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Os mais jovens são os mais machistas

"O que é mais assustador? Os mais novos são os mais conservadores".

Foto: Iryna Jyhila / Pexels
20 de janeiro de 2022 às 07:00 Patrícia Barnabé

Escrevo esta crónica de frente para o mar e a sorte trouxe amigos que vieram apanhar ondas e ganhar horizonte. Num dos serões, o machismo aterrou naturalmente na conversa como uma pluma, e ficámos os quatro a olhar para ela como a família que observa incrédula uma galinha em cima da mesa da cozinha num dos famosos contos de Clarice Lispector. Raparigas falarem de machismo já é raro, mesmo as ditas modernas, com rapazes a deitar achas na fogueira é quase extraordinário. Se fossem gays, que já viveram as nuances da discriminação e o balanço instável que é o género; agora o resto não quer saber, que chatice, é desconfortável, mas não se refila, minimiza-se e pode ser que deixe de existir. Mas os números da violência doméstica ou do assédio sexual estão aí, a latejar, os taliban mandam no Afeganistão e tiram as meninas da escola, para não falar no resto do mundo. 

Às tantas, a Susana refere um estudo, publicado em novembro de 2021 pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, que pode ser consultado online, e que muito me deixou curiosa, sobre os jovens em Portugal. Com base numa amostra de 4.900 jovens entre os 15 e os 34 anos, foi feito um inquérito conduzido por uma equipa de consultores e analistas da PRM Market Intelligence, liderada por Laura Sagnier, e que abordou cerca de 2,2 milhões de jovens residentes em Portugal. Agora que sou adulta é que me interesso mais por saber o que pensam e sentem os mais novos, neles vou depositar as esperanças para o mundo que, mesmo para uma incurável optimista, já teve dias melhores. 

Fui meter o nariz no estudo, e eis algumas conclusões das suas 460 páginas nada animadoras em termos de género, continuamos a ser as fadas do lar:

  • A esposa: "Elas consideram que fazem quase o dobro de tarefas domésticas (em média, acham que fazem 62% e eles apenas 35%), enquanto os homens consideram que elas fazem pouco mais do que eles (em média, acham que elas fazem 52% e eles 45%)." Há uma evolução positiva quando começam ambos a trabalhar, mas antes, "nos mais jovens, em que um dos membros tem entre 15 e 24 anos, a proporção dos casais em que o peso das tarefas domésticas continua a estar do lado delas é muito elevada: em 39% dos casos elas fazem mais do que eles."
  • A mãe: "Entre os 16% de jovens que têm filhos, no que respeita à partilha das tarefas de cuidado e educação dos filhos, a discrepância ainda é maior: as mães consideram que fazem quase o triplo de tarefas de cuidado e educação dos filhos (em média, acham que fazem 70% e eles apenas 23%), enquanto os pais consideram que as mães fazem pouco mais do que eles (em média, fazem 50% e eles 44%). E, novamente, nos casais mais jovens com filhos, que têm entre 15 e 24 anos, "a proporção dos casais em que as mães fazem mais tarefas de cuidado e educação dos filhos do que os pais continua a ser muitíssimo elevada (54%)". Verifica-se ainda que, mesmo nos mais jovens, "a chegada dos filhos ao casal torna ainda mais desequilibrada a posição das mulheres face à dos homens".

O que é mais assustador? Os mais novos são os mais conservadores. No Expresso, lera eu há semanas sobre os rapazes desta tenra idade: "75% afirmam ser a mãe que assegura grande parte ou a totalidade das tarefas domésticas. Quando saem de casa dos pais e começam a viver uma relação conjugal, o desequilíbrio mantém-se, embora atenuado. Em média, as mulheres jovens dedicam por dia mais 40 minutos às tarefas domésticas do que os homens". (…) "Apesar dos progressos, quase metade (47%) dos jovens do sexo masculino evidencia uma atitude machista, sobretudo os que têm menos instrução e os mais novos (dos 15 aos 24 anos) por comparação com os maiores de 25." 

Depois há a secção feminina do amor-próprio, que parece continuar a depender tanto dos rapazes, mas sem vice-versa. Citando o estudo:

  • Quando se avalia o nível máximo de felicidade com a vida para ambos os sexos e quais as suas prioridades, se ambos elegem e primeiro lugar "o «aspecto físico e bem-estar», em segundo lugar as prioridades mudam: "No caso das mulheres jovens, o segundo aspecto que mais influencia a sua felicidade com a vida é a satisfação com «o/a companheiro/a». No caso deles "não é «a/o companheira/o», mas sim o grau de satisfação com a sua ocupação principal: com «o trabalho pago», se já terminaram os estudos, ou com «os estudos», se ainda estiverem a estudar." E para elas, em terceiro lugar, vem a "satisfação com uma parte da família de origem (a «mãe» e os «irmãos») e a satisfação com «o tempo livre»" Voltamos ao lar, portanto. 

No entanto:

  • "Há mais mulheres jovens do que homens jovens que tenham completado o ensino superior (30% nelas face a 19% neles)" o que "parece ter alguns efeitos nas relações de casal, sobretudo do ponto de vista das mulheres jovens: nas suas relações amorosas fracassadas, há mais do dobro de casos em que ela tinha um nível de escolaridade superior ao dele (35% de casos na última relação fracassada das mulheres face a 14% na última relação fracassada dos homens)." 
Bom, se isto não diz muito e não nos define como sociedade, não consigo fazer melhor. Que as mulheres priorizam a vida emocional, são capazes de fazer mais sacrifícios, por isso não se importam de estar na sombra. Existem mesmo estudos que provam que elas se sentem menos à vontade a falar em público do que eles. E na nossa conversa quando vem à baila o título de capa do Jornal de Negócios há dias, que anunciava O que mudar no país?, emoldurado por 14 fotografias de homens, a pergunta ficou no ar. Mas consta que o jornal justificou a ausência feminina porque as próprias mulheres contactadas recusaram aparecer. Mas Susana, que conhece as empresas por dentro, recorda-nos que quanto maiores, e quanto mais se sobe na escala hierárquica, menos mulheres se encontram. Depois falámos da competição feminina e da falta de sisterhood quando é preciso tomar uma posição que exija uma certa exposição, porque têm uma experiente escola de bastidores de que não querem abdicar também. Ora o problema começa precisamente aí.

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