro foi o que se sabe. A juntar às já mencionadas mexidas na Chanel e Bottega Veneta, a Maison Margiela anunciou a saída de John Galliano, provocando uma onda de tristeza e comoção pelo planeta fora. 2025 não quis deixar os seus créditos por mãos alheias, leia-se, quis garantir que ia ter tanto impacto como o ano transato, e assim que pareceu minimamente razoável acabar com o clima de festa o modo "news flash" voltou a ser ativado. Em meados de janeiro, os fundadores da Proenza Schouler, Jack McCollough e Lazaro Hernandez, anunciaram o afastamento da marca (agora já sabemos porquê), a Gucci revelou a saída de Sabato de Sarno, que apenas esteve dois anos como diretor criativo, e a Maison Margiela comunicou Glenn Martens como substituto de John Galliano. Martens tinha tornado público, em setembro passado, a sua saída da Y/Project, garantindo, ainda, que mantinha o seu papel na Diesel. Lucie e Luke Meier, que estavam ao leme da Jil Sander desde 2017, abandonaram o cargo em fevereiro e, semanas depois, foram substituídos por Simone Belotti.

Numa das tardes mais caóticas dos últimos tempos, Donatella Versace revelou que abandonava a Versace e que Dario Vitale seria o seu sucessor; logo a seguir a Kering, que detém a Gucci, apontava Demna — até então diretor criativo da Balenciaga —, como novo responsável da casa italiana. Os mercados, sempre conservadores, não gostaram, e as ações da Kering caíram a pique. Escassos dias depois, Jonathan Anderson partilhou na sua conta de Instagram um longo adeus à Loewe, deixando um sabor agridoce em todos os que seguiram atentamente o seu trajeto na marca espanhola — que, entretanto, nomeou Jack McCollough e Lazaro Hernandez como seus sucessores, confirmando um dos segredos mais mal guardados da indústria.

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Tudo isto é sintomático das pressões a que o setor, outrora dominado pela busca do glamour e da excentricidade, está sujeito: a existência de cada vez mais desfiles, mais coleções, mais campanhas, sempre mais, mais, mais… Falhar é impossível, e o menor percalço significa que é preciso seguir uma "nova abordagem." Apesar da saída de um diretor criativo poder acontecer por várias razões — desde ser apanhado numa polémica, como John Galliano, quando estava na Dior, até uma separação por mútuo acordo —, na maior parte dos casos tudo se resume a números. O lucro é quem mais ordena. É ao lucro que os grandes conglomerados respondem, não aos momentos de inspiração dos designers. À semelhança do mundo moderno, que anseia por novidade a cada swipe, as marcas esperam que a troca de um designer por outro possa, como que por magia, atrair uma novo leque de clientes e obter resultados imediatos.

Claro que, em termos práticos, isto não é verdade. O "prazo de validade" de um designer é cada vez menor, e se os resultados não refletem as expectativas, ele será substituído em menos de nada: Ludovic de Saint Sernin, por exemplo, esteve apenas uma temporada na Ann Demeulemeester. Casos como os de Karl Lagerfeld, que esteve mais de 50 anos na Fendi e 35 anos na Chanel, já não existem. Talvez quem mais se assemelhe a essa longevidade seja Véronique Nichanian, que está na Hermès (Men) desde 1988. Ou a própria Miuccia Prada.

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Será a pressão impossível de suportar? Será que as exigências são, afinal, um entrave à liberdade de expressão? Veja-se os casos de Raf Simons e Alber Elbaz, que recusaram continuar a lidar com a tirania dos prazos, de um calendário sobrecarregado e de uma indústria que se tornou ingrata para quem aprecia a contemplação e a magia — e que, por isso mesmo, abandonaram, respetivamente, a Dior e a Lanvin? Impossível saber. Uma coisa é certa: os contratos nesta área são relativamente curtos — têm normalmente a duração de três anos —e se a meses da hipotética renovação a empresa empregadora sentir que ainda não existe uma "novo rumo" a seguir, ou que não foi encontrada uma "nova visão", os dias do diretor criativo estão contados. Por agora há muito por onde escolher. Entre os agentes livres mais cobiçados estão Hedi Slimane, John Galliano, Pierpaolo Piccioli e Riccardo Tisci — que apagou todos os posts da sua conta de Instagram e por isso, garantem os internautas, está a preparar um "comeback." Diz-se que Daniel Lee vai sair da Burberry, que Duran Lantink pode ser o próximo diretor criativo da Jean-Paul Gaultier, que Paul Surridge está a minutos de ser contratado pela Prada, para ajudar no departamento masculino.

Especula-se isto, discute-se aquilo, analisa-se o que sobrar. Só não se fala (o suficiente) da infeliz verdade que tudo isto esconde: continuam a existir poucas mulheres a vestir mulheres. Mas isso é matéria para outra conversa.

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