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Celebridades

O retrato realista da bulimia da princesa Diana em The Crown

Foram incluídas na série cenas muito gráficas sobre a bulimia da princesa Diana. Mas até que ponto se sabia desta sua pertubação alimentar quando ainda era viva?

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princesa-diana-principe-carlos Foto: Getty Images
24 de novembro de 2020 às 18:07 Rebecca Reid

Desde que The Crown teve início que se tem estado à espera que se aborde  um elemento particular sobre a princesa Diana. A série tem sido sempre apelativa, mas todos nós sabemos – mesmo quem era demasiado novo para se lembrar disso – que os anos verdadeiramente sumarentos chegaram quando o casamento real começou a desmoronar-se. E agora, tal como na vida, a quarta temporada de The Crown, que se inicia no final dos anos 70, é revigorada pela presença de Emma Corrin no papel da Princesa de Gales.

Corrin tem sido amplamente aclamada pelo seu desempenho como Diana, em grande medida graças à sua gestão sensível do distúrbio alimentar da princesa, a bulimia nervosa, sobre o qual esta falou abertamente nalgumas entrevistas e que The Crown retrata zelosamente em várias cenas desta temporada.

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Corrin diz que perguntou aos produtores de The Crown até que ponto poderia gravar cenas gráficas que realmente mostrassem os episódios deste distúrbio alimentar vividos por Diana. "Senti que se estávamos a tentar retratar a bulimia de forma honesta, teríamos de mostrar como é que as coisas realmente são. Caso contrário, seria um péssimo serviço para quem tenha passado por isso. Diana foi muito honesta acerca da sua experiência e admiro isso", declarou Corrin à Radio Times.

Mas até que ponto é que, naquela altura, estava a opinião pública ciente da sua doença? "A bulimia começou na semana a seguir a termos ficado noivos [1981]. O meu marido pôs a sua mão na minha cintura e disse: ‘Oh, estamos um pouco gordinhas aqui, não?", e isso desencadeou alguma coisa dentro de mim. E depois a questão da Camila… (…) A primeira vez que me tiraram as medidas para o meu vestido de casamento tinha 73,6 centímetros de cintura. No dia em que me casei, tinha 59,6 centímetros. Tinha encolhido, para quase desaparecer, entre fevereiro e julho", contou Diana ao biógrafo Andrew Morton, com quem colaborou na produção do livro de 1992 intitulado Diana: Her True Story – In Her Own Words [publicado em Portugal pela Bertrand Editora, em 1993, sob o título Diana: sua verdadeira história].

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Curiosamente, The Crown omitiu este pormenor – e certamente teria sido um momento bastante dramático. Mas a série tentou sempre fazer uma descrição moderada de Carlos, um jovem incapaz de se casar com a mulher que amava e que estava impedido de procurar uma ocupação com significado para a sua vida. Talvez o argumentista Peter Morgan soubesse que não havia volta a dar quanto ao facto de alguém chamar "gordinha" à noiva uma semana depois de ficar comprometido.

Em vez disso, The Crown apresenta uma Diana que se torna bulímica em resultado da solidão e do tédio, presa no Palácio de Buckingham depois de sair do seu apartamento em Earls Court (um bairro repleto de "prostitutas e australianos", graceja Helena Bonham Carter, cuja subutilização na série é um crime [faz o papel da princesa Margarida, única irmã da rainha Isabel II]). Com nada para fazer, e sem ter com quem falar nas três semanas que antecederam o seu casamento com um homem que mal conhecia, a sua ansiedade disparou.

Foto: Getty Images

Vemo-la engaiolada por entre centenas de bouquets de flores e a rainha a não responder aos seus telefonemas. Então, lutando para lidar com isso, a Diana interpretada por Corrin refugia-se na cozinha industrial do palácio e engole elaborados pudins, para logo depois se obrigar a vomitar. Esta cena desconfortável tem o seu quê de verdade, pelo menos de acordo com o chef do palácio, Darren McGrady, que em 2019 disse o seguinte à revista Hello!: "Sempre me questionei por que carga de água é que ela queria toda aquela comida, qualquer que fosse a comida. Eu estava lá na qualidade de chef, a minha função era cozinhar e preparar a comida. Não era um psicólogo ou um médico que pudesse dizer que ela não deveria comer tudo aquilo. Eu sabia que alguma coisa não estava bem. Mas não sabia, ou não compreendia, o que era a bulimia".

Embora os alegados comentários de Carlos sobre a cintura de Diana não entrem no guião, os argumentistas já não tiveram os mesmos escrúpulos perante a jovem Camilla Parker-Bowles. Numa cena bastante penosa, vemos Camilla a levar Diana a almoçar ao apropriadamente denominado Ménage à Trois (sim, é verdade), onde olha Diana de alto a baixo e lhe fala do quanto ela e Carlos se adoram. Diana/Corrin acaba por atacar três mousses de chocolate com um ar de auto-destruição furiosa. Uma vez mais, vemo-la pouco depois a vomitar tudo, ruidosamente e toda desalinhada, com lágrimas a escorrerem-lhe pelo rosto.

Quando se retrata distúrbios alimentares no ecrã, as diretrizes oficiais dizem que, se é para os mostrarmos, então não devemos glamorizá-los de forma alguma. Por isso, os produtores de The Crown ficaram numa situação complicada ao tentarem não embelezar a bulimia de Diana quando a princesa é uma das mulheres mais bonitas e admiradas da história recente, sendo muitas vezes descrita pelos admiradores como um ícone de estilo e uma supermodelo.

Mas eles conseguiram. Corrin inclina-se e dobra-se, rumo à total falta de glamour que está no facto de uma pessoa forçar o vómito. A sua bulimia é apresentada com uma agressão visceral que é comum outras séries apenas aflorarem – optando, tradicionalmente, por filmar a porta fechada de uma casa de banho e depois, na cena seguinte, mostrarem uma mulher com um rosto pálido.

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A escolha de The Crown mostra também sentido de responsabilidade. Não apresenta quaisquer "dicas" ou "truques" para se ficar mal disposto a ponto de vomitar – algo que foi feito noutras produções que falam sobre distúrbios alimentares, que foram depois acusadas de terem sido irresponsáveis. A série Skins, da primeira década de 2000, por exemplo, funcionou como uma espécie de manual de transtornos alimentares para as adolescentes de todo o mundo. Rebecca Willgress, diretora de comunicação da BEAT, instituição de beneficência para os distúrbios alimentares, disse ao The Telegraph: "Fomos consultados pela Netflix e pela Left Bank Pictures durante a produção da quarta temporada de The Crown. Não nos envolvemos nas filmagens, mas aconselhámos sobre como retratarem os distúrbios alimentares de uma forma sensível e não-glamorosa, incluindo o encaminhamento para as adequadas fontes de ajuda e fornecendo sinais de alerta quando necessário".

Os rumores sobre o distúrbio alimentar da princesa começaram a circular na década de 1980, mas Diana só falou sobre esse assunto muito mais tarde. Ela fez um discurso sobre a natureza insidiosa dos transtornos alimentares na conferência BJHM de 1993, mas falou em termos gerais e não tanto na sua própria batalha. Só quando deu, em 1995, a notória entrevista ao jornalista Martin Bashir, da BBC, é que a sua luta se confirmou. "Sofri de bulimia durante anos. E é como que uma doença secreta. Infligimo-la a nós mesmos porque a nossa autoestima está muito em baixo e não achamos que temos valor ou que somos úteis. Enchemos o estômago quatro ou cinco vezes por dia – e às vezes mais – e isso dá-nos uma sensação de conforto", contou a Bashir.

Durante a entrevista, Bashir perguntou a Diana se alguma vez tinha procurado o apoio da família real. Ela respondeu que não. "Não. Vocês têm de perceber que, quando sofremos de bulimia, sentimos vergonha de nós mesmos e odiamo-nos, por isso – e as pessoas pensam que estamos a desperdiçar comida – não falamos sobre o assunto com as outras pessoas. E a questão acerca da bulimia é que o nosso peso se mantém, ao passo que na anorexia se emagrece de forma visível. Por isso, podemos fingir permanentemente. Não há provas".

A série já foi anteriormente criticada por tornar a vida fácil à família real. O próprio Peter Morgan confessou que se tinha convertido, passando de antimonárquico a defensor da monarquia enquanto escrevia o argumento da série. Mas não são críticas que provavelmente iremos ouvir sobre a quarta temporada. A maneira como A Firma [nome pelo qual é conhecido a família real britânica] geriu as lutas de Diana – ou melhor, a sua total falta de gestão – coloca-os a todos sob uma luz que lhes mancha a reputação.

Por entre o desempenho de Emma Corrin, que nos despedaça o coração, não é difícil imaginar que os espetadores possam muito bem vivenciar a mesma mudança de lealdade revelada pela opinião pública britânica quando tudo isto revelou ser real.

A quarta temporada da série The Crown já está no Netflix

Créditos: Rebecca Reid/The Telegraph / Atlantico Press

Tradução: Carla Pedro

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