A zona genital deve ser lavada só com água? As toalhitas são o inimigo a abater? Tudo sobre higiene íntima

E podemos continuar: os pensos diários desequilibram a flora? Uma bruma íntima vai irritar a pele da vulva? Falámos com uma ginecologista e tirámos todas as dúvidas.

Foto: Getty Images
05 de fevereiro de 2025 às 15:48 Madalena Haderer

Se não servir para mais nada, a infame bruma íntima Pipy, produto recém-lançado por Cristina Ferreira, tem pelo menos o mérito de ter posto toda a gente a falar de saúde e higiene vulvovaginal. Entre as mulheres que lavam a zona genital só com água e as que não são apanhadas num fim-de-semana longe de casa sem o seu gel lavante na bagagem, há um longo caminho a percorrer. Spoiler alert: têm todas razão.

A Máxima aproveitou esta deixa e foi conversar com Mónica Gomes Ferreira, ginecologista na MS Medical Institutes, na clínica CUF Alvalade e no hospital CUF Descobertas, e diretora do Instituto Mulher e Saúde. Ficámos a saber que cuidados de higiene é que uma mulher deve ter ao longo da vida, com que idade é que uma menina pode começar a usar um produto de higiene íntima, quantas vezes por dia é que uma mulher deve lavar os genitais e, claro, o que é que pode acontecer se aplicar o famoso Pipy no seu, enfim, órgão sexual.

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É verdade que a zona genital deve ser lavada só com água?

Sim, se não houver nenhuma contraindicação, nenhuma alteração a nível vulvovaginal, lavar só com água morna é uma possibilidade válida. Porém, hoje em dia, devido ao marketing das empresas que fabricam produtos de higiene íntima, e também por vontade das nossas pacientes, que sentem que a água não é suficiente, acabamos por recomendar produtos de higiene íntima, regra geral, em gel. Também há pessoas que no dia-a-dia estão sempre fora de casa e sentem necessidade de realizar uma higiene mais a fundo, depois de irem à casa de banho num sítio público. Nesses casos, recomendamos uma higiene com toalhitas.

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Há uns anos as toalhitas eram o inimigo a abater. Afinal, podem ser usadas?

Podem. Hoje em dia a indústria trabalha muito essa área, [desenvolvendo produtos que] mantêm o equilíbrio da flora vaginal, o que facilita a vida a muitas pessoas que às vezes sentiam que só o papel higiénico não era suficiente. Agora, há opções à base de água, que mantêm o pH e estão dermatologicamente testadas, sobretudo as que se vendem nas farmácias, portanto, não produzem complicações de forma habitual.

Mesmo depois de uma relação sexual, a lavagem só com água continua a ser, do ponto de vista médico, suficiente?

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Sim, desde que não haja qualquer infeção da parte masculina ou feminina. E é importante referir uma coisa: quando dizemos higiene íntima falamos da zona vulvar. Nunca devemos aplicar produtos no canal vaginal. A nossa vagina tem um pH, que geralmente é ácido, e tem lactobacilos. Banhos a nível do canal vaginal alteram o pH e podem causar um desequilíbrio dos lactobacilos, promovendo infeções ou complicações.

No que toca à higiene vulvar, há ingredientes benéficos que devem ser usados e ingredientes que devem ser evitados?

Os produtos têm de ser à base de água. E que tenham compostos que proporcionem um pH entre 3.8 e 4.5, que é um pH ácido. Não devem ter fragrâncias porque estas alteram o equilíbrio e, portanto, as infeções vão ser mais frequentes. Também não devem conter ingredientes que possam irritar, como sulfatos ou álcool.

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Como é que uma pessoa sabe se o produto que quer usar tem pH ácido?

Hoje em dia, praticamente todos os produtos de higiene íntima, principalmente das marcas à venda nas farmácias, têm informação do pH. Porque é um requisito cada vez mais comum. Se uma pessoa for comprar um produto de higiene íntima, e vê que não faz essa referência ao pH, nem sequer diz se é pH ácido ou básico ou neutro ou o que for, eu não arriscaria comprar.

O pH vaginal ou a higiene genital têm exigências diferentes ao longo da vida das mulheres?

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Sim. Vamos mudando, a nossa pele vai mudando, vamos tendo alterações hormonais. Inicialmente, até aos três anos, não deve ser aplicado qualquer tipo de produto de higiene. Ou seja, é só mesmo água. A partir dos três anos, a indústria começou a lançar alguns produtos para meninas que ainda não tiveram a menstruação. Portanto, para usar a partir dos três anos até à menarca, que é a idade da primeira menstruação. São produtos com o pH ligeiramente alterado, um bocadinho mais básico, porque elas ainda não têm as alterações genitais, vaginais e vulvares produzidas pelas hormonas. A partir da primeira menstruação, até à menopausa e depois da menopausa pode manter-se sempre o mesmo produto. Entretanto, a indústria começou a lançar produtos de higiene íntima para depois da menopausa, que são produtos que têm um efeito não tão aquoso, é um gel mais denso, que tem o efeito mais hidratante. Isto porque um dos sintomas da menopausa é a secura vaginal e vulvar. Só que, de acordo com a minha experiência, as senhoras que já usavam produtos de higiene íntima antes da menopausa não estão habituadas a ter um produto tão denso e não se dão bem. Já as que começam a usar só depois da menopausa tendem a gostar porque sentem que a zona fica um bocadinho mais hidratada.

O que é que uma mulher pode fazer para manter uma flora vulvovaginal saudável?

São coisas muito óbvias. Manter a higiene habitual e não exagerar. É muito importante esta questão porque, às vezes, temos mulheres que vêm à consulta e dizem que lavam a zona íntima cinco vezes por dia. E isso não é o adequado, mesmo que seja só com água, porque o pH da água é diferente do nosso. Geralmente, recomendamos fazer higiene da zona vulvovaginal uma vez por dia. Exceto, por exemplo, imaginemos que estamos no verão e está muito calor, a mulher transpira mais, andou o dia todo de um lado para o outro e não se sente confortável. Nesses casos, sim, pode lavar-se mais vezes, por exemplo, uma vez a meio do dia e depois à noite. Também pode usar toalhitas específicas a meio do dia. Mas não devemos exagerar na higiene. Se nos lavarmos três ou quatro vezes por dia, todos os dias, ao longo do ano, a pele da vulva vai ficar mais seca e a vagina vai alterar o pH, o que aumenta a propensão para infeções.

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Depois, é importante fazer uma alimentação saudável e beber muita água, para manter a hidratação. Por exemplo, o consumo de bebidas alcoólicas – há mulheres que me dizem que se beberem um bocadinho mais num dia, no dia a seguir já começam a notar alterações na flora e, posteriormente, surge candidíase. Tudo o que nós ingerimos interfere com o equilíbrio da flora vulvovaginal.

Há cuidados específicos em função do tempo frio ou do tempo mais quente?

Os cuidados não variam muito em função da temperatura. Devemos beber sempre, no mínimo, um litro e meio de água por dia. A roupa interior deve ser sempre de algodão. E evitar o uso de pensos diários. Às vezes tenho doentes que me dizem que não se sentem cómodas se não usarem um pensinho, por causa do corrimento vaginal, e digo sempre que é importante que escolham um penso diário 100% algodão. Não são os que se vendem nos supermercados. Mas algumas farmácias já vendem e também é possível comprá-los através da internet. E recomendamos sempre que as roupas não sejam muito apertadas. Precisamente para permitir que o ar circule e que a flora não se altere com tudo o que acontece ao longo do dia: rotina de higiene, transpiração, idas à casa de banho.

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E pode fazer sentido alterar os produtos que usamos na zona genital, como, por vezes, alterarmos os de rosto em função do tempo mais frio ou mais quente?

Em relação à higiene, não recomendo alterar. Porque esse equilíbrio que cada organismo já criou com o produto de higiene, se for alterado sem motivo, pode produzir, precisamente, um desequilíbrio. Nem todas as marcas são boas para todas as mulheres, portanto é importante estabelecer esse equilíbrio. Se uma mulher tem alguma infeção vaginal ou vulvar, pode ter de interromper o seu produto usual e usar um outro com ingredientes antissépticos, mas é só nesses momentos, não por mudança da época do ano, nem nada disso. Em relação à hidratação, sim, a hidratação deve ser feita a nível da vulva e também existem hidratantes específicos, um bocadinho diferentes daqueles que nós usamos no corpo e no rosto. Mas não precisamos de os alterar ao longo do ano. É uma hidratação normal da pele da vulva.

A aplicação diária de um hidratante vulvar é uma ideia relativamente recente. Considera que é um cuidado que as mulheres devem adotar?

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Sim, sem dúvida. Existem, de facto, produtos específicos de hidratação da pele da vulva e eu recomendo. Porque fazem com que a pele esteja sempre hidratada e saudável. À partida, serão aplicados uma vez por dia, portanto, depois da higiene.

A propósito do assunto que deu origem a esta conversa – a bruma íntima lançada por Cristina Ferreira – , este tipo de produto pode ter utilidade na vida de uma mulher, ou tem sempre o potencial de criar problemas na flora? É uma coisa que se pode usar ou o melhor é evitar completamente?

Nós, ginecologistas, habitualmente, não recomendamos brumas porque podem causar irritação, alergias, alterações do pH. Mas, obviamente, como médica, nunca digo nunca. Até porque, por vezes, este tipo de atitude [proibicionista] tende a causar o efeito oposto ao que se deseja. E há pessoas que vão querer aplicar, e há pessoas que aplicam de forma esporádica, em algum momento, porque acham que vai ser recomendável aplicar este tipo de produtos, pela fragrância, pelo aroma, seja por que motivo for. Mas, de forma generalizada, nós nunca recomendamos. Mas também não podemos dizer que se aplicar de forma esporádica vai ter, de certeza absoluta, uma infeção vaginal. Temos sempre de individualizar cada caso. Se é uma pessoa saudável, jovem, é uma coisa. Se é uma pessoa que já está na menopausa, e se calhar vai aplicar aquilo todos os dias, não é recomendável. Mas esporadicamente poderia ser aplicado. De forma diária, penso que não.

E há um outro problema que é a possibilidade de mascarar possíveis infeções vaginais. Há pessoas que vêm à consulta e dizem "olhe, não noto alteração no corrimento, mas noto alteração do odor" e isso é um sinal de alerta. Porque todas nós temos um odor, que conhecemos e notamos quando se altera. O que é que acontece com a aplicação deste tipo de produtos? As pessoas não notam a alteração no odor e, se calhar estão não sei quanto tempo com uma infeção sem serem tratadas.

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