Histórias de Amor Moderno: "Fiquei a saber que já perdera o meu marido, em vida, para uma amiga"
“Naquele dia, fiquei a saber que já o perdera, em vida, para alguém que tinha como amiga.” Todos os sábados, a "Máxima" publica um conto sobre o amor no século XXI, a partir de um caso real.

"O meu marido João." Sempre gostei de brincar com a expressão "o meu marido João" porque, ao pronunciá-la, sabia que o melindrava um pouco. Soava como se houvesse outros maridos além daquele, dele próprio, do João. Era uma maneira carinhosamente maldosa de me meter com ele. E agora, ao usá-la nesta história, faço-o, apesar de tudo o que sofri, da forma mais carinhosa e amorosa, porque a digo com o coração cheio de saudade, imerso em tristeza - uma tristeza pacificada e serena, uma espécie de melancolia harmoniosa e contemplativa, mas, contudo, profundamente triste. O meu marido João morreu.
Há cinco anos, quando entrámos naquele consultório, eu pensava que estava tudo bem. Porém, há momentos na vida em que, como se estivéssemos num filme, ocorre uma mudança definitiva. O preciso instante em que cruzei a porta do consultório é, para mim, um desses momentos raros, cinematográficos, estranhos e trágicos em que conseguimos situar com precisão o último gesto, a última sensação, a última inspiração da vida normal. "Sentem-se", disse o doutor com ar grave, e eu inspirei fundo, sustive a respiração. "Senhor João, temos aqui um problema", disse o médico. E eu então expirei como se me deixasse ir, vida abaixo. O ar que eu retive nos pulmões durante aquele instante breve traça a fronteira entre a vida normal e a convulsão trágica que se seguiu.

Um tumor nos rins, maligno. Metástases espalhadas pelo ventre, zona lombar e, possivelmente mas então ainda por confirmar, na coluna. "A confirmar-se a presença na medula espinal, devemos temer o pior. E muito em breve", disse o doutor - ele próprio parecia comovido. Deram ao meu marido João dois a seis meses de vida. Felizmente, os prognósticos não se alinharam com os diagnósticos e ele, por amor à vida, amor ao filho, talvez, quem sabe, por amor a mim, agarrou-se a este mundo o mais que pôde e só se deixou abater quando não lhe restava no corpo nem mais uma gota de força. Deu luta até ao fim. E eu, no que pude e enquanto pude, fiz o que me foi possível. E foi muito mais do que eu tinha obrigação.
Deixem-me que vos fale de Maria Amélia. Bem sei que, nos dias que correm, as meninas se chamam, com frequência e de forma singela, somente Maria. No nosso tempo, não era assim. Uma Maria nunca era só Maria. Esta minha amiga, de quem fui próxima e confidente, praticamente irmã, desde os tempos de liceu, chamava-se Maria Amélia. E tinha uma paixoneta de adolescente. Foi precisamente numa festa de liceu que Maria Amélia conheceu o rapaz que a arrebatou. Um qualquer slow, possivelmente dos Guns N’ Roses ou dos Bon Jovi, aproximou, na pista de dança improvisada do refeitório, aqueles dois seres até então desencontrados. Beijaram-se. Ela apaixonou-se. Na segunda-feira seguinte, ele fingiu que nunca a tinha visto. Ela ficou destroçada. Eu, que não sabia quem ele era, fiquei com muito má impressão daquele D. Juan, que aparentemente gostava de esbanjar estilo encostado a um dos postes na zona do bloco D, rodeado pelo seu séquito de miúdos e miúdas populares.
Quem me deu detalhes acerca do rapaz, que era realmente giro e emanava estilo, foi a Maria Amélia. "Chama-se João", contou-me, e depois acrescentou uma data de coisas a que não prestei muita atenção. E repetiu essas e ainda adicionou outras informações completamente inúteis ao longo de meses, talvez mais de um ano. Só deixei de ouvir falar nele quando fomos para a faculdade, cada uma para a sua. Mas, por essa altura, já eu sabia praticamente tudo acerca do rapaz. Sabia pelo menos tudo o que Maria Amélia me contava sobre ele - por mais que me quisesse desligar, era humanamente impossível ignorar tudo, a toda a hora.

Eu só vim a conhecer o João muitos anos mais tarde. Lembrava-me do seu rosto, mas vagamente. Quando o conheci, num jantar em casa de amigos comuns, não consegui precisar a origem da familiaridade daquela cara. Conversámos um pouco nessa ocasião, ele disse-me em que escola tinha andado, "que engraçado, também andei lá", disse-me que idade tinha, "jura! Também sou de 80! É uma bela colheita", e aos poucos foi-se formando na minha cabeça a palavra Eureka!, que, por extenso, significava "espera aí, tu és O João, aquele João". Por infortúnio, se Eureka permaneceu no silêncio dos meus pensamentos, já a parte de "tu és aquele João" manifestou-se verbalmente com um certo ruído de espanto.
Foi estranhíssimo ter de lhe explicar o que queria dizer com aquilo, mas essa conversa acabou por resultar numa aproximação entre nós. Ele contou-me que sabia, claro que sim, quem era a Maria Amélia, embora não se recordasse do episódio do beijo no baile do liceu. Sorriu quando mencionou "o episódio do beijo", fez uma expressão deliciosa que ainda hoje recordo, e não resisti a beijá-lo. Beijámo-nos muito. Nos intervalos entre beijos, foi-me contando que Maria Amélia namorava com um grande amigo seu. "Tu és amigo do Ricardo?" "Sim, há muito tempo. Desde o liceu", respondeu.
Quando eu e o João começámos a namorar, a Maria Amélia e o Ricardo tornaram-se, muito naturalmente, o nosso casal amigo. Acredito que todos os casais têm um casal predileto com quem mantêm uma amizade próxima, composta por uma proximidade muito íntima entre as duas mulheres e uma afinidade bastante cúmplice entre os dois homens. Nós os quatro cumpríamos todos esses requisitos e, por isso, éramos melhores amigos, não propriamente enquanto conjunto completo, mas dois a dois, até porque as amizades separadas - minha e da Maria Amélia; do João e do Ricardo - eram anteriores às relações amorosas que entretanto viemos a estabelecer.

Eu não descobri traição alguma, foi o meu marido João quem me contou que tinha uma relação amorosa paralela. Sim, com a Maria Amélia. Obviamente. "Mantém os teus amigos por perto e os teus inimigos ainda mais próximos", dizia o Al Pacino n’ O Padrinho. E o que fazemos quando a amiga é também a inimiga? Principalmente, o que fazemos quando ela está tão próxima que não conseguimos vê-la, de tal modo está debaixo do nosso nariz? O meu marido João contou-me tudo pouco tempo depois de saber que estava doente - mais que doente, que estava condenado. Desfez-se em lágrimas, e eu acho que nunca assisti a choro tão honesto e tão puro. Não duvidei um segundo do seu arrependimento, da sua vergonha e da sua tristeza pelo comportamento, pelo esquema, pelo engano. Pela traição. Fez-me a sua confissão como se quisesse partir em paz, sem aquele peso na consciência, aliviado pela nobreza da assunção, esvaziado pelo pranto do desespero.
Senti-me esmagada. Dias antes, tinha recebido a notícia de que ia perder em breve o amor da minha vida para uma doença impiedosa e cruel. Naquele dia, fiquei a saber que já o perdera, em vida, para alguém que tinha como amiga e em quem confiava plenamente. Foram golpes muito duros nos meus sentimentos e no meu amor-próprio. Senti-me perdida. Não sabia sequer como arrumar pensamentos. Entre a dor e o ressentimento, entre o amor traído e o amor que ainda restava, aceitei ficar com o João até ao fim. Na altura, não tínhamos esperança. "Dois a seis meses", aquela sentença às voltas na minha cabeça como uma ampulheta cuja abertura é demasiado grande para uma areia tão fina. Lembro-me de o ter abraçado, "oh João, porquê, João, porquê?", e chorámos os dois, chorámos muito.
Juntos, aceitámos o destino, o que passou, passou, o que virá, virá. Aguentámos cinco anos de luta e de sofrimento. Durante todo esse tempo, não consegui chamar-lhe "meu marido João". Tudo tinha mudado. Eu fiquei com ele, ao lado dele. Cuidei dele, confortei-o, fiquei com ele até ao último dia. Quando, no seu estertor, eu lhe acariciava a testa, cada vez mais quente, depois cada vez mais fria, perguntou-me porque é que eu nunca mais o chamei assim. E chorámos novamente, sem mais uma palavra. Até que a respiração dele parou.

*Se conhecer uma história real envie-a para m.oliviasebastiao@gmail.com. As suas ideias podem dar origem à história do próximo sábado.

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