Histórias de quem salva barrigas de aluguer e recém-nascidos presos na Ucrânia
Paramédicos arriscam a vida e enfrentam o perigo para ajudar a trazer bebés ao mundo durante a invasão russa, enquanto os pais aguardam ansiosamente junto à fronteira para conhecerem os seus recém-nascidos

Quatro dias após a invasão russa, Adam e Lara tentavam freneticamente entrar na Ucrânia. Voaram para a Polónia e conseguiram apanhar um autocarro para Rava-Ruska, uma cidade fronteiriça em Oblast de Lviv. Depois esperaram.
As lojas estavam fechadas. O seu cartão SIM polaco não funcionava. Ninguém aceitava os seus euros. Quando a noite se aproximou, entraram numa casa de banho pública para se abrigarem do frio cortante.

O casal esperava por Alex Koval, diretor do departamento de barrigas de aluguer do governo ucraniano, que embarcou numa perigosa viagem de 19 horas, atravessando o país assolado pela guerra com um bebé de quatro dias. No dia 24 de fevereiro, o primeiro dia da guerra, os hospitais deram alta a todos os pacientes.
"O médico chamou-me para me dizer que tínhamos de fazer alguma coisa em relação aos bebés", disse Koval. "Dissemos aos pais para se dirigirem para a Polónia enquanto tentávamos descobrir uma forma de lhes levar o bebé."


Adam e Lara passaram a noite na cave de um amigo. Na manhã seguinte, enfrentaram uma fila de 30 km na fronteira. Uma viagem de carro que normalmente demoraria seis horas demorou 15. A filha de sete anos de Alex Koval tentava manter o bebé entretido. Pararam em estações de serviço para trocar fraldas. Continuamente mandado parar e avisado que poderia ser detido, Koval teve de contar a história em 40 postos de controlo. "Expliquei que tínhamos um bebé de quatro dias, que a mãe dele estava à espera a 10 km de distância e que não tínhamos outra opção."
Barrigas de aluguer, recém-nascidos e as pessoas que estão a ajudá-los estão enredados na crise humanitária da Ucrânia, que não para de escalar. Legal e relativamente barato, o negócio das barrigas de aluguer na Ucrânia aumentou loucamente nos últimos anos, tornando-se o segundo destino mais popular a seguir aos E.U.A.
Estima-se que 2.000 a 2.500 crianças nasçam todos os anos de barrigas de aluguer ucranianas. As mulheres ucranianas são atraídas pela ideia de ganhar um salário de outra forma inalcançável: as barrigas de aluguer recebem entre 15.000 e 17.000 dólares e uma mesada de 400 a 500 dólares. É um valor muitas vezes superior ao salário médio anual de 3.000 dólares.

A guerra deixou cerca de 800 barrigas de aluguer grávidas em condições desesperadas. Algumas fugiram para países vizinhos. Muitas mais, porém, estão retidas em cidades bombardeadas e zonas ocupadas pelos russos. Para agravar a situação, hospitais em toda a Ucrânia têm sido dizimados por bombardeamentos russos.

A 1 de março, uma maternidade na cidade de Zhutomyr foi bombardeada. No dia seguinte, outro foi atacada em Kiev. A 9 de março três crianças foram mortas num ataque aéreo que destruiu uma maternidade e um hospital pediátrico em Mariupol. Nem todas as mulheres conseguem ir ao hospital para as suas consultas e exames de check-up ou para dar à luz. Outras descobrem que já não há um hospital onde ir.

Alex Koval diz que é demasiado perigoso transportar as mulheres que são atualmente barrigas de aluguer e ainda se encontram em cidades como Kiev. "Não sabemos o que ela vai encontrar pelo caminho. É absolutamente imprevisível. Tudo pode acontecer. A mulher pode ter uma hemorragia e o que fazemos? Não há médicos e podem morrer os dois: a mulher e o bebé."
Inúmeros recém-nascidos estão encalhados em bunkers e caves de hospitais, onde o seu choro se confunde com as sirenes dos ataques aéreos. Sam Everingham, diretor da Growing Families, passou as últimas semanas a coordenar equipas de resgaste SWAT para evacuar bebés e levá-los a pais como Adam e Lara, que os aguardam junto à fronteira. Cerca de 80 casais de 12 países contactaram-no a pedir ajuda.
"Estamos a tentar salvar bebés de Kiev neste momento. Há um recolher obrigatório. O trânsito anda à velocidade de um caracol. Estamos a falar em ter de evacuar bebés minúsculos e transportá-los longas distâncias, frequentemente em viagens de 15 horas de carro", diz Everingham. "É caótico. Os pais não conseguem entrar e é difícil sair."


A crise veio sublinhar o conflito de interesses entre as barrigas de aluguer e os casais cujos bebés elas carregam. Alegadamente, pais em pânico têm pedido às barrigas de aluguer que deixem a Ucrânia. Muitas mulheres escolhem ficar. "É uma questão moral e de direitos humanos sobre o que elas querem fazer", diz Everingham. "Não são escravas, não são bens móveis, podem tomar as suas próprias decisões."
Julia Osiyevska, diretora da agência de barrigas de aluguer New Hope, diz que compreende os terríveis dilemas enfrentados por estas mulheres. "A barriga de aluguer teme pela sua própria família e os pais do bebé temem pela barriga de aluguer porque ela carrega o seu bebé", diz Julia Osiyevska. "Mentalmente, é muito difícil quando estamos no estrangeiro e a nossa família, ou parte dela – porque os maridos têm de ficar – não consegue sair. Sim, estamos seguras, mas sabemos que o resto da família não está."

A guerra veio renovar discussões sobre se o negócio das barrigas de aluguer é ou não exploração. A questão é complexa. Tem havido relatos de "fábricas de bebés" ucranianas, danos contra a saúde das mulheres, fraude e até houve um inquérito sobre tráfico humano em 2016. Enquanto os ativistas defendem que a maioria das mulheres são bem tratadas e acompanhadas pelas suas agências, o sector está aberto a maus-tratos e negligência.
O negócio das barrigas de aluguer é ilegal na maior parte do mundo e floresceu na Ucrânia depois de programas semelhantes serem proibidos na Índia, na Tailândia e no Nepal em 2015. Se a pobreza não fosse tão generalizada na Ucrânia, não seria uma opção atraente para muitas mulheres.
Julia Osiyeska acha que é uma "grande oportunidade" para ambas as partes. "Para as mulheres, é muito difícil encontrar este tipo de rendimento. Elas podem ajudar as suas famílias, comprar uma casa", afirma. "E podem ajudar outros casais que não têm alternativa. As pessoas que se dirigem à Ucrânia em busca de uma barriga de aluguer estão destroçadas. Têm uma longa história de fracasso e desespero. "Embora Osiyevska não ache que seja exploração, gostaria que as mulheres recebessem mais do que a mesada standard de 400 dólares (mais o estipêndio), dados os riscos e o trabalho envolvidos.


Adam e Lara optaram pela barriga de aluguer como último recurso, depois de cinco anos de tentativas falhadas de FIV. Quando Alex chegou finalmente à fronteira com o bebé deles, não conseguiu encontrá-los. "Estávamos a telefonar e a telefonar, mas havia um problema com o sinal deles… foi um fracasso épico." Ele andou de um lado para o outro a mostrar às pessoas uma fotografia do casal, na esperança de que não tivessem desistido e ido embora. Por fim, por volta das 2 horas da manhã, encontraram-se.
Não havia tempo para os pais conhecerem o recém-nascido. Koval apressou-se a dar-lhes os papéis e a explicar-lhes o que tinham de fazer para sair do país. Só poderia levá-los de carro durante uns poucos quilómetros. Os homens ucranianos estão proibidos de se aproximarem da fronteira.
"O Alex tentou arranjar-nos um carro particular para atravessarmos a fronteira, mas não conseguiu. Disse-nos para atravessarmos a pé, com o bebé, e tentarmos encontrar um carro ou um autocarro sozinhos. Entregou-nos o bebé e nós caminhámos três ou quatro quilómetros em direção à fronteira, sob o frio agreste da noite."
Enquanto caminhavam, Alex aguardou oito horas junto à fronteira até saber que eles tinham atravessado. "Foi um milagre", disse. "Ninguém imagina o stress que enfrentámos nesta viagem, mas conseguimos levar o bebé à sua família e estamos todos em segurança. Isto é o mais importante."
Tradução: Érica Cunha Alves
Créditos: Jessica Rawnsley/The Telegraph/Atlântico Press
