A família mais influente da década
No espaço de 10 anos tornaram-se um fenómeno, mudando a aparência das mulheres, desde as sobrancelhas grossas a liftings de traseiros, e transformando-se em multimilionárias pelo caminho. Desvandamos o poder da equipa Kardashian.

Em 2009, Kim Kardashian foi a resposta norte-americana a Jade Goody: uma estrela de reality show televisivo que acabara de lançar o seu primeiro perfume e era famosa por ser amiga de Paris Hilton. Uma década mais tarde, Kim põe à prova qualquer comparação, não tanto em termos de celebridade, mas enquanto fenómeno cultural sob a forma de capitalismo omnicanal de televisão destilado com um conjunto de curvas de fama mundial.
Estima-se que Kim Kardashian valesse 370 milhões de dólares no final de 2019 e a sua família transformou-se numa indústria por direito próprio. A irmã Kylie é a mais jovem multimilionária self-made do mundo e Kendall a modelo mais bem paga. Mesmo quem não lhes conhece os nomes, reconhece-lhes os rostos.

Se algo resume a década que acaba de terminar, é o clã feminino Kardashian. São os rostos que lançaram mil lábios e a família que fez rebentar a Internet, possuindo, no seu conjunto, uma legião de seguidores online maior do que população da Alemanha (83 milhões): Kourtney, de 40 anos, Kim, de 39, Khloé, de 35, e as meias-irmãs Kendall e Kylie Jenner, de 24 e de 22. Mais glamorosas do que as irmãs Joan e Jackie [Collins], e mais prolíficas do que as irmãs Mitford e com mais dramas do que Chekhov, durante 10 anos as irmãs Kardashian têm sido o equivalente à peste suína em termos de celebridade: uma pandemia que figura em cabeçalhos a nível global, mas que não contagiou alguém que a leitora conheça.
Se reparar melhor, porém, e se estiver equipada com o conhecimento da retrospetiva, a influência das Kardashian sobre as mulheres mais jovens é evidente. As extensões de cabelo, as selfies carregadas de contouring [técnica ou hábito de maquilhar o rosto recorrendo geralmente a base ou a bronzeador de modo a acentuar as formas do mesmo], a aparência marcada pela maquilhagem e pela cirurgia plástica: uma estética que é parte estrela porno e parte princesa Jasmine tornou-se comum em todo o mundo à medida que as Kardashian cresceram como hera e ocuparam todos os recantos possíveis e imaginários.
Kim ganhou mais de 100 milhões de dólares só com a sua gama de maquilhagem e o seu império também inclui uma nova linha de roupa interior modeladora e um conjunto de emojis baseado na sua vida. Khloé publicou um livro de autoajuda e tem a sua própria série de televisão. Kourtney é proprietária de uma boutique de lifestyle. A sua mais recente aposta é o Kardashian Kloset, um website que vende peças em segunda mão oriundas dos armários atafulhados de roupas do clã e mostra manequins sem peruca da época da Acorn Antiques reclinados, com um ar levemente embriagado, com vestidos de cocktail de 5.000 dólares e casacos de peles de 25.000 dólares. Segundo a matriarca Kris Jenner, é um esforço de sustentabilidade. No entanto, segundo a definição de economia circular das Kardashian, todos os lucros vão para os cofres da família.

É provável que a leitora não tenha o menor interesse nas cuecas de Kim, nem em comprar as roupas das irmãs, mas há muitas probabilidades de estar, neste momento, a usar uma variante delas: o look Kardashian não está confinado à geração das selfies. Os cirurgiões plásticos dizem que Kris ocupou o lugar de Sharon Osbourne como a referência de lifting facial mais popular entre mulheres de determinada idade.
Quando Kylie revelou que tinha feito preenchimento nos lábios, em 2015, as pesquisas do termo aumentaram 500 por cento, segundo a Google Trends. A procura desta cirurgia aumentou 70 por cento desde então, sobretudo entre mulheres na casa dos 20 anos. Se olhar em seu redor em qualquer clube noturno ou num festival, verá 100 versões da mesma boca cantando à sua frente. "Não é por as clínicas fazerem publicidade", diz Angelica Kavouni, cirurgiã com consultório na londrina Harley Street [artéria conhecida pela concentração de especialistas em medicina e em cirurgiões]. "É porque se tornou normal. Pessoas de todos os substratos pensam que têm direito a fazê-lo. E isso veio tudo das Kardashian."
"Elas mudaram a forma como as mulheres usam maquilhagem", diz Funmi Fetto, antiga editora de beleza da Vogue inglesa. "A forma como a aplicamos e a aparência final. Pode ser contouring ou um pouco de highlighter… As Kardashian entraram nas bolsas de maquilhagem de todas as mulheres."

Antes de levantar uma sobrancelha cética e perfeita (tem de agradecer a Kim por isso), lembre-se do seguinte: se alguma vez usou batom nude, se fez um lifting, se pintou as sobrancelhas ou se realizou algum outro ajuste recentemente, então foi Kardashianada. Já vestiu bege ou padrão de leopardo, um par de leggings e um casaco militar ou de penas? Uma saia justa com uma camisola de gola alta ou calças de ganga com a cintura subida? Então é um membro pleno do kulto.
"Parece que não conhecemos ninguém que tenha comprado o perfume delas, mas elas mudaram a forma como consumimos", diz James Williams, jornalista especializado em celebridades que acompanhou a ascensão das Kardashian durante os seus 14 anos como editor de entretenimento da Glamour inglesa. "A sua presença online faz com que sejam titãs do marketing. Foram as primeiras pessoas a ganhar dinheiro com o Instagram."
As Kardashian, basicamente, inventaram o conceito de influencer das redes sociais que, cada vez mais, é a única forma de publicidade que parece funcionar. Três das cinco irmãs já detiveram o recorde de fotografia com mais "gostos" no Instagram e Kylie ocupa seis lugares do Top 20. Quando a sua publicação que anunciou o nascimento da filha, em fevereiro de 2018, angariou mais de 18 milhões de "gostos", seguiu-se uma reação sob a forma de uma Egg Account [Conta de Ovo], que conseguiu 50 milhões. Não interessa. Continuamos todos a "dançar" ao ritmo das Kardashian, quer o saibamos, quer não.

Março de 2016, Paris: Olivier Rousteing, designer da Balmain, apresentou uma homenagem à sua amiga Kim na passerelle com peças dos tons de cinzento e de cor-de-rosa que ela gosta de usar dos pés à cabeça, imitando o seu gosto por ombros largos e cinturas estreitas e espartilhadas, e chegando ao ponto de copiar a sua famosa topografia com minissaias estruturadas em forma de abat-jour. As modelos – incluindo a irmã mais nova, Kendall Jenner – usaram perucas louras platinadas, pois Kim tinha mudado de cor de cabelo na semana anterior. Foi um golpe publicitário, mas a mensagem foi clara: esta era a fonte da moda.
Agosto de 2018, Los Angeles: Kim Kardashian usou um minivestido cor-de-rosa néon da marca de roupa do marido, Kanye West, a Yeezy, para ir à festa do 21.º aniversário da irmã Kylie, recebendo mais de três milhões de "gostos" numa imagem publicada no Instagram. Em poucas horas, os websites de fast fashion tinham copiado o look de Kim (e do resto da família) para vender aos seus clientes. Um mês mais tarde, tons semelhantes desfilaram nas passerelles de Armani e de Versace, entre outras marcas. Um ano depois, havia 743 por cento mais néon nas lojas, segundo o website de dados Edited.
"As vendas de néon não eram fantásticas, mas assim que Kim o usou, aumentaram imenso", disse Adam Frisby, fundador do In the Style, uma marca de fast fashion inspirada por estrelas do Instagram. "Já assistimos a duplicações das vendas de um dia para o outro quando uma Kardashian veste uma peça parecida com as nossas. Transforma-se imediatamente numa tendência."
Na Asos, quase todas as peças mais vendidas podem ser rastreadas até algo visto na conta de Instagram de Kardashian, numa fotografia tirada por um paparazzo a uma das irmãs ou num episódio do seu reality show, Keeping Up With the Kardashians, que estreou em 2007 e que está na sua 17.ª temporada. No verão passado, o website vendeu 33 mil óculos de sol com formato de olhos de gato depois de Kendall e de Kylie serem vistas com uns do mesmo estilo. Este ano, as vendas de sapatos de salto alto em Perspex quase duplicaram – uma tendência iniciada por Kim, em 2016. Quanto aos casacos de penas que as irmãs usam todos os invernos, a diretora de design do website, Vanessa Spence, diz: "Vendemos 20 mil desde julho e ainda nem sequer está frio."
Scott O’Connor é o diretor executivo da marca de calçado Dear Frances, uma pequena empresa, sediada em Londres, que quase foi esmagada pelo impacto de uma Kardashian, em 2016. "Tivemos milhares de encomendas quando Kendall e Kylie apareceram com as nossas botas Spirit", revela. "Elas são tão observadas pela indústria, pelas publicações e pelos seus milhões de seguidores que tivemos, instantaneamente, centenas de tags nos nossos canais sociais e esgotamos os nossos artigos em poucos dias."
O kapital kultural das Kardashians não é comparável com o de alguma estrela da lista A que as tenha precedido. Elas pertencem a uma categoria de megacelebridades com turbo, da época do capitalismo tardio, forjada na perseguição policial de carro a OJ Simpson, em 1994, e transmitida ao vivo pelas redes televisivas – possivelmente a primeira emissão de reality TV, durante a qual Robert Kardashian, o advogado de OJ e pai das três mais velhas, falecido em 2003, esteve ao telefone com ele para tentar dissuadi-lo – e polida pelo voyeurismo e pela ubiquidade que acompanhou o advento das redes sociais.
"Elas foram muito inteligentes ao imporem as suas identidades individuais, mas também por conseguirem trabalhar como uma unidade de forma coesa", admite James Williams. "Elas perceberam que cada uma tem o seu próprio interesse para públicos diferentes e aprenderam a controlar os seus poderes. Kylie faz uma campanha com uma irmã e a seguinte com outra. Kim fez o mesmo quando lançou o seu perfume."
O que significa isto para qualquer pessoa com mais de 25 anos?, pergunta-se a leitora. A resposta reside na possibilidade de a leitora ter um vestido de jersey justo (as vendas aumentaram 40 por cento entre 2015 e 2017), de passar o fim de semana de um lado para o outro com umas leggings estilosas (aumento de 95 por cento nas vendas no ano passado) ou de seguir o tipo de regime rigoroso de cuidados das sobrancelhas que a faria rir há 10 anos, mas que, por exemplo, custa atualmente cerca de 200 libras por ano à típica mulher britânica. E não precisa de ter uma cinta de treino para estar sob a influência das Kardashian.
Com efeito, o poder comercial das Kardashian e o seu apelo de 360 graus contribui para uma certa homogeneidade das tendências que é transversal a raças, a idades e a classes, mesmo que tenha tornado comerciais algumas coisas previamente consideradas excessivas.
"O contouring costumava ser um segredo dos maquilhadores e das drag queen", diz Funmi Fetto. "Ninguém falava nisso antes, mas as Kardashian incorporaram-no no vernáculo quotidiano da beleza. As sobrancelhas também não eram nada de especial."
Diz-se que realizar a rotina de beleza de Kim Kardashian demora duas horas no total. Em 2018, um inquérito realizado para uma marca de fast fashion concluiu que as jovens britânicas demoram agora, em média, uma hora e 38 minutos a tratarem a sua, dispensando mais uma hora ao cabelo. Mesmo que não siga todos os 14 passos da rotina, é provável que se esteja a usar técnicas popularizadas pelo maquilhador de Kim, Mario Dedivanovic, que tem 7,2 milhões de seguidores no Instagram.
"A Kim fez com que as pessoas quisessem parecer mais polidas", diz Fetto. "Agora preocupamo-nos com coisas que não nos afligiam antigamente porque estamos constantemente a ser bombardeadas com a perfeição nas redes sociais e isso começou com as Kardashian. As pessoas olham para as suas caras como algo que precisa de ser arranjado."
Além dos preenchimentos de lábios de Kylie, quatro das cinco irmãs admitiram ter feito "liftings brasileiros ao traseiro", um aumento que implica uma lipossucção na parte inferior do corpo, cintura e abdómen para depois injetar a gordura nas nádegas, aumentando o seu tamanho e forma. Após as recentes mortes de duas mulheres, cujas operações correram mal, foi anunciado no início de dezembro último que este tipo de cirurgia será submetido a uma revisão formal e, possivelmente, banido no Reino Unido. Não obstante, os traseiros das Kardashian continuam a ser um dos artigos mais solicitados do menu [das plásticas].
"Não estávamos preparados para o tsunami", diz Kavouni. "As redes sociais popularizaram o uso comercial do corpo para promover marcas e fazer disso uma carreira. O recurso à cirurgia plástica tornou-se moda e estamos a fazer um esforço para acompanhar essa tendência." A guru de beleza Fetto considera que até aqueles que só pretendem uma correção rápida de rugas de expressão fazem parte desta maré. "As Kardashian normalizaram o Botox e os preenchimentos porque são completamente recetivas a essas intervenções. A Kim fez uma ao vivo na televisão."
Esta imagem é um bom resumo da Kardashianização da existência contemporânea: mais do que os patrocínios e das tendências de vestuário, os contributos kulturais do Kardashianismo estão também a mudar a maneira como vivemos. O exibicionismo tornou-se banal, o narcisismo é agora considerado cuidado pessoal e empoderamento e o Botox é a nova depilação das virilhas. Paris Hilton, a estrela de reality TV, herdeira e proto-Kardashian, afirma ter inventado a selfie, em 2006, mas o termo só foi acrescentado ao OED [Oxford English Dictionary] em 2013 – Kim publicou a sua primeira selfie em 2012. Depois de transformar as selfies na sua profissão, Kim publicou um livro de mesa cheio delas, intitulado Selfish, em 2015. É por sua causa que as pessoas, agora, se viram de costas para se fotografarem ao lado da Mona Lisa, que há filas de quatro horas na isolada praia indonésia de Kelingking e na norueguesa Pulpit Rock, e após cada discurso de Elizabeth Warren. É por sua causa que as jovens passam mais do que cinco horas por dia a fazer pose e já não sentem vergonha de se comporem e de fazerem boquinhas para os seus ecrãs em público. O simples ato de captar selfies apressadas e ilícitas para as quais, por vezes, poso em segredo e quase sempre apago, deixa-me mortificada e a sentir-me ligeiramente imbecil. Para qualquer pessoa com mais de 30 anos, este comportamento é dolorosamente embaraçoso. Para as mais novas, é um mero facto da vida. As épocas costumavam estar divididas em A.C. e D.C. Talvez seja altura de mudar para A.K.: Antes das Kardashian.
Exclusivo The Times Magazine/Atlântico Press. Tradução Erica Cunha e Alves
