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Histórias de Amor Moderno: "Às 35 semanas de gravidez, descobri que o meu marido me traiu com uma amiga"

“Devia-me milhares de euros só em pensão de alimentos, tinha-me traído em várias ocasiões, destruído por duas vezes o nosso casamento, mas mesmo assim o juiz culpou-me a mim por tudo o que se passava.” Todas as semanas, a Máxima publica um conto sobre o amor no século XXI, a partir de um caso real.

Foto: Erin Brockovich/ IMDB
21 de abril de 2025 às 12:17 Maria Olívia Sebastião

"Sente-se aí, Alexandra", disse-me a médica, "precisamos de conversar", acrescentou. E depois disse: "Há aqui uma pequena úlcera, uma fissura, é uma ferida". Ela ia dizendo coisas e coisas e coisas, e eu só pensava "ó doutora não diga isso, por favor não diga isso, não diga a palavra, eu tenho o meu filho, o meu menino, ainda tão novo, tão sozinho, ó doutora por favor não diga". E ela continuava a falar, eu já chorava, mas chorava sossegadinha, sem fazer barulho, sem soluçar, sem gemer, eram só lágrimas silenciosas, mas a doutora não me ouviu os pensamentos e disse "não vou estar com rodeios, Alexandra: é um cancro". E eu gritei "a culpa é tua!" e explodi num pranto.

A culpa não era da médica, como é evidente. Coitada da doutora. Ela só me diagnosticou a doença. Ela foi o princípio da minha cura. A culpa era dele. E de todos os que, com ele, ajudaram a desfazer-me. A começar por aquele juiz maléfico, tão tortuoso quanto machista, tão bruto quanto ignorante. O mal que me fizeram estava tão entranhado em mim que, no momento em que aquelas palavras soaram, trazendo-me notícias ameaçadoras, tudo o que me veio à ideia foi ele, o abandono, as traições, a solidão a que me votou, os esforços a que me obrigou no momento em que saiu definitivamente pela porta da nossa casa.

Quando a médica disse "é um cancro", a minha raiva e o meu ressentimento dispararam na direção do Manuel, ao mesmo tempo que todo o meu medo, o meu mais profundo pavor, a minha mais genuína aflição se apoderou de mim ao pensar no meu filho. Um miúdo lindo e amoroso, que praticamente só me tem a mim e que merecia ter tido uma infância muito mais feliz, aconchegado pelo amor e pela presença da mãe e do pai, sem guerras nem disputas, sem o caos em que tudo se transformou, apesar de todos os meus esforços por lhe dar uma vida normal e sossegada. O que seria do meu filhote se a doença me levasse?

Por vezes, eu própria não acredito na história da minha vida. Custa-me crer que tomei más decisões, mas dói-me principalmente constatar que aceitei certos acontecimentos e práticas. Sinto, agora a alguma distância, que fui manipulada, que não tive segurança, confiança e presença de espírito para me impor, para travar ou desviar um destino que se adivinhava, desde muito cedo, completamente errado e cruel.

Em julho de 2009, casei-me com o Manuel - pela segunda vez. O nosso primeiro casamento aconteceu três anos antes e não durou mais do que seis meses. Entre o primeiro casamento e o fim definitivo do segundo, houve reconciliações e separações. Não posso afirmar com toda a certeza, mas acredito que o meu amor pelo Manuel tenha sido mais forte, mais intenso e mais profundo do que todo o meu bom senso.

Hoje, ao olhar para trás, quando tento entender o que me levou a cometer o mesmo erro várias vezes, questiono os fundamentos do meu amor. Que sentimento é este que nos entorpece e impede o discernimento? Será assim que acontece com toda a gente quando ama? E, se o bom senso e a clarividência desaparecem com a chegada do amor, o que acontece ao instinto de autopreservação? Significará o amor a anulação dos nossos mais básicos reflexos de sobrevivência? Não tenho respostas, não sei como sentem as outras pessoas, não posso tentar perceber o que vai para além de mim.

Depois de namorarmos durante algum tempo, o Manuel pediu-me em casamento e eu disse que sim. Casámo-nos no início do verão. No princípio do inverno seguinte, descobri que ele me traía com regularidade. Foi um grande choque e uma enorme desilusão. Magoou-me imensamente e decidi divorciar-me. Pareceu-me a única saída possível. Só que os sentimentos não desaparecem com assinaturas em documentos oficiais. E a desilusão e a tristeza, percebo-o hoje, eram resultado de um amor ainda por resolver. Meses depois do divórcio, reaproximámo-nos. Envolvemo-nos, voltámos a ser namoradinhos. E eu engravidei.

Acreditei, nessa altura, que iríamos ficar juntos. Só que, estava eu nas 35 semanas de gravidez, descobri que, uma vez mais, o Manuel me andava a trair. Pior: envolveu-se com uma amiga, mulher de um casal que frequentava a nossa casa. Separámo-nos de novo. E não falei com ele até o meu filho nascer. Depois de ter o bebé, deixava que o Manuel o visitasse, o que acontecia uma ou duas vezes por semana. Também permitia que o miúdo ficasse um dia por fim de semana na avó paterna, que o resto da família não tinha culpa do comportamento do pai.

Foi assim até aos 9 meses do menino. Eu criei-o sozinho e o pai visitava-o com regularidade. Com esta nova rotina, conversámos e decidimos que podíamos tentar de novo, de maneira a dar à criança alguma estabilidade. Construir um lar, um ambiente familiar, enfim, tentar dar-lhe aquilo que eu tive na minha infância, o aconchego e a referência de uma família de pai e mãe. Depois de algum tempo pacífico, de uma certa harmonia, o Manuel insistiu que devíamos casar novamente. Não senti o entusiasmo que sentira da primeira vez, mas acabei por dizer que sim novamente. Apesar disso, uma parte de mim sabia que não era boa ideia. Só que essa parte de mim era aquela que normalmente calamos dentro da cabeça, aquela que ignoramos para não dar azar e seguimos em frente. Então, casámo-nos no verão de 2009. E um ano mais tarde descobri que, de novo, o Manuel me andava a trair.

Foi o fim. Pu-lo na rua. Desta vez, já não sentia tristeza e desilusão. Desta vez, sentia mesmo ódio e ressentimento, uma amargura tão grande que ainda hoje sinto azia ao reviver esse momento. Senti nojo, um repúdio profundo por aquela pessoa a quem dei todo o meu amor e que só me soube dar desgostos, que me desrespeitou, que não mostrou por mim o mais leve sinal de consideração. O Manuel não foi digno do meu amor, do meu esforço, da minha entrega e, muito menos, do meu perdão. Se há pessoas que são como escorpiões, o Manuel é uma delas: por mais voltas que o mundo dê, acabará sempre por dar uma ferroada impregnada de veneno.

O fim de um casamento não é só o fim do amor. O fim do amor é só o começo, é apenas a zona sentimental onde as pessoas se entristecem e definham por um tempo antes de encontrar o ânimo para seguir em frente. O resto, em redor, é mais feio. É a terra queimada do mundo material, é a necessidade de assinaturas em papéis de linguagem fria e jurídica, é a definição compartimentada do que é que se faz com isto e com aquilo. Um divórcio com um filho é uma espécie de novo casamento, só que sem benefícios, um novo contrato de ligação que garante os limites do desligamento, que estabelece fronteiras e que, no lugar dos votos românticos de um casamento, estabelece as obrigações legais de uma e de outra parte.

Naturalmente, uma das obrigações do pai do meu filho era pagar-lhe uma pensão de alimentos, além de contribuir, na mesma medida que eu, para as despesas de saúde e de educação da criança, que é dos dois. Só que, tratando-se do Manuel, não seria de esperar outra coisa que não o incumprimento. Foi a única coisa que cumpriu na vida: esta expectativa. Nunca pagou nada, exceto umas amostras para, anos mais tarde, exibir em tribunal.

O Manuel é uma pessoa errante. Acredito que precise de ajuda. Tem uma vida embrulhada e sem tino. Encheu-se de dívidas ao ponto de não poder ter nada em seu nome. Salta de namorada em namorada como se andasse sempre à procura de qualquer coisa que ninguém sabe o que é e nunca encontrasse o que quer que isso seja.

Nunca o proibi de ver o filho. Chegámos a acordo sem recorrer a decisões judiciais: podia passar um fim de semana com o miúdo de duas em duas semanas. Só que o meu filho chegava a casa confuso, baralhado. O Manuel nunca estava no mesmo sítio, então a criança acabava por passar os fins de semana em casa de qualquer nova namorada do pai. Fui obrigada a mudar as regras, até porque o meu filho já não queria ficar com o pai.

Entretanto, dei por mim a criar sozinha a criança. Sem ajudas, sem pensões de alimentos, sem querer saber das necessidades mais elementares de um miúdo que anda na escola, que está a crescer, que quer jogar futebol, que precisa de materiais, o Manuel levou-me ao limite, depois de eu ter acumulado dois empregos durante vários anos - um salário de professora não chega para tudo.

Agastada com a situação, sem margem de manobra e com a saúde a deteriorar-se, apresentei queixa contra o Manuel. Queria que me pagasse o que devia. Ou que, pelo menos, pagasse uma parte e começasse a contribuir como era sua obrigação para a educação da criança. Sabem quando achamos que uma situação está tão má que não pode piorar? Foi o que eu pensei quando fiz a queixa. Infelizmente, a realidade havia de me provar que não há nenhuma tragédia que não possa piorar.

O meu caso deu entrada num tribunal que não vou identificar. Vamos supor que se trata de um que recentemente tem sido notícia, precisamente por causa do juiz que tomou conta do meu caso. Um juiz que seja uma pessoa abjeta, sem qualidade moral nem decência para ser sequer um cidadão comum, quanto mais para exercer como juiz.

O Manuel devia-me alguns milhares de euros só em pensão de alimentos, não tinha estabilidade, não tinha emprego fixo, nada, tinha-me traído em várias ocasiões, tinha destruído por duas vezes o nosso casamento, nunca mostrou especial cuidado nem preocupação pelo filho, mas mesmo assim o juiz encontrou forma de me culpar por tudo o que se passava. Que devia ser mais próxima do pai, que devia partilhar a criança, que devia até, quem sabe, dar mais uma oportunidade ao Manuel, "no melhor interesse da criança, uma vez que esta precisa de uma família". Não abriu sequer o processo e pressionou-me até perdoar a totalidade da dívida ao Manuel sob a ameaça velada de abrir a discussão da custódia da criança caso não o fizesse.

Depois de tudo o que passei e sofri, encontrei-me doente e entre a espada e a parede, na iminência de ficar sem o meu filho, de o perder para um pai que nunca quis saber dele. E o juiz, insensível ao meu caso e prepotente como eu nunca antes vira, espremeu-me até muito para lá do meu limite. Ir a tribunal só me deixava mais arrasada. O meu filho ganhou pavor a tudo isto. Só de falar no caso fica nervoso. Toda a situação o traumatizou muito.

Aceitei tudo. Perdoei as dívidas, assinei papéis a dizer que estava tudo bem, concedi as visitas e prometi que seríamos civilizados, tudo em nome do bem-estar da criança. O Manuel, por seu lado, prometeu que pagaria a pensão de alimentos e os encargos com o futebol. Nunca pagou um cêntimo pelo futebol e a pensão de alimentos desapareceu ao fim de meia-dúzia de meses. A dívida nova já vai em milhares de euros.

A minha vontade é ir de novo para tribunal, mas o meu filho não quer. Não quer sequer falar dessa possibilidade. E eu também tenho medo, para ser sincera. Venci, com muito esforço e muito sofrimento, a minha doença, mas já se sabe que estas doenças nunca são completamente vencidas. É preciso monitorizar, é preciso estar atenta. E eu tenho medo que tudo retroceda se eu voltar a passar pelo que passei, se eu voltar a ouvir aquele juiz obtuso e prepotente. Prefiro continuar a criar o meu filho sozinha, prefiro trabalhar em dois empregos.

*Se conhecer uma história real envie-a para m.oliviasebastiao@gmail.com. As suas ideias podem dar origem à história do próximo sábado

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