Apenas 17% das biografias da Wikipédia são sobre mulheres
Na Wikipédia, enciclopédia online, a disparidade do número de biografias de mulheres e homens na Wikipédia é uma realidade do agora. Fomos à procura de respostas para estes dados numa conversa com o sociólogo e investigador Bernardo Coelho.

Apesar de estar longe de ser a mais fiável e correta, a Wikipédia é uma das plataformas a que mais internautas acedem para consultar factos sobre acontecimentos, pessoas, figuras históricas e, neste caso, as suas respetivas biografias. Acontece que mais de 80% das biografias criadas nesta enciclopédia online (mais uma vez, longe de ser exata) são de homens e apenas 17% são de mulheres.
Segundo apura a revista francesa Madame Figaro, os números não deixam mentir: em outubro, das 547.599 biografias identificadas na plataforma Wikipédia (na língua francesa), apenas 94.021 eram sobre mulheres – o que dá uma média de 17,17%. Em dados apurados ainda pela mesma revista, na versão em inglês (a maior em número de biografias), a percentagem de representação de mulheres é substancialmente a mesma (menos de 18%). Das conclusões retiradas, a versão galesa é uma das poucas que alcançaram paridade com 53% das biografias femininas.

"A disparidade de biografias de homens e mulheres na Wikipédia, a invisibilidade e a desvalorização social daquilo que elas fazem e produzem, acontece porque são mulheres", avança Bernardo Coelho, sociólogo, investigador no CIES-IUL e membro fundador do CIEG-ISCSP (Centro Interdisciplinar de Estudos de Género). "Diria que essa disparidade quantitativa (número de biografias de mulheres e homens) é apenas mais um indicador do apagamento e da invisibilidade das mulheres e daquilo que elas fazem. Isto é, trata-se de mais um indicador concreto, objetivo e verificável da invisibilidade daquilo que as mulheres produzem, daquilo que fazem, da sua existência enquanto indivíduos, protagonistas e produtoras de sociedade."
Estes dados, preocupantes do ponto de vista da igualdade de género, acabam por enviesar a informação e deixar, muitas vezes, as mulheres em segundo plano ou em plano nenhum. Bernardo Coelho recorda um caso gritante que é exemplo disso, e que marcou a história, mas não está relatado de forma 100% correta, alheando-se do papel das mulheres no acontecimento em particular. "A equipa de mulheres matemáticas absolutamente fundamental para os desenvolvimentos da NASA numa altura em que a URSS já tinha colocado um homem em órbita. Portanto, o esquecimento histórico de mulheres cujo desempenho profissional foi fundamental para mudar o curso simbólico da guerra fria. Este esquecimento não ocorre por acaso, dá-se porque o desempenho profissional e as competências daquelas mulheres colocam em causa estereótipos de género fundamentais: as mulheres são cuidadoras, emocionais; não são profissionais, nem racionais." E acrescenta: "Esse esquecimento histórico apenas foi apagado há poucos anos com a produção de um filme [Elementos Secretos, 2016]. No contexto dos EUA dos anos 1960, essas mulheres sofriam de dupla discriminação: eram mulheres e negras". O sociólogo recorda-nos ainda de outro caso, também ligado à Ciência. "A mulher que calculou a trajetória da Appolo 11 e da chegada à Lua. Mais uma vez, todo o protagonismo para os homens, os aventureiros, os de sangue frio, os corajosos, os fortes, os protagonistas. Todos sabemos quem foi o primeiro homem a pisar a Lua e o que ele disse, mas não sabemos que foi Margaret Hamilton que calculou a trajetória da chegada à Lua."
Sendo a Wikipédia o quinto website mais consultado em todo o mundo (no top está o Google, depois o YouTube, o Facebook e o Baddoo) por ser uma plataforma participativa, gratuita, livre de publicidade e, acima de tudo, um dos maiores bancos de dados do mundo, o facto de mostrar disparidade nas biografias exige medidas imediatas. O site Wikidata Human Gender Indicators (WHGI) é um projeto que visa calcular e fornecer um conjunto de dados sobre género, data de nascimento, local de nascimento, etnia, ocupação e idioma dos artigos de biografia em todas as Wikipédias do mundo. Um dos estudos realizados por esta plataforma chama-se Gender gap through time and space: A journey through Wikipedia biographies via the Wikidata Human Gender Indicator, que salienta a importância e a urgência da mudança desta realidade.

Investigadora e feminista, a francesa Natacha Rault foi uma das primeiras a pesquisar sobre esta disparidade, tendo já contribuído em mais de 10 mil biografias desde 2012. Em entrevista à Madame Figaro, Natacha Rault explica que "os media também têm um papel fundamental na resolução deste problema, dizendo que devem ser feitos cada vez mais artigos a salientar o papel das mulheres que se destacaram pela notoriedade em qualquer área".
Ainda sobre esta disparidade evidente nos dados apurados pelo WHGI, o investigador Bernardo Coelho explica ainda que é preciso mudar a hierarquia ainda estabelecida na nossa sociedade. "A desigualdade registada neste exemplo deve ser entendida como um produto da assimetria de posições de mulheres e homens. Uma assimetria que se traduz numa hierarquia que, apesar das sucessivas conquistas no sentido da igualdade, valoriza a esfera pública associada à produção, à riqueza e ao poder (e aos homens) em detrimento da esfera privada sempre ligada aos cuidados, às emoções e à fragilidade (e às mulheres). Uma hierarquia, portanto, que penaliza as mulheres." As lacunas que dizem respeito ao reconhecimento e prestígio das mulheres numa esfera profissional estão ainda longe de ser erradicadas. "A invisibilidade resulta da secundarização das mulheres e da sistemática desvalorização simbólica e objetiva daquilo que fazem e produzem, bem como das suas capacidades – especialmente se essas capacidades e feitos estiverem relacionados com a esfera produtiva e não com a esfera doméstica ou dos cuidados."

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