Pontas de Lança

Sofia Oliveira: “Aquela sensação constante de que ia ser contrariada tornou-me um bocadinho bélica”

Implacável a comentar futebol, aos 30 anos é um dos rostos mais promissores na televisão portuguesa. Comentadora da TVI/CNN, da TSF e da Eleven, não esconde a paixão que tem por este desporto.

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08 de maio de 2023 Rita Lúcio Martins

Do avô, herdou a paixão pelo Sporting Clube de Portugal que, como ela própria admite, roçava mesmo o fanatismo: "Gostava muito de futebol, mas percebia pouco, vivia-o daquela forma irracional em que só gostamos do clube e não queremos saber de mais nada". Ainda assim, esse amor foi um combustível eficaz para as primeiras crónicas, que acabaram por chegar até ao então editor do Jornal Sporting que, depois de uma entrevista, a contratou. Com uma breve passagem pelo curso de Jornalismo na Escola Superior de Comunicação Social, em Lisboa, Sofia ainda mal tinha começado a vida profissional e já se sentia como se tivesse alcançado o topo da carreira: "Na altura era o meu trabalho de sonho, porque juntava jornalismo e Sporting". Mas quando a direção do clube mudou, a equipa do jornal também se alterou e Sofia acabou por sair. Escreveu para o blogue Domínio Tático e, mais tarde, criou um canal de Youtube com um grupo de amigos, onde faziam entrevistas a jogadores e treinadores. Depois, chegou o convite de Carlos Daniel para se juntar à equipa do recém-criado canal 11 e, no ano passado, a transferência para a equipa da TVI/CNN, na qual integra o painel de comentário.

Como é que se aprende a comentar futebol a um nível profissional?

Não é nos cursos de treinadores, isso é certo. Há uma parte substancial que se aprende a ver. Depois, creio que é preciso cultivar o gosto por uma determinada linha. Por exemplo, o futebol do Diego Simeone (o treinador do Atlético de Madrid) é diferente do de Pep Guardiola (treinador do Manchester City). Podemos compreender ambos, mas, para nos aprimorarmos, temos de preferir algum. Depois, é a partir daqui que surgem comunidades. Aí, já não é o clube que nos une, mas sim a ideologia. No meu percurso tive a sorte de poder contar com algumas pessoas, como o Tomás da Cunha, para mim o melhor comentador em Portugal, e o João Rosa, que foi adjunto da Mariana Cabral no futebol feminino do Sporting e agora está no scout. Ambos foram importantes para definir aquela que é a minha abordagem. Também aprendi muito com as entrevistas que li (por exemplo, as que foram feitas pela Mariana Cabral, no Expresso), e continuo a aprender nas discussões que vou tendo. O futebol é uma discussão constante.

Sofia Oliveira.
Sofia Oliveira. Foto: Ricardo Lamego

Quando se está sempre a ver futebol não se perde o prazer de ver futebol?

Talvez, no seu lado mais lúdico. O emocional, sem dúvida. Não se perde, transforma-se. Se, antigamente, aquilo que me emocionava era o que estava diretamente relacionado com o clube, agora é um gesto técnico ou um rasgo inesperado de um jogador de 17 anos, independentemente da camisola que veste.

Considera-se uma pessoa obstinada com o seu trabalho?

Um pouco, mas a vida também nos engole um bocado. Temos família, tarefas, responsabilidades. Não me consigo dedicar o suficiente, até porque o futebol está em evolução constante, há jogadores a aparecerem todos os dias, novos mercados. A Arábia Saudita, por exemplo, já tem imensa qualidade. Quando comentamos temos de acrescentar qualquer coisa e, infelizmente, nem sempre consigo dedicar o tempo que queria, mas sim, tenho essa vontade, e sempre que posso é isso que faço.

Como é que se desenvolveu a sua personalidade de comentadora? É mesmo personalidade ou será mais uma persona?

De facto, quem me conhece fica surpreendido, por achar que a persona televisiva não corresponde à pessoa comum. Sou uma pessoa muito crente das minhas ideias e tenho alguma dificuldade em mudar de opinião, até porque é raro defender algum ponto de vista cuja argumentação não seja forte. Se considerar que um jogador não é assim tão bom, não será pelo facto de algum clube pagar muitos milhões por ele, que vou mudar de ideias. Se colocássemos dez treinadores a olhar para o mesmo jogador, as avaliações seriam diferentes. Há muita subjetividade no futebol e isso nem sempre é compreendido. A ideia que se criou acerca das minhas intervenções teve muito a ver com a minha experiência no [canal] 11. Estava numa fase inicial da minha carreira e, muitas vezes, as minhas opiniões não iam ao encontro das da maioria dos comentadores. Penso que aquela sensação constante de que ia ser contrariada me tornou um bocadinho bélica. Às vezes penso nisso. Admito que era um pouco bélica na forma como defendia as minhas opiniões e que isso contribuiu para alguns momentos em que não me senti muito confortável.

Teve a ver com o facto de ser mulher?

Penso que tem a ver com o facto de ainda não haver muitas mulheres a quererem fazer opinião sobre futebol, porque jornalistas ou apresentadoras já há muitas. Há quem reaja melhor, quem reaja pior. Há quem pense que deve ter outro tipo de comportamento comigo pelo facto de eu ser uma mulher, e pessoas para quem isso é completamente indiferente. Nunca quis acreditar que qualquer discussão mais acesa tivesse a ver com discriminação de género, até porque, nesta área, em Portugal, também há homens muito perseguidos.

Sofia Oliveira. Look: Blusão e calças, Jacquemus. Ténis, Palm Angels. Tudo na Sivali. Anéis Dandara, York, Mênfis, Tameri, Avis e Filipa, Juliana Bezerra.
Sofia Oliveira. Look: Blusão e calças, Jacquemus. Ténis, Palm Angels. Tudo na Sivali. Anéis Dandara, York, Mênfis, Tameri, Avis e Filipa, Juliana Bezerra. Foto: Ricardo Lamego

Nesse caso, quais são as características ou circunstâncias que talvez a transformem num alvo fácil?

Não sei. Penso que as minhas opiniões não caem na unanimidade, não fazem parte de um espectro de popularidade. Não tenho qualquer problema em assumir opiniões que não são consensuais ou ir contra a ideia dominante. Acredito que há quem pense que só o faço por ser do contra, e isso é totalmente falso. Quando defendo seja o que for, seja em televisão, na rádio ou num texto, justifico sempre. Nas redes sociais já não é assim, porque aí só faço para me divertir.

Nas redes socais o retorno também é diferente. Os comentários mais negativos não a deixam desconfortável?

Aquilo que me deixa desconfortável é a forma como o futebol é tratado em Portugal. Porque é que as pessoas levam isto tão a sério? Porque é que não se pode brincar com o facto de, às vezes, parecer que um jogador tem dois pés esquerdos? Porquê? Porque é que o Ricardo Araújo Pereira pode ter programa de sátira e humor sobre o universo da política e com o futebol isso é completamente impossível?

Porquê?

Porque somos um país com cultura clubística, não somos um país com cultura desportiva. As pessoas gostam de mim até ao dia em que eu diga algo negativo sobre o clube delas.

Tornou-se mais cuidadosa, de forma a não hipotecar a sua popularidade?

Não me resguardo nada. Sou muito resiliente. E não há nada mais importante do que a liberdade de expressão. Se a minha popularidade se ressentir, isso não me incomoda. O mais importante é ser coerente. Houve uma fase inicial, nas redes sociais, em que esses comentários mexiam comigo. Depois, e esse foi o nível dois, bloqueava muita gente. Agora, tento ler tudo com humor. Faço ricochete, ou seja, respondo com uma piada. Acho que esta é a melhor forma de reagir. Não sei se sou demasiado ingénua, mas parto do princípio de que o mais importante é a competência e é isso que deve prevalecer no momento de escolher entre uma mulher e um homem.

Mas a meritocracia nem sempre funciona.

No meu percurso profissional nunca me deparei com situações duvidosas. E eu estou ao nível da base, não me movo nos lugares de decisão.

Em algum momento sentiu que teria feito alguma diferença ter outra mulher no mesmo painel?

Aquilo que teria feito a diferença era ter lá alguém que me apoiasse, que defendesse a mesma ideia. Às vezes sentia que precisava de ajuda. Solidariedade. Penso que a representatividade é muito importante, sobretudo para que uma rapariga acorde, ligue a televisão e perceba que pode ser o que ela quiser. Mas não é a representatividade pela representatividade. Aquilo que defendo é que existam mulheres competentes para que a tal rapariga se sinta inspirada. Porque foi isso que aconteceu comigo quando li as entrevistas da Mariana Cabral no Expresso ou quando ouvia os comentários da Helena Costa na Sport TV. Se não nos revirmos na pessoa, não funciona. É como ter um chefe e não lhe reconhecer competência para tal.

Foi a primeira mulher a comentar futebol na rádio. Ser a primeira faz diferença?

Houve dois momentos na vida em que fiquei realmente muito nervosa. Foi a segunda vez que fiz o exame de código (porque reprovei na primeira tentativa) e foi essa estreia na rádio. O facto de ser a primeira mexeu comigo, é verdade, porque senti a responsabilidade de estar a falar com alguém que só nos está a ouvir, que não se vai distrair com a minha imagem. Eu dou muita importância ao discurso e senti que não podia falhar. A rádio é incrível!

Como é a sua relação com a imagem?

É difícil. Sem qualquer presunção, sei que não sou uma mulher feia. Às vezes gostava de perceber até que ponto é que isso pesou para que eu tivesse tido as oportunidades que tive. Eu sei que a imagem é importante em televisão. Nunca ninguém me disse de que forma me devia apresentar, mas há uma linha (que é a do canal), o bom senso diz-nos como devemos agir. Sou uma pessoa descontraída na forma de vestir, e no (canal) 11 isso fazia sentido, porque havia espaço para esse ambiente. Na CNN isso seria estranho. Fiquei um pouco mais sóbria, talvez. Mas não é algo que me tire o sono. Tenho de me sentir confortável, disso não abdico.

Falando desse lugar confortável. Qual é o seu?

Adoro trabalhar com as pessoas com quem trabalho atualmente. Identifico-me com elas e isso é meio caminho andado para o sucesso. Tive sorte nisso. Se pudesse escolher um formato, um programa de sonho, gostaria de fazer um programa semelhante ao Isto é Gozar Com Quem Trabalha, mas dedicado ao futebol. Creio que teria muito material para explorar!

Créditos
Fotografia. Ricardo Lamego
Styling: Marina Sousa
Cabelos: Eric Ribeiro
Maquilhagem: Elodie Fiuza
Entrevista em Vídeo e Edição: Rita Silva Avelar e Ana Sofia Pinto

Saiba mais
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