Histórias de Amor Moderno: “Não há nada mais excitante do que ver-me nas mãos dele”
“A ideia da pornografia, em si, chocou-me - mas só até ver as primeiras imagens. Ao ver aqueles vídeos, também eu me sentia excitada.” Todos os sábados, a Máxima publica um conto sobre o amor no século XXI, a partir de um caso real.

No meu quarto, eu tenho um espelho de pé que vou mudando de sítio em função da disposição das coisas em redor, da luz ou simplesmente da minha vontade. Há uns tempos, calhou ficar numa posição curiosa, junto ao roupeiro. Notei porque, à noite, quando o Sandro me levou para o quarto e começámos a fazer amor, eu conseguia ver o que nunca antes tinha visto com ele. Estávamos numa posição mais arrojada, com ele por trás de mim, e eu conseguia ver perfeitamente o ponto em que os nossos corpos se uniam, o vai-e-vem frenético de duas pessoas apaixonadas, famintas uma pela outra.
Excitou-me imensamente aquela visão. Foi como se eu fosse, ao mesmo tempo, protagonista e espectadora do nosso espetáculo. A imagem de mim mesma a ser devorada pelo homem que eu desejo, e que visivemente me desajava, ali, naquele momento, tornou o momento tão excecionalmente excitante que atingi o clímax pouco tempo depois de sentir o corpo dele dentro do meu. Surpreendido, mas também muito orgulhoso, o Sandro parou, muito sorridente. A sua vaidade, porém, não foi exagerada ao ponto de lhe tirar o discernimento e a curiosidade. "Uau! O que é que aconteceu aqui?", perguntou-me. E então eu expliquei-lhe. Mas dei-lhe uma explicação que até a mim surpreendeu.

Antes do Sandro, houve o Rúben. Eu e o Sandro já nos conhecíamos na altura em que eu namorava com o Rúben. Não éramos exatamente do mesmo grupo, mas encontrávamo-nos nos mesmos lugares do bairro. O Sandro é mais velho do que eu e do que o Rúben. Dava-se com outro pessoal nessa altura, o que é normal. Mas todos nos conhecíamos. Adiante.
Eu e o Rúben estivemos juntos mais de seis anos. Éramos namoradinhos, começámos muito cedo, ainda no nono ano. Dávamos beijos, fazíamos aquilo que os outros adolescentes faziam na escola - os mais afoitos e corajosos, pelo menos, ou aqueles que tinham mais sorte ou menos vergonha, são muitas as maneiras possíveis de olhar para isto -, atrás dos pavilhões. Amassávamo-nos cheios de entusiasmo e vigor, e o corpo mostrava sinais de querer mais, muito mais. Éramos jovens de hormonas fervilhantes e instintos novos, por explorar. E os nossos corpos eram novos e belos. A sua descoberta era uma revelação de beleza e de excitação.
A minha primeira vez foi com o Rúben. Várias amigas minhas perderam a virgindade mais cedo, algumas delas com rapazes que nem sequer eram seus namorados. Mas eu, que tinha o meu pequeno amor, não queria fazer aquilo de qualquer maneira e sem cuidados. Certa tarde, não havia ninguém em casa dele. Faltámos às aulas e subimos ao seu apartamento. Beijámos-nos, tocámo-nos e, quando fiquei completamente nua e me senti invadida pelas suas mãos e por tudo o resto, senti que precisava de respirar. Pedi-lhe que esperasse um pouco. Mas o Rúben estava demasiado entusiasmado. Só me dizia "agora não podemos parar, agora não podemos parar", e eu não sabia o que fazer. Depois dizia-me "dá-me a tua boca, vem cá", ia repetindo estas ordens enquanto me puxava para ele.

Não era nada daquilo que eu imaginava para a minha primeira vez. Achei que iríamos ser dois miúdos tímidos e ingénuos em busca um do outro. Perguntei-lhe por que tinha sido assim comigo, tão brusco, tão dominador, tão intenso. Respondeu-me que era assim que se fazia. "Mas tu não eras virgem?", perguntei. Respondeu-me encolhendo os ombros. Continuámos a conversar até ele confessar que sim, que tinha sido a sua primeira vez também. Só que ele sabia que era "assim que se fazia" porque tinha visto vídeos na Internet.
O Rúben começou a mostrar-me os vídeos que via e com os quais se satisfazia. Frequentava vários sites. A ideia da pornografia, em si, chocou-me - mas só até ver as primeiras imagens. Ao ver aqueles vídeos, também eu me sentia excitada. Dava-me vontade de fazer coisas. De sentir coisas. De experimentar coisas. Desde então, sempre que estávamos na intimidade, púnhamos vídeos até nos excitarmos e não aguentarmos mais, e depois fazíamos nós. Só que, aos poucos, a prática foi-se tornando rotineira e perdeu aquele apelo, aquele fogo transgressor. O fruto passou de proibido a corriqueiro. E os nossos corpos belos, jovens e sedentos de sexo deram por si transformados em peças de uma engrenagem de movimentos repetidos, de práticas automatizadas, de gestos maquinais e nada excitantes.
"Vamos experimentar outro tipo de vídeos." A sugestão foi minha. Ingénua, eu, achei que o problema do nosso crescente desinteresse mútuo, do nosso arrefecimento progressivo, não era a dependência da pornografia, em si, mas a falta de novos corpos para ver, de novas práticas, de novas explorações. Eu queria ver mais. Começámos a explorar cada vez mais aquele universo, que parecia infinito. Por trás de cada porta, existe sempre uma nova, provavelmente mais obscura, mais perversa e mais estranha. E nós, uma após outra, íamos abrindo todas essas portas. Mas chegámos a um ponto em que tivemos de parar, quando a exigência física começou a ser demasiada. Estamos a falar de dor mesmo, de danos corporais. De chegar ao limiar da agressão, da ferida, da mutilação. Tínhamos de mudar, de deixar de ver aqueles vídeos, de encontrar alternativas. Ou então, simplesmente desfrutar um do outro, sem mais.

Assim foi. E o apetite sexual desapareceu. Em desespero, o Rúben propôs que experimentássemos novas formas. Que juntássemos outras pessoas, que nos déssemos e observássemos. Uma vez mais, como nos vídeos que ele via de sexo em grupo. Mas eu nunca aceitei. Expliquei-lhe que havia limites que eu não passava, fronteiras que eu não transpunha. Eventualmente, chegámos a um acordo, um compromisso: ele podia fazê-lo com outras pessoas e eu observava, mas sem nunca me juntar ao grupo. E tenho de admitir que me excitava muito mais vê-los uns com os outros do que ser eu mesma a protagonista a sós com o Rúben.
À medida que me ia apercebendo da minha falta de desejo e de prazer com o Rúben, também ia aceitando que talvez já não fizesse sentido estar com ele. Tudo é um processo, um caminho. E ele tinha sido o meu primeiro amor. Talvez tenhamos começado da maneira errada. Talvez nos tenhamos explorado e descoberto de uma forma estranha. Mas, lá no início, éramos apaixonados, sei bem disso. Agora, era preciso percorrer o trilho do afastamento e aceitar que não fazíamos sentido juntos. Por fim, terminámos.
O meu corpo tem marcas. Cicatrizes, mesmo. Não são muitas e não são graves. E não foram feitas comigo no papel de vítima indefesa. Tudo foi consentido. Mas elas estão cá, são visíveis. E quando expliquei ao Sandro por que razão tinha chegado ao meu clímax daquela maneira fácil e natural - o facto de ser voyeur de mim mesma, observadora da nossa paixão refletida naquele espelho -, contei-lhe de onde vinham aquelas marcas e como as tinha feito. Não deve ter sido fácil ouvir aquela história, o resumo do meu percurso físico e sexual com outra pessoa, ouvir-me falar de outras preferências, de vícios, de rotinas com outra pessoa. Ele manteve-se calado, de olhos baixos. Não comentou. Não se manifestou.

Sinto-me bem, porque fui sincera e franca com o Sandro. Sei que, mesmo que o possa ter melindrado um pouco, fiz o que estava certo. E, ainda melhor, mostrei-lhe que podemos ter uma relação saudável e sem vícios nem acessórios. Afinal de contas, não há nada mais excitante do que ver-me nas mãos dele. Basta posicionar o espelho da maneira correta.
*Se conhecer uma história real envie-a para m.oliviasebastiao@gmail.com. As suas ideias podem dar origem à história do próximo sábado.

Histórias de Amor Moderno: “Beijámo-nos, pronto. O assunto morreria obviamente ali. Não foi nada, não significou nada.”
“O Rodrigo era bonito. Ainda é. Calmo, não precisava de ser o centro das atenções, como sucedia com o Raul.” Todos os sábados, a Máxima publica um conto sobre o amor no século XXI, a partir de um caso real.