Entrevista Diogo Miranda: “Já é difícil ser designer em Portugal, se fores conceptual morres na praia”
No momento em que a sua marca celebra 15 anos de existência voltamos a entrevistar o designer do Porto. De onde vem a sua vontade de instigar o belo? O que procura nos filmes antigos que tanto vê? Conversa informal para dar voz à sua visão. Diogo deseja que a nossa aparência seja mais cuidada. Afinal o amor pode aparecer ao virar de cada esquina, é bom vestirmo-nos a contar com isso.
Diogo tem lágrimas nos olhos, esboça um sorriso enquanto atravessa a passerelle improvisada do seu último desfile, no Ateneu do Porto, durante o Portugal Fashion. Em março de 2022 é assim que agradece os aplausos que lhe são dirigidos. Ao mesmo tempo ouve-se a voz de Sinead O’Connor num hit de 1990 escrito por Prince. Em Nothing Compares 2 U há revolta e emoção, a cantora fala de um amor que quase a destruiu, "girl you better have fun no matter what you do", grita num tom seco. A letra ecoa nos salões iluminados por candelabros onde desfilam as silhuetas imaginadas por Miranda para o próximo inverno, o cenário é dramático. Num jogo de pistas, as palavras da canção também parecem dizer algo sobre o criador e a sua vontade de trabalhar a beleza clássica da Moda num país onde as Artes e os Ofícios lutam por vir à tona. Diogo refere este facto com frequência, se a cultura tivesse um quarto da importância do futebol, os artistas respiravam com outro fôlego em Portugal.
Há muito que os seus vestidos são vistos nos corpos das mais belas atrizes em passadeiras vermelhas e editoriais, não nos podemos admirar da evidência que é escolher vestir uma das suas peças. A elegância do universo Diogo Miranda cola perfeitamente com o que qualquer atriz sonha, um vestido intemporal que imortaliza a noite em que recebe um prémio ou apresenta um filme pela primeira vez. Também ele poderia ser um ator de um filme da Nouvelle Vague francesa, cabelos puxados para trás, sorriso que esconde segredos e insinua possibilidades, a timidez que em tempos dizia ser sua dissipou-se. Dias antes de assistirmos ao seu desfile para o próximo inverno olhávamos para os olhos claros de Miranda através de uma videochamada. Com humor dizia que talvez tivéssemos sido pirateados quando no ecrã do nosso telefone entrava uma chamada vinda do Chipre, de onde nos ligavam sem parar interrompendo a entrevista. Cuidadoso, evitou falar da sua adolescência, mas insistimos. Estes detalhes constroem a intensidade dramática que paira sobre a sua marca.

A história de celebrar datas é importante para ti? Estamos a falar contigo porque estás a celebrar os 15 anos da marca Diogo Miranda.

Acho que nossa vida é feita de ciclos e não sei se na próxima estação vou estar cá. A vida pode mudar de um momento para o outro, nada é garantido. Percebemos isso com esta história da Covid também. Por isso é importante celebrar os 15 ou os 20 anos. Se eu morrer amanhã, terei pelo menos celebrado os 15.
Achas que neste período pós-covid (se a pandemia tiver realmente acabado) iniciámos um ciclo novo no que toca à Moda?
A partir do segundo confinamento (em 2021) as pessoas começaram a fazer mais festas, mas sem a possibilidade de ir lá fora para comprar um vestido. Eu comecei a ter uma procura gigante. As pessoas sabiam que eu existia e até davam valor ao meu trabalho, mas simplesmente preferiam ir a Paris ou Nova Iorque comprar vestidos. Muitas clientes dizem já acompanhar o meu trabalho há mais de dez anos. Em Portugal as vendas subiram, por exemplo nunca tive tantas noivas como tive este ano.
Como é que eras com 15 anos?

Esquece, era diferente. Ainda há uns dias estive a ver coleções passadas e fiquei com vergonha. Mas é reconfortante ver o percurso feito até chegar ao presente. É engraçado ver essa evolução enquanto pessoa e designer.
Mas o que estamos a perguntar é como eras tu, Diogo Miranda, o rapaz adolescente? Há uns tempos falámos contigo e contavas que em miúdo os teus irmãos sempre que viajavam traziam-te revistas de Moda. Imaginámos que isso tivesse acontecido durante a tua adolescência?
Sim, tinha uns 15 ou 16 anos, eu era ridículo. (risos)


Não eras nada… Como era esse rapaz no norte de Portugal que adorava receber uma Vogue Itália, como te posicionavas?
Era tranquilo. Nós somos quatro irmãos, a minha mãe e os meus irmãos sempre tiveram atenção à decoração da casa, ao pôr-se bem a mesa e assim, ao irmos bem vestidos a casa dos meus tios. Havia ali uma linguagem normal, foi algo que me acompanhou. Os meus irmãos chegavam das feiras de calçado e traziam-me revistas, para mim acabava por ser normal. Às vezes eles chegavam à uma da manhã, eu ficava acordado para ver que presentes me tinham trazido, mas não tinham trazido nada a não ser as revistas. As revistas eram materiais de trabalho deles e eu aproveitava. Se os meus pais tivessem uma padaria se calhar eu tinha sido padeiro.
Ou se calhar não. Andavas certamente à procura de qualquer coisa. Havia uma sede de mundo?
Sim de saber mais, por mais que fosse uma área à qual eu estava ligado. Eles faziam calçado, eu nem sei como se faz calçado.

No teu Instagram tens pilhas de livros fotografados, muitos coffee table books, parecem dar luz às assoalhadas de tua casa. O que te inspira nesses livros?
Bom, eu uso aquela rede social para ver o que se passa no mundo. Muitas vezes também faço posts para inspirar as pessoas. Eu sou curioso, o facto de pesquisar filmes de época, dos anos 70 ou do Fellini enriquece-me a nível criativo e intelectual. Vivemos num país onde não há cultura de Moda e se eu conseguir através destas ferramentas ensinar algo às pessoas já é bom. Eu vejo que as pessoas guardam as coisas que partilho no Instagram.
É como um moodboard? Algo que tens vindo a explorar?
É um caminho. Se há 10 anos me dissessem que eu ia amar a Melina Mercouri ou a cantora Mina não ia acreditar…. É todo um caminho. Agora vejo filmes que não vi quando tinha 20 anos.

Se dessem a possibilidade de filmar em Capri, na casa Malaparte, o que aconteceria nesse filme, o que seria um filme feito aí pelo Diogo Miranda?
Se me dessem a casa Malaparte vivia lá (risos). Estás a dizer isso porque é o meu sítio favorito?

Sim, nos teus posts aparecem muitas vezes referências a esta casa especial, onde foi filmado o filme de Godard, Le Mépris com a Brigitte Bardot.

O que faria nessa casa? Faria algo no mood desta última coleção primavera/verão. Tudo muito esvoaçante, muito anos 60. Elas sempre divinas com os cabelos trabalhados e volumosos, sandálias rasas, alguns padrões. Esta coleção foi um pouco inspirada naquela época. O corpo da mulher está lá, mas é tudo muito oversized, com um cinto a marcar a cintura. Apresentei a coleção primavera/verão 2022 na Casa do Roseiral do Porto, as manequins desfilaram no jardim. Quando estou a pensar nas coleções tento pensar assim num mood cinematográfico. É preciso que elas se sintam bonitas, e para quem está a assistir a ideia é que tenham vontade de ser como aquelas mulheres que desfilam.

E que drama poderia acontecer nessa casa Malaparte que tanto gostas?
Eu adoro drama (risos). Acho que seria uma coisa bem tranquila, um final de tarde e uns drinks naquela sala de vidro e depois pegava-se no barco e ia-se dar uma volta à ilha. Capri é o único sítio em Itália em que tu ainda sentes aquele universo muito anos 60 e 70. Aqueles cabelos volumosos, aquelas vilas, a Villa San Michele que eu amo e fica no topo de Capri…. É um museu, mas eu morava lá fácilmente. Eu amo o belo e é isso que gosto de fazer. Gosto de coisas bonitas, clássicas. Até podem dizer isto está "super out". Ao longo destes anos, eu nunca me achei um designer conceptual, se calhar foi o meu contacto com as clientes que me fez escolher este caminho. Já é difícil ser designer em Portugal, se fores conceptual acho que acabas por morrer na praia… A certa altura comecei a olhar à volta e percebi que não havia muita gente a fazer o que eu faço. Não quer dizer que esteja muito atento a isso, sinto que vivo no meu mundo, mas a certa altura pensei que poderia ser também uma possibilidade de negócio. Só que eu nem sinto isto como um trabalho, eu faço isto com amor. É a melhor coisa que me podem dar, acordar às 8 da manhã e ir para o atelier.

De que falariam as pessoas nesse fim de tarde em Capri?
Cultura, arte, viagens, relações. Economia e tudo o que se passa no mundo. Nada muito fora.

O que te dão essas atrizes ou cantoras como a Mina?
Dão-me o belo e adoro o belo. Gosto de transmitir isso com as minhas coleções. Tento pôr uma mulher bonita. As pessoas dão valor à minha opinião e tenho tido cada vez mais clientes que me perguntam o que acho de outros detalhes…. Hoje tive um fitting de uma noiva e ajudei-a a decidir tudo, até como vai pentear o cabelo. As mulheres querem sentir-se bonitas. Há outra coisa importante, o facto de uma mulher estar a ser vista pelo olhar de um homem. Isso é importante.
Achas que tocas num ponto de desejo?
É importante uma mulher sentir-se desejada num determinado sentido, por isso pagam também o nosso serviço. Há mulheres que se identificam com determinadas marcas por isso.
No teu Instagram a tua inspiração parece partir muito dos teus amigos…
Acho que todas as pessoas que me rodeiam acabam por me inspirar. O meu trabalho acaba por ser um reflexo do que sou. Se eu fizesse coleções todas pretas, provavelmente eles seriam punks, não? Adoro ir a um jantar em que as minhas amigas estão arranjadas. Odiei esta história dos fatos de treino, e do easywear (da pandemia). As mulheres já são desleixadas, ainda mais com roupas largas e em casa a comer pão. (Risos)

Tu instigas as pessoas a produzirem-se à tua volta?
A cuidarem-se. Não é bem produzir…. Quando tenho clientes gosto de usar um fato ou um blazer. Mas lá está, eu não me visto para os outros, mas para mim. Tento introduzir essa ideia às minhas clientes e às pessoas que me rodeiam. Tu nunca sabes quem te pode aparecer ao virar da esquina. Não sabes se vais encontrar o teu amor na esquina. Nos últimos anos, qual é o nosso cartão de visita? É o nosso Instagram… Ou seja, é a nossa imagem. No meu trabalho tento não seguir tendências porque acaba por não ter força, mais vale ter uma linguagem e um ponto de vista forte. É isso que te dá o ADN.

Para o Diogo Miranda designer de Moda a ideia de overdressed não existe?
Depende do que tu queres dizer com overdressed. Podes estar de fato branco e de camisa branca e se chegares a uma festa e estiver tudo de jeans…. Estás overdressed… Para mim a palavra tem um duplo significado, por isso a tua pergunta acaba por ser um bocado rasteira. Não acho que seja assim tão linear quanto isso.
Sem querer pregar rasteiras: tens arrependimentos nestes 15 anos de marca?
Não acho que sejam arrependimentos, mas sim escolhas que foram feitas num momento. Cada coleção foi um ensinamento. Misturar preto com amarelo? Se calhar até fiz no passado, agora não o faço. Ninguém nasce ensinado. Acho que tens de cometer erros para não os voltares a fazer. Hoje em dia sou um designer muito mais plane, gosto das coisas num tom ou dois tons no máximo. Gosto pouco de trabalhar com tecidos que sejam demasiado… "overdressed" digamos assim. O meu gosto pessoal vai nesse sentido.
[Na imagem do nosso FaceTime vemos que Diogo mexe no fio que tem ao pescoço]
O que tens ao pescoço?
Uma cruz de ouro. É do meu pai, ele não a usa. Já a tenho há uns dez anos e está sempre comigo.

Durante muitas estações vinhas agradecer no final dos teus desfiles sempre ao som da mesma música dos Depeche Mode (Behind the Wheel).
(Risos) Já me deixei disso.
O que foi esse statement durante tanto tempo?
Eu queria deixar uma imagem de marca, mas depois comecei a perceber …sabes a expressão dar pérolas a porcos? Comecei a ver que não valia a pena, ninguém reparou realmente que durante dez anos eu usei a mesma música.
O que andas a ouvir atualmente?
Estou numa fase em que oiço muito a Mina e o Philip Glass. Agora estou a ouvir muitas músicas para o desfile, ando a ver o que pode encaixar entre violinos e sons de piano.
Houve alguma mensagem de agradecimento, algo que alguém te tenha enviado nestes 15 anos, algo especial?
Sim, a Caroline de Maigret quando foi ao desfile em Paris. Passados dois dias mandou-me uma mensagem a dizer "you are great".


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