Luís Carvalho, designer. “São os sonhos que nos fazem correr atrás das coisas.” Quando a Moda Lisboa fez escala no deserto.
Entre duas coleções, Luís Carvalho levou peças suas a um desfile organizado no quadro da Tunis Fashion Week, em novembro de 2022. Depois da sua apresentação, pedimos ao designer para nos falar de Moda, mas também das tatuagens que tem no corpo, uma forma de lhe fintar a timidez e entrar na sua intimidade. A sua marca desfila o outono/inverno este sábado, 11, na ModaLisboa.
Estamos no meio de uma bacia natural, num décor entre o apocalipse e o paraíso.
Há uma série de desfiles que se encadeiam, Luís Carvalho aguarda o momento do pôr do sol para começar a sua apresentação. O Chott el Jerid é o maior lago salgado no sudeste da Tunísia (está quase sempre seco). Situado a mais ou menos uma hora da cidade oásis de Tozeur, é lá que se improvisa a Semana de Moda, a Tunis Fashion week. As apresentações deixaram de ser na capital Tunes para tentar a magia dos desfiles espetáculo que marcas como a Saint Laurent, Chanel, ou até Jacquemus (que desfilou, por exemplo no meio de salinas do sul de França) têm realizado em localizações improváveis. A lógica parece seguir a seguinte regra: quanto mais longe, mais belo será o espetáculo. O mundo tem milhares de pequenos lugares improváveis à espera de uma longa passerelle, a realidade tem vindo a provar esta possibilidade.

Na Tunísia, os meios não seguem a megalomania das marcas multimilionárias. Há apenas uma tenda a dar lugar aos bastidores, um carro acende os faróis nos momentos em que o sol se cobre. Iluminam-se assim as roupas ou a maquilhagem que se aplica a dezenas de modelos em plena adrenalina. Alguém levou um rooter para o meio do lago salgado do deserto. Assim a internet não para e os smartphones continuam a imortalizar momentos que se espalham em tempo real nas redes sociais dos convidados. Nunca o deserto pareceu tão apetecível, a Moda é uma miragem?
Luís surpreende a organização local, com a sua assistente Liliana, tem tudo extremamente bem preparado numa quase dezena de malas vindas do Norte de Portugal – à sua volta o caos impera. O designer português nunca perde a calma, nem o sorriso. Tem receio que o sol se ponha, a organização garante-lhe que terá a mais bela luz daquele dia. As suas silhuetas desconstruídas com cores flashy preparam-se para preencher o branco do décor natural, a coleção que apresenta é a de primavera-verão (apresentada em outubro de 2022 na ModaLisboa).

Em 2023, a sua marca completa dez anos de existência. O jovem rapaz de Vizela que trabalhou em tempos como assistente de Filipe Faísca na capital portuguesa, decidiu instalar o atelier em nome próprio na sua terra natal. Esta escolha em nada deixa que as suas colaborações com inúmeras figuras do meio das Artes sejam limitadas. A sua marca está cada vez mais visível, o seu estilo é reconhecível. Luís é reservado, a meio desta entrevista sentimos que ao falar de tatuagens podemos aceder a relatos novos sobre a sua vida.

Preparar um desfile implica uma espécie de urgência. Esses momentos dão-te energia para criar ou preferes a introspeção?
Para a minha vida em geral eu preciso de ter um bocadinho desta confusão. Quero ter sempre coisas para fazer, e quando estou a construir uma coleção gosto dos dois meses antes da apresentação. Tenho umas duas semanas em que estou a desenhar, e aí estou no meu mundo a preparar uma coleção que pode vir a sofrer alterações.
Já apresentaste em Berlim ou em Paris .... Para ti esta viagem à Tunísia que te trouxe?
No fundo estas apresentações são sempre uma maneira de fazer contatos ou fazer com que o nosso nome seja falado fora de Portugal. Na Tunísia cruzei-me com pessoas que já tinham visto o meu trabalho em Paris. Isto assim faz sentido para chegar a mais pessoas. Foi bom poder ver o meu trabalho numa location tão diferente. Neste caso foi feita num lugar idílico, sinto que tão cedo não terei oportunidade de fazer uma apresentação tão bonita. Posso ganhar sempre coisas diferentes, dependendo do sítio onde vou. A nível de negócio pode não ser imediato, mas traz certamente mais-valias a nível de inspiração e realização pessoal.

O que é que tu tatuas no teu corpo?
Literalmente?
Sim. Tens a palavra dreamer tatuada (perto do punho). Sinto que ao falares das tuas tatuagens vais acabar por falar de ti. Podes descrever-me o significado das mais importantes?
Então a dreamer foi simplesmente a primeira tatuagem que fiz. Eu sempre quis fazer uma tatuagem, mas não sabia do quê. Foi feita no ano em que decidi começar a minha marca, e entrei na ModaLisboa. Eu identifico-me como um sonhador. Pode até parecer cliché.... Eu sonho muito, e é isso que nos faz correr atrás das coisas. São os sonhos que nos fazem mexer. E eu sou definitivamente um sonhador.
Já realizei muitos sonhos, mas vão sempre surgindo novos.


E as outras tatuagens que vais fazendo? Falam de quê?
Tenho o nome da minha mãe. É só a pessoa mais importante da minha vida, ela é a peça fundamental daquilo que sou hoje. A minha mãe é tudo para mim. Relativamente ao meu percurso profissional, foi ela a pessoa que esteve comigo sempre e que me apoiou... Ela ajudou-me a começar. Hoje estou neste lugar por causa dela. Por isso tenho a alcunha dela tatuada numa das minhas mãos. (faz uma pausa.). Tenho outra tatuagem no peito que diz forever young. Isto tem muito a ver com a forma como me sinto ou como quero sentir-me sempre. Sei que há esta coisa com o envelhecer...O corpo envelhece, mas podemos conseguir manter a mente jovem. Sinto-me sempre um jovem, independentemente da idade que tenho, é assim que me vejo na vida. Um puto forever (risos).
É um olhar...
Depois tenho umas cerejas tatuadas porque foi uma coleção minha que funcionou bem, foi quando fiz 5 anos de marca e achei que podia funcionar bem... E o que tenho mais tatuado?

Tens um alfinete algures?
Tenho quatro tatuagens nos dedos. Uma delas é um coração preto (risos), é o meu favorito e não sei explicar porquê .... Tenho um alfinete porque tem a ver com o meu trabalho. Tenho uma tablete de chocolate porque sou guloso, e uma nuvem porque gosto de viajar. Não sei se tenho mais, mas estas são as mais relevantes e têm o seu significado.

Estávamos a pensar nesta ideia de um criador ser um pouco como uma ilha.
Tu trabalhaste como assistente do Filipe Faísca e nessa altura vivias na capital, mas quando decidiste criar a tua marca acabas por te isolar na tua cidade no Norte. Um criador precisa de se isolar do mundo?

Se me perguntarem se preferia estar em Lisboa, imediatamente diria que preferia estar lá. Quando surgiu a possibilidade de criar a minha marca fez sentido por várias razões, principalmente pela questão financeira. É mais fácil ter um espaço de trabalho em Vizela. Depois comecei a ver o lado positivo de estar numa cidade onde não há tanta confusão, onde chego aos sítios facilmente e tenho mais foco no meu trabalho.
Depois sinto falta da confusão. E é isso que tento ir buscar nas viagens como esta e viagens que vou fazendo aos fins de semana.

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