
"Não te preocupes, eu não vou partilhar com ninguém", escreveu ele. Os pontinhos no ecrã indicavam-me que continuava a escrever, por isso, aguardei. "Eu não sou desses que partilha fotografias em grupos." No início, não entendi. A minha relutância em enviar-lhe uma nude não se prendia com qualquer outro receio que não o de parecer demasiado fácil. Tínhamos feito match no Tinder há uma semana e só nos tínhamos encontrado para um café uma vez. Essa partilha parecia-me precoce, dado que eu procurava algo sério e não apenas um one night stand ou algo de natureza mais casual. De que grupos falava? Com quem partilhavam os homens as fotografias íntimas que recebiam? E o que faziam com elas? Sempre tive algum cuidado para não me mostrar completamente nas fotografias sexuais que envio, mas sobretudo por ter receio de que um hacker qualquer divulgasse a minha imagem nua pela Internet, nunca por achar que o homem a quem eu confiava o envio de uma fotografia provocadora no âmbito de uma relação que se pressupõe de confiança e segurança me trairia, expondo-me, a mim, ou a qualquer outra mulher, deliberadamente.
Quis saber mais. Questionei que grupos eram esses e quem eram os homens que divulgavam as fotografias. Admitiu-me que existiam vários grupos e que vários amigos divulgavam fotografias de miúdas com quem estavam, quando não consideravam as relações sérias. Foi assim que fiquei a saber que esta prática se tinha tornado moda. Ele não fazia parte de nenhum grupo de partilha anónima, mas explicou-me que mesmo no seu grupo de amigos alguns rapazes partilhavam nudes que recebiam. "Eu nunca partilhei nada, nem vou partilhar. Acho-os uns idiotas." Mas fazes parte do grupo, e não dizes, nem ages contra quem o faz. Ficas em silêncio, provavelmente fazes uma piada acerca de algo que viste ou, se não fazes, sorris perante o gracejo de outro. Podes não partilhar, mas vês. E simplesmente vês? Ou fazes algo com as fotografias que vês? Masturbas-te? Não tive coragem de perguntar e assumi que, de qualquer modo, se o fizesse, não mo diria. Perguntei-lhe cara a cara, uns dias mais tarde. Achei que assim seria mais difícil mentir-me e se o tentasse fazer talvez eu percebesse.

Jurou-me que apagava as fotografias que os amigos partilhavam no seu grupo e que não caia na tentação de as observar. Acreditei no que me contava. Pareceu-me honesto e não se tentou explicar, nem defender em demasia. Porém, ao não fazer nada, consentia-o e essa ideia assombrou-me. A ideia de que existem tantos homens que perante as atitudes machistas e misóginas de outros simplesmente ficam calados, assombrou-me e irritou-me. Enviei-lhe duas nudes e depois de terminarmos senti ansiedade durante semanas, com receio de que a minha fotografia pudesse aparecer num desses grupos pela Internet. Ninguém saberia que aqueles seios eram os meus, além de mim, e dele; ninguém saberia que aquela curva era a do meu rabo e aquelas cuecas pretas eram as minhas, além de mim, e dele; o meu rosto não estava em nenhuma das fotografias, mas mesmo assim a ideia da devassa causou-me arrepios e algumas insónias.
A minha primeira vez, não foi romântica. Ele era mais velho, tinha-me avisado de que era naughty, eu nem sabia o que essa palavra queria dizer ainda, tive de procurar no dicionário de inglês e não estive certa de ter compreendido bem o significado. Fui ao Google e só aí pareci entender melhor. Ele queria dizer-me que era maroto, e eu achava que também era marota, mas era virgem ainda e tinha os limites bem estabelecidos ou, pelo menos, assim o achava. Num dos últimos dias de verão fomos a uma festa de aldeia e ele ficou de me dar boleia para casa. Menti à minha mãe e disse que voltávamos com o irmão de uma amiga, todas juntas. Eu tinha bebido um pouco, mas não estava bêbada. Achei até que ele estava mais alcoolizado do que eu e tive receio que pegasse logo no carro. Sugeri que falássemos um pouco. Ele não queria falar. Beijou-me e quando dei por si tirava-me as cuecas e fazia-me sexo oral. Eu não queria, mas por alguma razão que desconheço petrifiquei e deixei-o fazer. Depois, ele abriu a braguilha e disse-me "não tenho preservativo, mas é só um bocadinho". Eu disse que não e sei que disse que não, porque me recordo perfeitamente dele repetir "vá lá, é só um bocadinho", mas por alguma razão ele achou que eu estava apenas a ser dissimulada e que aquele não era, na verdade, um sim. Não sangrei, embora me tivesse doído um pouco. Já sabia que, muito provavelmente, não sangraria depois de ter rasgado o hímen ao fazer uma espargata durante uma aula de educação física. "Podias ter-me dito que não eras virgem, eu não me importava", disse-me enquanto fechava as calças e eu vestia as cuecas. "Mas eu era virgem, tu sabias que eu era virgem", respondi a morder o lábio, para segurar as lágrimas? "Hum, não diria. Não me pareceu". Ainda hoje não sei o que essas palavras quiseram dizer.
Demorei muitos anos para entender que o que me aconteceu foi uma forma de abuso sexual. Eu disse não e ele forçou-me a sua vontade. O que é que eu devia ter feito mais? Gritar, bater, sair do carro e correr? Sim, devia ter feito tudo isso, mas não fiz. Ele era meu namorado, eu era uma miúda, por alguma razão achei que podia confiar nele. Talvez parte de mim até quisesse estar com ele, mas não assim, não daquela forma. Na altura, achei que me tinha metido a jeito e que tinha merecido o que me aconteceu. Compreendi que se tratou de abuso depois de ler a biografia da atriz e humorista Amy Schumer, The girl with the lower back tattoo, onde ela retrata que também a sua primeira vez não foi consensual, o namorado de adolescência violou-a enquanto dormia e, mesmo assim, ela sentia-se mal porque ele parecia não conseguir manter uma ereção quando tentavam ter sexo. Ele tinha-a violado e ela sentia-se culpada.

Nessa semana, terminei tudo. Sentia nojo dele. Não conseguia imaginar que me pudesse voltar a tocar. Quando terminei a relação, chamou-me todos os nomes possíveis e imaginários em português, francês e inglês, para que eu percebesse bem o quão ele me odiava. Ele violentou-me, mas a puta era eu. Durante meses, tive medo de sair sozinha à noite, porque ele me fazia esperas, às vezes. Insultava os meus amigos e chamava-me mais nomes. Só descansei quando soube que emigrou e, mesmo assim, anos mais tarde, tive de bloquear páginas suas das minhas redes sociais, pois volta e meia tentava retornar o contacto com uma qualquer mensagem de saudades.
Ainda há dias, um amigo me perguntou se não tinha medo quando ia em encontros com desconhecidos com a qual faço match no Tinder. Não devia, mas tinha. Marcava sempre os encontros em locais públicos, não deixava que me viessem buscar a casa. Os meus nãos também se tornaram mais audíveis. Agora, grito-os se tiver de gritar, e bato, se tiver de bater, mas não permito que me forcem novamente. Depois, vejo as notícias e questiono-me acerca do que podemos realmente fazer para nos protegermos. Homens estão a violar ovelhas até à morte, rapazes fazem violações em grupo filmadas nas redes sociais e professores continuam a abusar de alunas e alunos. Onde está o amor? Nem falo de amor romântico, mas onde está o amor pelo próximo, a compaixão? Será realmente possível encontrar amor nesta sociedade doentia? Escrevo geralmente num tom sarcástico, humorístico, até. Sou uma otimista, uma romântica destravada incurável, dou a volta a qualquer situação. Hoje, e espero que só hoje, porém, escrevo num tom diferente, pois o momento assim o exige. Mesmo assim, termino com uma das frases que vi escritas num cartaz durante a manifestação "Violação não se filma, condena-se", deste fim-de-semana, em Lisboa: "Eduquem os vossos filhos." Termino com esperança, pois ainda tenho esperança de que possamos contribuir para educar gerações de homens bons, porque apesar de tudo, eles existem.

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