David Valverde: "A vida moderna está a fazer com que tenhamos mais alopecia, fruto do stress diário"
Ninguém é imune à queda do cabelo e, por isso, também ninguém é imune às promessas de "cura" das loções, poções e comprimidos que a indústria do bem-estar tenta impigir-nos. Nesta conversa, tentamos separar o trigo do joio. Porque as soluções existem.

David Valverde, médico especializado em medicina estética, ocupa boa parte dos seus dias, na Valverde Clinic, dedicado à tricologia – área que se dedica à saúde e ao tratamento do cabelo. A queda de cabelo, pontual ou crónica, é das situações que mais sofrimento causa, aos homens, certamente, mas também às mulheres. A Máxima aproveitou a chegada da primavera – altura do ano em que, a par do outono, ocorre uma queda de cabelo mais pronunciada –, para perguntar a este médico o que é que pode e deve ser feito para tentar vencer este combate desigual. David Valverde é, de resto, o coordenador do primeiro mestrado em Tricologia em Portugal, portanto, ninguém melhor para indicar o caminho rumo a uma cabeleira farta e saudável.
É comum falar-se de queda de cabelo sazonal no outono, o que faz sentido, afinal as folhas das árvores também estão a cair. Mas há cada vez mulheres que se queixam de queda de cabelo na primavera. É normal? Por que é que acontece?

Sim, é normal. A queda de outono é mais conhecida e mais visível. Mas na primavera também acontece, devido às mudanças de temperatura a que o folículo piloso é submetido e que faz com que os cabelos que estão em fase telogénica, caiam. Convém, talvez, recordar o ciclo do cabelo: tem uma fase anagénica, que é uma fase de crescimento ativo; uma fase catagénica, mais curta, em que ocorre uma estabilização; e depois uma fase telogénica, que é uma fase de preparação para a queda, que dura cerca de quatro meses e, ao fim desse tempo, o cabelo cai. Portanto, há eventos externos, neste caso, a variação de temperatura, que podem fazer com que o cabelo caia. No caso, o cabelo que está na fase telogénica, já programado para cair, cai.

A vida moderna está a fazer com que nos caia mais cabelo? O que podemos fazer para evitar ou minorar a queda?

É verdade que a vida moderna está a fazer com que tenhamos mais alopecia, fruto do stress que temos no dia a dia, de estarmos mais expostos à poluição, termos uma alimentação pior, com mais açúcares, mais gorduras. Tudo isso faz com que o folículo piloso não se desenvolva como deveria. Para além de um estilo de vida saudável, com o mínimo de exposição possível ao stress, as senhoras devem, também, ter cuidado com a utilização de placas quentes para alisamentos, produtos químicos, entre outros, que também são um trigger para a queda de cabelo.
Há suplementos alimentares que podem ajudar? Se sim, que vitaminas e minerais podem ser coadjuvantes e porquê?
Sim, há alguns parâmetros vitamínicos e minerais que podem ajudar. Cistina, vitamina D, cobre, zinco, selénio, vitaminas B1, B3, biotina. A vitamina D, por exemplo, é importantíssima porque o folículo piloso é rico em recetores para esta vitamina, sendo, portanto, um dos constituintes mais importantes para o crescimento capilar.

E quanto a champôs e loções capilares? Vale a pena investir?
Vale. Não digo que o champô seja a solução. Um champô, como é óbvio, não irá atuar a nível do folículo capilar, que está dentro do couro cabeludo, mas é fundamental que mantenhamos a integridade do couro cabeludo. Garantir que temos um couro cabeludo saudável, que não esteja inflamado, de forma a que o folículo piloso tenha todas as condições para que possa desenvolver-se e crescer. É importante manter a qualidade da fibra capilar com loções que possam hidratar, regenerar, por aí...
O que é que pode causar a queda de cabelo, não só a sazonal, mas a prolongada? Existem diversos fatores. Primeiro que tudo, há que perceber que há vários tipos de queda de cabelo, aquilo a que chamamos eflúvio. Numa consulta, temos de perceber se estamos perante uma queda de cabelo pontual, ou mais arrastada no tempo, mais crónica. E temos de perceber se estamos perante alguma patologia que possa estar a fazer com que o cabelo não se desenvolva e caia. Temos alguns casos típicos: a deficiência de ferro, por exemplo, ou um problema de tiroide, que se não forem tratados, vão causar uma queda prolongada.

Tipicamente a queda de cabelo é um problema em que as pessoas se sentem perdidas. Não sabem onde procurar ajuda. Afinal, não parece um problema suficientemente sério para o médico de família. Que ajuda é que as pessoas podem e devem procurar quando a queda de cabelo se torna preocupante?
Não concordo que seja um problema para o qual o médico de família não esteja desperto. Simplesmente, não faz parte da sua especialização perceber que tipo de alopecia está presente. Por isso, irá encaminhar o paciente para um colega, um médico que esteja habilitado a tratar essa condição, como um dermatologista ou um médico de medicina estética com formação em tricologia. Este tipo de patologia, seja nas senhoras, seja nos homens, pode causar um sofrimento atroz e as pessoas sentem-se efetivamente perdidas porque experimentam várias soluções que o marketing e publicidade tentam vender-lhes e que, muitas das vezes, são promessas falsas. Isto leva a que as pessoas não compreendam a sua condição, gastem muito dinheiro, e continuem a viver num sofrimento que poderá ter consequências graves, seja a nível pessoal, profissional, ou nas relações humanas. É importante que as pessoas que têm este tipo de problema tenham algum sentido crítico e não acreditem em tudo o que lêem, nem comprem o primeiro produto que promete ser milagroso porque podem estar perante uma condição patológica que desconhecem e devem procurar ajuda para serem devidamente orientadas.

Como é que um médico tricologista pode ajudar? O que é que uma pessoa pode esperar numa consulta?
Numa consulta mais especializada é feita uma história clínica profunda em que se procura conhecer bem a pessoa e todo o historial que leva até àquela alopecia e tentamos, em conjunto, sempre estabelecendo uma relação de confiança forte, perceber que condição é que poderá estar ali subjacente. Depois a pessoa é orientada com uma tricoscopia, que é a observação do cabelo e do couro cabeludo com uma câmara, e faz-se um diagnóstico, não só através da observação, mas também através de análises clínicas. Há situações em que se poderá ficar com dúvidas e pode ser necessário recorrer a uma biópsia. Depois a pessoa é orientada, são sugeridos tratamentos, quer que sejam em gabinete, quer sejam em casa, farmacológicos, tudo em conjunto e acompanhando o paciente ao longo do tempo para se conseguir perceber a evolução da sua condição.
O que é um teste de ADN antecipado e o que é possível descobrir?
Existem vários tipos de alopecias, nomeadamente a mais conhecida que é a androgenética que, como o próprio nome diz, tem uma componente hormonal e genética e, como tal, é a que afeta mais pessoas. Este tipo de alopecia consegue ser estudada analiticamente, pelo lado hormonal, e consegue-se perceber, a nível genético, que genes estão envolvidos na queda de cabelo da pessoa. Com essa informação conseguimos perceber o que é vantajoso fazer como tratamento, em função da receptividade dos genes da pessoa para os vários tipos de tratamentos. Podemos investigar, com um teste rápido de saliva, a que é que o folículo capilar é mais susceptível, que componente fará com que ele cresça mais e vamos tentar atenuar, digamos assim, os genes que não são tão bons para o crescimento do folículo. A partir dessa informação, podemos desenvolver champôs, séruns, condicionadores, loções tópicas ou até suplementação oral para o tratamento de forma personalizada, feito à medida para aquela pessoa.
Quais os tratamentos que faz com mais frequência para a queda do cabelo?
O plasma rico em plaquetas, em que as plaquetas ativadas libertam fatores de crescimento e alimentamos, entre aspas, o folículo com esses fatores de crescimento. Começa a falar-se muito também na aplicação de exossomas [pequenas vesículas produzidas naturalmente pelas células, que contêm biomoléculas como proteínas, lípidos e ácidos nucleicos], falamos também de mesoterapia, falamos também de terapia fotodinâmica em que conseguimos ativar as mitocôndrias presentes em todos os folículos de forma a fazê-los crescer e que tenham um desenvolvimento melhor e mais sustentado, e também fazemos o microagulhamento capilar, que causa micro-lesões através das quais conseguimos fazer uma estimulação e uma melhor irrigação sanguínea de todo o couro cabeludo, em todas as fases, e com excelentes resultados também.
Pode explicar-nos o processo do transplante capilar?
Um transplante capilar é um processo mais invasivo, mas é um processo com muito bons resultados, mas também com limitações. As pessoas têm de ser muito bem elucidadas sobre o que o transplante é capaz de oferecer. Basicamente, o que se faz é retirar folículos de uma zona dadora, que sabemos não ser hormonodependente e que não vai fazer com que aquele folículo seja suscetível, a nível hormonal, de ser implantado numa zona recetora que é suscetível a essas hormonas e que fazem cair o cabelo. E, portanto, o que fazemos é retirar cabelo de uma região dadora, geralmente da zona occipital e colocamos na zona recetora, que é a zona mais frontal e da coroa, que são zonas que são muito suscetíveis a nível hormonal e que causam então aquela alopecia que é a mais conhecida. Mas nem todos os pacientes são elegíveis para transplante. Há muitos sítios que elegem erradamente pacientes para fazerem transplante e, no fim, não obtêm os resultados que gostariam. Portanto, aconselho a todas as pessoas a dirigirem-se a profissionais qualificados e que exijam que o seu diagnóstico seja feito por médicos. Também é um procedimento que não pode ser feito com uma postura tipo "fiz o transplante e acabou". É um processo lento, que deve ser acompanhado por médicos. E não podemos esquecer que existe cabelo nativo que ainda tem que ser mantido porque a pessoa tem uma condição que ainda pode dar alguns sinais nos cabelos que se mantiveram.

O transplante resolve, de facto, o problema?
Em pessoas elegíveis, o transplante resolve, efetivamente, o problema. Mas uma pessoa que tenha uma área de calvície muito grande e uma zona dadora muito fraquinha não vai resolver o problema. Em pessoas com uma boa zona dadora, sim, conseguem-se ter excelentes resultados e resolver o problema de forma definitiva porque aquele cabelo não vai cair.
É coordenador do primeiro mestrado de tricologia do país. Pode falar um pouco sobre isso?
Sim, quando comecei a trabalhar em medicina estética, dediquei-me à tricologia, que, em Portugal, é uma subespecialidade da dermatologia ou de pessoas que se dediquem a esta componente na medicina estética. Não existindo formação em Portugal, fiz um mestrado em tricologia em Espanha, com formação em microtransplante capilar, e achei, junto com as entidades espanholas, que seria uma boa forma de colmatar a falta de profissionais que existem em Portugal. Por isso, trouxemos o mestrado para cá, e vai começar a segunda edição em maio, e sim, estou a coordenar, já tivemos a primeira edição, correu muito bem e estamos a pôr então pessoas que queiram tratar de cabelos com uma formação académica sólida [o mestrado é da responsabilidade da UDIMA - Universidade à Distância de Madrid], com profissionais de renome e estamos a conseguir cumprir os nossos objetivos.
