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O tráfico de meninas virgens na Jordânia

Refugiadas sírias, algumas de apenas 12 anos, são casadas em cerimónias falsas com homens sauditas, a troco de dinheiro, sendo usadas e abusadas sexualmente, e depois abandonadas.

Foto: Khalil Mazraawi/AFP/Getty Images
09 de outubro de 2018 às 12:01 Olivia Acland e Ingrid Gercama

Esta reportagem pode conter informação suscetível de perturbar as pessoas mais sensíveis.

Quando julgavam que o pesadelo da guerra tinha acabado, a sua vida piorou. As jornalistas Olivia Acland e Ingrid Gercama encontraram-se com as traumatizadas vítimas e investigaram o revoltante comércio sexual, na Jordânia.

 

Tira, uma jovem de 16 anos, faz uma pesquisa no telemóvel. Está sentada, de pernas cruzadas, no chão da sala de estar do apartamento frio e pobremente mobilado, alugado pela mãe. Parece uma adolescente síria normal. O cabelo está apanhado num apertado rabo-de-cavalo, tem um risco de kohl nas pálpebras inferiores e mostra ligeiras marcas de acne na face. Veste uma camisola de gola alta preta com mangas arrendadas e olha fixamente para o ecrã com uma firme concentração. Quando, por fim, encontra a fotografia que procurava, vira o telemóvel para nos mostrar. No ecrã vê-se uma cama de casal coberta por um edredão vermelho com folhos e sobre o qual se encontram quatro almofadas da mesma cor e tecido. Uma quinta almofada, colocada sobre a cabeceira da cama, tem a forma de um coração e bordada com as palavras I Love You. Foi aqui que Amr – um saudita obeso, na casa dos 60 anos – a violou, pela primeira vez. Ele tinha um bastão escondido debaixo de uma das almofadas e batia-lhe com ele sempre que ela tentava resistir. Sara, a mãe de Tira, aguardou na sala ao lado. Era a noite de núpcias de Tira e de Amr, e na sua família a tradição exige que um familiar esteja perto para testemunhar o "sinal" – uma mancha de sangue nos lençóis que prove a virgindade da noiva. Ao ouvir os gritos da filha, Sara bateu na porta, repetidas vezes, com a palma da mão. Quando Amr finalmente a abriu, ela conseguiu espreitar através do espaço que o grande corpo do homem deixava livre para, assim, ver a filha. Tira estava deitada, nua, sobre os lençóis ensopados em sangue, a tremer e a soluçar. A mãe apressou-se a levá-la para o hospital, onde Tira ficou internada durante sete dias e recebeu uma transfusão de sangue. Assim que recuperou e as intermitentes hemorragias quase pararam, Sara devolveu a filha a Amr que a esperava em casa de um primo, nas proximidades. E tenta justificar esta sua decisão, dizendo: "Ele era o seu marido. Eu tinha de lha entregar. Uma mulher divorciada é uma vergonha na nossa cultura." O rosto de Sara parece ser feito de couro, com rugas profundas. Marcas de indizível sofrimento, a que se juntam décadas como fumadora. Com um esgar de dor, ela afirma que desejava nunca ter dado a filha a Amr – "Ele destruiu-a" –, mas estava desesperada e precisava de dinheiro para alimentar os outros filhos. O marido de Sara e o filho mais velho eram rebeldes sírios e foram abatidos a tiro na luta contra as forças do presidente Bashar al-Assad, em Homs, no oeste da Síria. A filha, de um ano de idade, foi morta na sua própria casa pelo exército de Assad, cujos soldados, segundo Sara, violavam, matavam e pilhavam à medida que entravam pela cidade. Meteu as cinco filhas sobreviventes no carro de um vizinho, a meio da noite, e juntas atravessaram a fronteira, acabando por ir parar a Mafraq, uma árida cidade no norte da Jordânia, em 2013. Tendo há muito vendido as suas joias de ouro, as quais levou consigo ao fugir de casa, Sara encontrou-se numa situação financeira precária. Trabalhando ilegalmente como empregadas domésticas para uma família jordana, ela e Tira levavam para casa pouco mais do que o dinheiro suficiente para pagar a renda. O que sobrava mal dava para a comida e a família, apenas composta por mulheres, dependia, muitas vezes, da caridade dos vizinhos para comer. Sara conhecia Amr como um filantropo que estava de passagem e que ajudava refugiados em dificuldades no seu bairro. Um dia, ele apareceu à sua porta vestido com uma dishdasha [uma longa túnica branca] e usava uma elegante barba preta. Parecia ser um homem religioso e rico, e quando pediu para conhecer a sua filha, Sara tinha esperança de que ele quisesse casar com ela e oferecer-lhes uma boa vida. "Lembro-me", diz Tira, olhando diretamente para nós e virando o corpo de modo a não ter de encarar a mãe, "de que se sentou ao pé de mim e começou a fazer perguntas estúpidas. Perguntou-me o nome, a idade e o que eu pensava dele. Só respondi às duas primeiras. Porque é que ele me fez a última pergunta? Ele tinha idade para ser meu avô. Também queria saber se eu já amara alguém… Claro que não! Eu acabara de fazer 15 anos." Tira foi fria com Amr, dando respostas curtas e evitando olhar para ele. Amr depressa desistiu e começou a falar com a mãe. Enquanto Tira se mantinha sentada, em silêncio, Amr disse a Sara que lhes daria 1.500 dinares jordanos [cerca de 1.800 euros] se ela o deixasse casar com a filha. "Quando eu o ouvi dizer isso, tive vontade de me atirar do telhado", confessa Tira. A mãe concordou prontamente com a proposta e quando Amr saiu, ele e Tira estavam noivos. As núpcias ocorreram uma semana depois. Contudo, o casamento foi uma farsa engendrada para que Amr satisfizesse as suas fantasias sexuais impunemente. Depois de violar Tira com brutalidade, durante três meses, desapareceu. Ele tinha conseguido o que queria e decidiu regressar à sua casa e à família, na Arábia Saudita. Tira viu que ele desaparecera dos seus contactos no WhatsApp e tentou ligar para o seu número. Tudo o que obteve foi um longo som agudo. Após semanas sem contacto, mãe e filha aperceberam-se de que tinham sido enganadas.

Amr havia prometido que o contrato de casamento seria validado nos tribunais, assim que Tira fizesse 18 anos. Como era menor, o casal não podia contrair matrimónio segundo as leis jordanas. Foi celebrada uma cerimónia de acordo com as regras tradicionais islâmicas sírias, na casa da noiva, supervisionadas por um ancião muçulmano e tendo dois homens como testemunhas. Tudo isto pareceu normal a Tira e à mãe porque na Síria os casais, por norma, casavam sem documentos oficiais. Ficou acordado que Tira viajaria para a Arábia Saudita como mulher de Amr, assim que fizesse 18 anos e que o casamento fosse oficializado. Entretanto, ele visitaria Tira, na Jordânia, ficando com ela alguns meses de cada vez. Amr usara um nome falso para assinar um contrato não oficial de casamento. Tinha também contratado um cúmplice, um jordano idoso, para se fazer passar por um mazoun (funcionário da xaria que dirige as cerimónias dos casamentos). Porém, tudo não passava de um embuste. Apesar de aliviada por ver Amr pelas costas, Tira carrega, agora, o estigma de não ser casada e de não ser virgem. O seu estatuto é inferior, até, ao de uma divorciada e sente-se demasiado envergonhada para sair de casa. Olha, carrancuda, para as paredes enquanto a mãe segreda que, agora, ela nunca encontrará um marido decente para a filha.

A história de Tira não é incomum. Miraj Pradhan, representante da UNICEF em Amã, a capital da Jordânia, revela que desde o início do conflito sírio, entre 8 mil a 9 mil jovens refugiadas que vivem na Jordânia foram forçadas a casar ainda crianças. Os números reais serão, por certo, muito superiores, dado que o governo jordano estima que apenas metade dos refugiados sírios no país estão registados no Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e uma vez que os tribunais da xaria não fornecem dados sobre casamentos que envolvem refugiados não registados. Não há, pois, informação sobre os casamentos de jovens com homens da Arábia Saudita, mas em Mafraq parece ter sido uma prática comum e bem conhecida. Ao longo desta investigação, falámos com oito raparigas sírias que moravam em Mafraq e todas elas revelaram histórias que seguiam o mesmo padrão sinistro. Os seus rostos deixavam transparecer expressões de dor e os seus olhos semicerrados refletiam a perturbação que sentiam enquanto descreviam, em murmúrio, o que se havia passado nos quartos de hotel ou em apartamentos alugados. Algumas delas pareciam adultas e eram incrivelmente bonitas, com rostos angulosos e grandes olhos verdes. Outras mantinham a aparência típica da adolescência, mostrando-se embaraçadas, com os ombros caídos e com os cabelos oleosos. Todas elas tinham sido enganadas mediante falsos casamentos com homens sauditas muito mais velhos e usadas para sexo, sendo depois abandonadas. Até alguns dos pormenores eram os mesmos – os homens cortejavam-nas durante dois a 20 dias e levavam joias de ouro, telemóveis e perfumes para as suas casas. Eles tinham-nas seduzido com sonhos falsos, prometendo uma casa na Arábia Saudita, férias na Tailândia, um laptop, um carro, o financiamento da operação à anca da mãe... O dinheiro era dado assim que a família concordava com o noivado. A quantia variava [no câmbio português] entre os 1.100 e os 3.300 euros, pagos adiantados e com a falsa esperança de uma compensação de 3.300 a 5.600 euros, em caso de divórcio. O aspeto mais sórdido, comum a todas as histórias, era a violência sexual. Todas as raparigas disseram que os homens as magoavam durante as relações sexuais e que se excitavam por vê-las em sofrimento. "Ele costumava prender-me à cama", recorda Iman, uma adolescente ainda com carinha de bebé e pele clara. Mostra as cicatrizes – marcas finas, de cor clara, nas suas mãos – deixadas pelo homem quando cravou nelas as suas unhas, enquanto a violava. No início, ela resistia-lhe e ele esbofeteava-a com tanta violência que a jovem sentia-se "voar até à casa de banho". Contudo, depois de deixar de resistir, ele continuou a magoá-la, arrancando-lhe o cabelo para a fazer gritar de dor, e esbofeteava-a. "Fazia-me sentir tão revoltada", diz, olhando para as palmas das mãos. Conta-nos que chorava sozinha na casa de banho, pois não lhe queria dar a satisfação de a ver num estado de transtorno. A mãe de Iman diz que as feições da filha mudaram depois da primeira vez que regressou da casa de Amman: "Ela parecia acabada. Só chorava e chorava." A adolescente explica que mal dormiu durante toda a semana da sua "lua de mel". Pouco depois de ter regressado a casa, começou a tomar comprimidos para combater a insónia. A maior parte do tempo em que o "casal" esteve junto foi passado no quarto do hotel, onde encomendavam comida, raramente se aventurando no exterior. Numa das poucas ocasiões em que saíram, o homem levou a sua "noiva" de 16 anos a um parque infantil. "Eu senti-me uma criança, novamente. Eu só queria brincar", relata Iman. "A última vez que eu tinha brincado fora na Síria. Desejava apenas ficar ali e nunca mais voltar para o hotel." Quando lhe perguntámos se ele se lhe juntou nos baloiços, respondeu, sarcasticamente: "Ele não podia brincar comigo, pois se o fizesse teria um ataque cardíaco. Ele era tão velho e gordo. Ficava só a olhar para mim." O homem, de 56 anos, contou-lhe que tinha duas mulheres na Arábia Saudita e revelou mais alguns pormenores da sua vida. Iman descreve-o como sendo "alto, mais velho que o meu pai, com uma grande barriga, barba curta e cabelo pintado de preto". Tal como Amr, aquele homem apareceu em Mafraq, fingindo ter motivações pessoais humanitárias. Andava de porta em porta procurando refugiados vulneráveis quando se lhe deparou Iman e a sua família. Depois de pagar seis meses de renda, pediu a mão de Iman em casamento. A mãe concordou, dizendo que se sentia encurralada, com medo de perder o seu "benfeitor". A família tinha fugido de Daraa, no sudoeste da Síria, em 2011, e atravessou a fronteira para o campo de refugiados de Zaatari. Detestaram as filas de tendas desoladoras que albergavam 80 mil refugiados e fugiram para tentar a sua sorte em Mafraq. Esta situação obrigava-os a desistirem do seu registo no Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e dispensar, assim, o seu direito a ajuda. Com o filho mais velho doente e incapacitado para trabalhar, a família começou a depender da caridade do "homem do Golfo". Iman e o seu falso noivo seguiram os trâmites normais – um noivado curto, uma troca de dinheiro (3.365 euros para a mãe de Iman como primeiro pagamento, seguido de 1.125 euros em ouro) e uma breve e não oficial cerimónia de casamento realizada na casa da noiva. Ele foi à Jordânia quatro vezes e levava Iman sempre para o mesmo hotel. Estas visitas sucederam-se ao longo de dois meses. Depois desapareceu.

Eid al-Harashi, um professor jordano reformado de Mafraq, viveu e trabalhou na Arábia Saudita durante cinco anos. Diz que os homens sauditas sempre desejaram as raparigas sírias. "Antes de a guerra começar, iam diretamente à Síria", explica, dizendo que as mulheres sírias são cobiçadas pelos seus olhos verdes e pela pele clara. Explica que a punição do sexo extraconjugal é impiedosa na Arábia Saudita: "A lei decreta que se alguém é casado e dorme com outra pessoa, será apedrejado até à morte. Se o homem for solteiro e dormir com alguém fora do casamento, recebe 80 a 100 chicotadas em público, depois das orações de sexta-feira." Acredita que a ameaça com a punição é uma das razões que levam os homens sauditas a procurar mulheres noutros países. Al-Harashi está bem ciente do comércio dos casamentos falsos e diz que existem dezenas de "agentes" no bairro. Há mulheres sírias, também elas refugiadas, que atuam como intermediárias e fornecem raparigas para os clientes que procuram sexo. É sua função convencer a família de uma jovem de que o seu cliente é um homem honesto, com boas intenções e que se casará com a filha e lhe dará uma vida feliz. Cinco das oito raparigas com quem conversámos disseram que tinham sido aliciadas por "agentes" – mulheres sírias de meia-idade, aparentemente amáveis, que apareceram às suas portas oferecendo-lhes um "bom homem do Golfo". Uma das "agentes", Yana, concordou em encontrar-se connosco, por incrível que pareça. A sua casa fica no meio de uma rua estreita de terra batida. Abre a porta de chinelos e com um fato de treino de veludo castanho. Os seus olhos vagueiam por cima e para além de nós, como se estivesse a verificar que não há perigo. Leva-nos para dentro e tranca a porta. Pede-nos que descalcemos os sapatos e que nos sentemos em almofadas no canto da sala de estar. Um televisor de imagens desfocadas revela as últimas notícias, na parede oposta. Yana traz café turco açucarado em pequenas chávenas e senta-se, acendendo um cigarro com as mãos a tremer. A sua pele é de um pouco saudável amarelo-acinzentado, a cara ostenta rugas vincadas e as suas sobrancelhas grossas estão permanentemente franzidas. Descobriríamos, mais tarde, que tem apenas 35 anos, mas parece 20 anos mais velha. Yana é originária de Homs e vive na Jordânia há três anos. Deixou a Síria pouco depois da casa da sua família ter sido destruída pelas bombas, matando o pai, o irmão mais velho e o tio. Dois meses antes, o irmão mais novo havia sido morto na rua, quando ia comprar pão. "O [Presidente] Assad não tinha poder algum sobre as suas tropas, naquela altura. Eles andavam loucos", diz, na sua voz áspera. "Andavam de casa em casa a violar raparigas. Matavam pessoas na rua, sem qualquer razão." Diz-nos que começou a fazer este trabalho seis meses depois de estar na Jordânia. Concordou porque estava desesperada – não tinha dinheiro para pagar a renda, não tinha nada para comer e as dívidas amontoavam-se. Continua a fazê-lo porque "a sua consciência está morta". O seu cliente principal, um homem que conhece como Ali, foi a Mafraq sob o pretexto de querer ajudar refugiados. Começou por dar dinheiro a instituições de caridade islâmicas locais e depois frequentava bairros onde residiam muitas famílias sírias que viviam com dificuldades. Começou por pagar a renda aos mais vulneráveis e necessitados. Yana era uma das suas beneficiárias. Após alguns meses, circulava o rumor de que ele gostava de raparigas novas e que mantinha relações sexuais com as filhas das pessoas que auxiliava. Quando alguém ameaçou apresentar queixa à polícia, ele desapareceu. Meses depois, Yana recebeu uma inesperada chamada telefónica de Ali a pedir-lhe que se encontrasse com ele na semana seguinte, na casa que alugara em Irbid, para discutirem uma "proposta de negócios". Quando ela apareceu, encontrou Ali e dois dos seus amigos prestes a tombarem sobre uma mesa cheia de comida e garrafas vazias. Estavam bêbados e a rir às gargalhadas das piadas de cada um. Lembra-se de que tentaram seduzi-la e, sendo uma mulher sozinha longe de casa, sentiu-se desconfortável e vulnerável. Quando o jantar terminou, Ali explicou a Yana a razão do convite. "Ele disse que me pagaria para encontrar raparigas sírias com quem ele e os seus amigos pudessem ter relações sexuais", afirma Yana. "Eu estava enojada e com medo. Concordei com tudo o que ele pediu, mas não tinha a intenção de o fazer. Pensei, apenas, que seria perigoso recusar. Disse-lhes que ligaria e pedi ao Ali que me pagasse o táxi para regressar a casa." Durante muitos meses, Yana não os contactou, mas, num momento de desespero, acabou por ceder. Yana interrompe a história e oferece-nos mais café. Pergunta-nos se já estivemos na Síria – tínhamos visto o campo ou provado a comida? "A Síria é o país mais bonito do mundo", declara. "Mas agora está destruído. Tudo está destruído." A sua voz vacila e ela cala-se com as lágrimas a correrem-lhe pela face. Procura algo na sua carteira e tira uma caixa de tramadol. Engole um comprimido com um pouco de água e diz que começou a tomá-los porque a ajudam a dormir. Tem muita dificuldade em adormecer. No último ano e meio, Yana forneceu um total de 32 raparigas aos seus três clientes sauditas, tendo a última "casado" há três meses. Os seus clientes exigem todos a mesma coisa – uma virgem síria com idade entre os 12 e os 16 anos, com cabelos compridos e com a pele clara. As condições são simples: a família nunca deve descobrir o nome verdadeiro do cliente ou que o casamento é falso. Acendendo outro cigarro, Yana descreve uma missão recente. "Eu fui ter com uma viúva com três filhas e dois filhos pequenos. Sabia que ela estava desesperada. Disse-lhe que conhecia um bom homem do Golfo que queria casar-se com uma das filhas e ela propôs a mais velha que tinha 23 anos. Eu disse-lhe: ‘Não, eu quero a mais nova, a que tem 12 anos.’" Yana convenceu a relutante mulher de que o seu cliente, neste caso Ali, cuidaria bem da sua jovem filha. Depois de ter sido abandonada, a menina voltou para a casa da mãe, onde fica sentada a olhar para a parede. Yana ouviu os vizinhos comentarem que a rapariga já não fala. E os seus olhos fixam-se no teto da sala enquanto sussurra: "Que Deus me perdoe." Pergunta-nos se a consideramos uma pessoa má e nós murmuramos-lhe que percebemos que a sua situação é difícil. Em resposta, ela solta um riso áspero e depois canta um verso de uma canção árabe: "O que nos leva a fazer uma coisa amarga, senão a vida amarga que vivemos?" Perguntamos a Yana em que assenta a logística do negócio. Enquanto o tradutor lhe faz a pergunta em árabe, ela olha para nós com olhos lacrimejantes. Começa a explicar os diferentes estádios do processo. Depois de encontrar uma rapariga cuja família concorda que se case em troca de dinheiro, ela telefona para um dos seus clientes. Este vem, então, da Arábia Saudita para conhecer a família da rapariga e seduzi-la com dinheiro e presentes. Em seguida, Yana organiza a cerimónia do casamento, paga ao cúmplice para este estar presente e assinar o documento, e assegura à família que será legalizado nos tribunais quando a filha completar 18 anos. Entretanto, desaparece, destrói o cartão SIM do telemóvel e fica incontactável. Os seus clientes pagam entre 225 e 1.120 euros por cada trabalho. Perguntamos-lhe se conhece a razão de os sauditas chegarem a este ponto para se satisfazer sexualmente. Porque não procuram uma prostituta, perto de casa? Para Yana, a resposta é óbvia: "Querem uma criança e não uma prostituta. Procuram alguém jovem e sem experiência. E têm medo de contrair uma DST [Doença Sexualmente Transmissível]. Não correm esse risco com virgens." Conhecerá Yana o tipo de coisas de que os seus clientes gostam? Yana ri-se, timidamente, e diz que sabe que gostam de "coisas estranhas", como sexo anal. "Esses homens gostam de violência sexual", acrescenta. "Eles sentem prazer quando batem nas mulheres." Quando nos levantamos para sair, Yana despede-se de nós com um abraço. Os seus olhos castanhos, no rosto abatido e enfermiço, estão novamente cheios de lágrimas. Seria fácil odiá-la pelo que faz, mas ela é, na realidade, apenas um peão num jogo de homens poderosos. É tão vulnerável como as raparigas da sua pátria despedaçada, cuja inocência trocou por dinheiro com homens sauditas violentos.

Os nomes das pessoas entrevistadas ou citadas foram alterados. A fotografia publicada é de mero suporte ao artigo, dado as pessoas intervenientes não terem sido fotografadas por razões de segurança. Para fazer uma doação à UNICEF visite o site unicef.pt.

 

Exclusivo The Sunday Times Magazine/Atlântico Press

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