Histórias de Amor Moderno: "O meu ex-marido partilhou fotos e vídeos nossos em grupos de tarados, pervertidos e criminosos"
“Só naquele grupo de Telegram há mais de 20 mil pessoas inscritas. Depois, há todas as pessoas a quem alguns desses delinquentes decidiram passar o vídeo. A cadeia é virtualmente infinita.” Todos os sábados, a Máxima publica um conto sobre o amor no século XXI, a partir de um caso real.

"Olá, Célia. És a Célia, não és?" Sim, eu sou a Célia. Estávamos junto aos frigoríficos do supermercado, eu procurava iogurtes. "Ok, eu sou o Joel" — ele ia falando e eu ia ouvindo, mas não estava a gostar do tom, da abordagem, do sentido de oportunidade da situação. O Joel dispensou os rodeios e foi direto à questão: "Queria saber se tu e o teu marido aceitam marcações?" Larguei tudo, deixei o carrinho das compras onde estava, abandonei, fui-me embora.
À saída do supermercado percebi que as lágrimas me escorriam pelas faces — mas eu não estava a chorar. Era como se aquele líquido transbordasse sem que eu pudesse controlá-lo. Nas minhas entranhas, uma revolta de sentimentos e angústias, de raiva e de tristeza, uma sensação de traição triturada no estômago e de impotência no resto do corpo. Na garganta, um nó que prendia o choro e impedia a fala. Já na rua, olhei para trás. Vi o homem, o tal Joel, a rir-se, dando gargalhadas de contentamento junto de um pequeno grupo de amigos, enquanto apontava para mim.

Era a terceira vez que me abordavam pelas mesmas razões nos últimos dois meses. E as razões eram as seguintes: achavam que eu estava disponível para ter relações com qualquer desconhecido que se aproximasse. O pior de tudo era a causa: o meu marido, de quem entretanto e obviamente me separei, partilhou o que nunca poderia ter sido partilhado — a nossa intimidade, os nossos segredos. E não se limitou a partilhar com um amigo ou dois, ou com um pequeno grupo — o que seria suficientemente grave e mau. Mas ele fez muito pior. Ele — pessoa cujo nome nunca mais pronunciarei a não ser que me obriguem a fazê-lo ou que a vida da minha filha dependa disso — carregou vídeos e fotos nossas em grupos de tarados, pervertidos e criminosos que se juntam sob anonimato no Telegram para se divertirem a partilhar as imagens que recolhem na intimidade sem o consentimento das parceiras. Não existe outra descrição para quem é capaz de tamanha baixaria: são uns porcos.
Eu e aquele cujo nome não direi atravessávamos uma pequena crise de líbido. Acredito que aconteça a todos os casais. Estávamos juntos há bastante tempo (éramos pouco mais que adolescentes quando começámos a namorar), carregávamos algumas preocupações próprias de quem tem de trabalhar para pagar as contas e ainda garantir o conforto de uma filha de dez anos, com tudo o que isso comporta. O desgaste da vida levou a que nos desligássemos um pouco um do outro. A atração física esmoreceu, o desejo diminuiu. A princípio, não percebemos que isso pudesse ser assunto, acho que pensámos ambos o mesmo, "é só uma fase, depois passa". Só que a fase arrastava-se há muitos meses, talvez há mais de um ano, pelo que decidi confrontá-lo com o que se passava: porque é que já não fazemos amor um com o outro? Existe alguém na tua vida? Eu? Eu não tenho ninguém, amo-te como dantes, amo-te como sempre, seria incapaz disso, nunca te faria uma coisa dessas, por aí fora, lá fomos jurando a pés juntos que nunca na vida seríamos capazes de tal coisa, de procurar outra pessoa. Eu fui sincera e acredito que, neste caso particular, ele também tenha sido.
Esclarecidas as dúvidas e tirado o assunto da caixa escura dos tabus, decidimos que era preciso incluir um estímulo extra na nossa vida sexual. Eu e aquele de quem jamais pronunciarei o nome abordámos várias possibilidades. Até que eu sugeri, em forma de pergunta, se ele não gostava de se envolver com outras pessoas. Acho que não percebeu imediatamente a ideia, ficou até um pouco zangado com a sugestão, "já te disse que não quero outra pessoa, ando simplesmente sem apetite", respondeu-me com rispidez. Tratei de explicar melhor: "Talvez pudéssemos juntar uma pessoa à equação — mas sem subtrair nenhum de nós ao exercício." Fez um ar de espanto, parecia sentir dificuldades em processar a ideia. Ou então, simplesmente não acreditava naquilo que acabava de ouvir. "Querido… estou a falar de fazermos um trio. Ménage a trois. Certamente já ouviste falar." Acenou que sim, mas continuou sem reação.

Concordámos em avançar com a ideia. Delineámos um plano, estabelecemos as regras — haveria várias inegociáveis. Por exemplo, nenhuma terceira pessoa poderia participar em mais do que uma sessão. O meu ex-marido disse desde o início que não se sentia confortável com mais um homem na nossa cama, mas fiz questão de deixar claro: se a ideia se concretizasse, também eu quereria experimentar com outro homem. Não podia ser só à vontade dele. Aceitou, embora relutante e, acho eu, a contragosto naquele momento. Uma última, mas não menos importante regra: seriam proibidos os telefones ou qualquer outro meio de gravação ou comunicação dentro do quarto enquanto estivéssemos ali reunidos.
Depois de acertadas as condições, que foram aceites por ambas as partes, pusemos o plano em prática. Sem entrar muito em detalhes, recorremos a grupos informais de desconhecidos que se encontravam em redes sociais para combinar atividades do género. Não foi difícil encontrar a primeira companhia - foi mais difícil resolver a questão dos sítios para os encontros. Não queríamos receber pessoas em casa, no nosso quarto, com a nossa filha presente. Conseguimos acertar a agenda com as saídas de campo da miúda com os escuteiros. Resolvida a questão das datas e do lugar, avançámos.
Começámos, claro, por uma mulher. Escolhemo-la ambos e conversámos os dois com ela, trocando mensagens. Era um pouco mais nova que nós e procurava uma fuga a uma relação cada vez mais repetitiva, desinteressante e até entediante, segundo a descrição da própria. Na verdade, não pedimos qualquer explicação ou justificação, só pretendemos saber se estava interessada e tentámos perceber, pela conversa, se seria de confiança. Achámos que seria. Tudo correu bem.

Seguiram-se mais dois encontros com duas mulheres diferentes, cumprindo assim a primeira regra que havíamos estabelecido: nunca repetir uma terceira pessoa. Recorremos ao mesmo expediente, que voltou a revelar-se eficaz e seguro. Quanto a nós, o fogo da luxúria voltara, entretanto, a acender-se. Não tínhamos, obviamente, recuperado a fúria da paixão dos nossos primeiros tempos juntos, mas as aventuras com outras pessoas tinham servido para estimular os desejos adormecidos. Voltámos a fazer amor com uma frequência saudável e sempre em busca do prazer, não nos limitávamos a cumprir uma obrigação física como se comparecêssemos a uma consulta previamente marcada.
Só que ele tinha-lhe tomado o gosto, queria mais encontros a três. Disse-lhe que, assim sendo, agora queria que fosse com outro homem. Respondeu-me que ainda não estava pronto, mas que, depois deste novo encontro, o seguinte seria com um homem. Prometeu, deu a sua palavra. Aceitei. O quarto encontro correu menos bem do que os anteriores, possivelmente por, para mim, já não haver novidade envolver-me com uma mulher com quem partilhava o meu marido, na minha cama. Vê-los fazer o que faziam já não era novo para mim. No fim desse encontro, disse-lhe "não te esqueças da promessa: na próxima vez, é com um homem". Respondeu que sim, mas não pareceu convicto.
Demorámos algum tempo até marcarmos o encontro seguinte. E, pelo meio, o desejo entre nós parecia ter arrefecido e perdido potência. Tentei chamá-lo à razão, explicar-lhe que achava que aquele compromisso por concretizar se estava a atravessar no nosso relacionamento, que daquela forma estávamos a retroceder até ao ponto em que nos encontrávamos antes de decidirmos começar com estas aventuras. Ele, por fim, acedeu aos meus pedidos: marcámos com um homem.

Foi estranho. A princípio, estávamos ambos tímidos, eu e o meu ex-marido. O homem, por seu lado, parecia sôfrego tanto em relação a mim como ao meu ex. Agarrava-se a um e a outro com grandes ganas, queria possuir e ser possuído em igual medida. Precisava urgentemente de saciar a sua fome de corpos. A certo ponto, o meu marido afastou-se, saiu da cama e deixou-me a sós com aquele estranho enquanto observava tudo. Na altura, não me apercebi. Só mais tarde — demasiado tarde — compreendi o que ele estava a fazer. Fora buscar o telefone e começou a filmar enquanto eu era penetrada pelo outro homem na nossa cama. E, sem que eu sequer desconfiasse, partilhou com um vasto grupo de desconhecidos no Telegram.
Só descobri o que se passava quando uma amiga me fez chegar o vídeo que um amigo dela tinha recebido de sabe-se lá onde. Fiquei horrorizada. E em choque, e em pânico — e se o vídeo chegasse à minha filha? À minha família? Confrontei-o com o vídeo, perguntei-lhe o que era aquilo, o que se passava, como fora possível. A tudo respondeu com palavras nebulosas, uns pedidos de desculpa, "não sei bem", foi dizendo que se sentiu entusiasmado, que partilhou sem pensar, enfim, todo um mar de más explicações.
O vídeo foi visto por milhares de pessoas. Só naquele grupo de Telegram há mais de 20 mil pessoas inscritas. Depois, há todas as pessoas a quem alguns desses delinquentes que participam nesse tipo de grupos decidiram passar o vídeo. A cadeia é virtualmente infinita. Tal como a minha vergonha. Tal como o meu arrependimento. E a minha tristeza, o meu desgosto e a minha desilusão. Como é possível que a pessoa que amamos nos traia desta maneira — uma maneira tão suja, tão obscena, tão desleal?

Apresentei queixa dele. Só que a queixa implicou diligências, inquéritos, procedimentos vários que mexeram com a minha vida e a minha família. Da família, só o meu pai me aceita, embora tenha mudado radicalmente a postura em relação a mim — a minha mãe não me quer lá em casa, tão pouco. Mal me fala. Chamou-me devassa. Perguntou-me se foi assim que me educou. Não soube o que responder-lhe. Pedi-lhe desculpa e prometi não a incomodar mais.
A minha filha sabe mais ou menos o que se passa. Quando me separei do pai, tive de lhe explicar, ainda que por alto, a situação. Contei-lhe que nos tínhamos envolvido com outras pessoas, falei-lhe de um vídeo que alguém inadvertidamente pusera a circular. Não acrescentei detalhes e garanti-lhe que um dia havia de explicar-lhe tudo. Fez um esforço para não chorar, sei que está angustiada e que não consegue entender tudo isto. Não a censuro, eu própria não compreendo o que aconteceu. É impossível compreender.
*Se conhecer uma história real envie-a para m.oliviasebastiao@gmail.com. As suas ideias podem dar origem à história do próximo sábado.
