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Encontros no Tinder, paixões transatlânticas e bebés. Viver o amor na pandemia

Um bebé inesperado, encontros e desencontros no Tinder, um pedido de casamento e um romance que cruza o Atlântico. Histórias para chorar ou rir, mas sempre de alegria.

Foto: Jacquemus / Campanha Outono/Inverno 2017
12 de fevereiro de 2021 Rita Silva Avelar
Quando tudo isto começou - isto, entenda-se uma pandemia que paralisou o mundo e nos fez repensar a vida, da saúde ao amor - o jornal The Sunday Times publicou um texto em que a jornalista escrevia que das pandemias nasciam sempre duas coisas: (muitos) divórcios e (muitos) bebés. Mas a verdade é que não podemos resumir as consequências da covid-19 a estes dois indicadores, falando de relacionamentos, claro. De tempos difíceis também nascem paixões assolapadas, famílias e lições para a vida, como provam as cinco histórias de amor e desamor que se seguem.

De facto, Amor em tempos de pandemia (uma alusão ao romance de Gabriel García Márquez) podia ser o título de uma série da Netflix sobre as relações no último ano. Pelo menos para Maria, 28 anos, que partilha com humor os encontros (e desencontros) no Tinder que atravessaram a sua vida nos últimos meses, e que a puseram em situações tão hilariantes quanto constrangedoras - com direito a alguns corações partidos (o seu incluído). "Instalei o Tinder em outubro, em novembro tive o meu primeiro 'Tinder Date'. Ele levou-me a jantar ao Ramiro. Tudo em grande, vinho e marisco, tivemos uma química incrível. Vivemos uma semana muito feliz e depois ele disse-me que ainda pensava na ex-namorada e não se sentia confortável em estar comigo". A conversa do costume, portanto, conta-me Maria com sinais de alguma impaciência, já que esta não foi a primeira vez que o argumento lhe foi atirado em jeito de desculpa. (Homens, really? É o clássico és-demasiado-para-mim-não-estou-preparado, não querendo tomar partidos como ouvinte da história).

"Dei umas semanas para a coisa arrefecer em mim, e depois do Natal, em janeiro, voltei ao Tinder" continua. "Tive dois dates. O primeiro correu bem, conversámos umas horas dentro do carro. No dia seguinte fui jantar com um segundo date ao meu restaurante preferido." Entretanto, o primeiro enviou-lhe uma mensagem. "Como eu só respondi às 23h, quando cheguei a casa, ele atirou-me: 'então, como foi o teu date?'" conta, entre risos, e a pensar: "Como assim, como foi o meu date? Como é que ele sabe? Será que veio aqui a casa, e que me viu chegar?" alarmou-se, a julgar que estava perante um stalker da pior espécie. "Não, só somou um mais um. Disse-me: 'Estás sempre online, hoje não estavas e respondes-me às 23h, hora de fim de date que não foi nada de especial" conta, em jeito de long story short. "Demorámos umas semanas a voltar a estar juntos, mas voltámos."Entretanto, parte da sua casa entrou em obras - o rapaz perspicaz perguntou-lhe se queria ficar com ele durante uns dias, desafiando-a a escrever um requerimento formal para aprovação e a Maria enviou-lhe um divertido "pedido de asilo temporário" (entenda-se aqui a cumplicidade já alcançada entre os dois). Contas feitas, quando uma amiga lhe pergunta quantos corações já partiu nesta pandemia confessa que "pelo menos dois, além do meu."

Mais seriamente, Maria percebeu que "a pandemia veio ensinar-nos que a vida é muito curta. Para mim só faz sentido viver e ultrapassar isto de peito aberto, tirar daqui as melhores experiências. Okay, estamos fechados, okay, temos que ter cuidado, mas ao mesmo tempo a vida continua. Por acaso as minhas histórias são divertidas, e eu rio-me com elas, mas eu estou à procurar do amor. A lição que eu tiro da pandemia em relação à minha vida amorosa é mesmo essa: prefiro viver de peito aberto e tirar partido daquilo que consiga. Não quero olhar para trás, com ou sem pandemia, a pensar que não dei o melhor de mim." Quem sabe uma mudança de casa temporária não lhe mudará o rumo da vida amorosa.

Foi exatamente no Tinder que Margarida, 26 anos, art dealer, conheceu o seu príncipe encantado. Como as definições da app a colocaram no EUA, encontrou o seu William por lá. Sem sair de casa, claro. "Estava apenas a ver [o Tinder], até que o encontrei, começámos a falar e houve um clique super inesperado. Começámos a fazer imensos Facetimes, e percebemos que havia ali qualquer coisa e decidimos que nos deviamos encontrar o mais cedo possível" conta. "Fizémos alguma ginástica para encontrar um sítio onde pudéssemos os dois ir sem as restrições de viagem todas, e acabámos por decidir a Costa Rica. Foi tudo completamente inesperado e romântico. Achei que a pandemia seria aquela altura em que podia estar solteira e viver assim um bocadinho naquela bolha de selfcare e tratar imenso do meu glow, e essas coisas todas!" ri-se. Diz que se apaixonou por William, e que agora só deseja que as restrições aliviem para que possa rumar aos EUA. "Fazer visitas para lá ou para cá está a ser difícil e também há a questão do fuso horário." Para já, via Skype e Facebook, estão a conseguir contrariar o lado mau do momento. 

Francisco, 29 anos, conta que a pandemia o levou a oficializar o amor com Carlota, 23, e vivem agora uma fase de noivado feliz. "A ideia surgiu-me de uma forma muito lógica, porque para mim começou a fazer sentido que esta era a pessoa com quem eu queria ficar o resto da minha vida. Depois de termos passado tanto tempo juntos, consegui perceber que era com ela que queria estar, essa é a chave para se fazer o pedido de casamento" começa por contar, sobre a relação de dois anos. "Demorei tempo a pensar como iria fazer o pedido, e demora-se sempre um pouco a encontrar o anel perfeito. Tudo isso conta muito."

Sobre viver este amor em isolamento, confessa que "é uma experiência boa. Conseguimos dar mais valor um ao outro, conseguimos passar mais tempo juntos, dar mais atenção um ao outro e descobrirmo-nos. Por causa das vidas que a maior parte das pessoas levam, não se consegue dar toda essa atenção que se queria, e nós tivemos o privilégio de passar quase dois meses juntos em casa só os dois. O conselho que posso deixar a muita gente é que aproveitem para se conhecer."
Francisco e Carlota, 29 e 23 anos.
Francisco e Carlota, 29 e 23 anos.

Francisco contou com a ajuda de uma amiga para preparar o pedido de casamento, que aconteceu na praia do Sul, na Ericeira, no dia de aniversário de Carlota, no início de dezembro passado. "Combinei com a nossa amiga que ela viria tomar o pequeno almoço connosco, fomos dar um volta, choveu a manhã inteira. Quando chegou a altura de fazer o pedido começou a fazer sol, uma coisa inexplicável." Sobre as possíveis suspeitas de Carlota, revela que "ela dizia muitas vezes: 'eu sei que me vais pedir em casamento'. Mas quando chegou à altura nunca a tinha visto ficar tão emocionada como ficou." Quando Francisco se ajoelhou, junto ao mar, Carlota ainda lhe perguntou se estava a brincar, antes de começar a chorar de emoção e alegria. Um misto de lágrimas e risos, portanto.

Lucas e Pedro, 29 e 27 anos respetivamente, começaram a namorar em plena pandemia por causa de uma iniciativa online musical em que estavam os dois envolvidos. Lucas é brasileiro e trabalha no IndieLisboa, e Pedro é português e estava terminar um documentário independente quando se conheceram. "Já éramos amigos e vizinhos em Lisboa há pouco menos de um ano e não havia rolado nenhuma conexão antes disso... Saíamos juntos sempre com outros amigos também, e nunca tinha pensado que pudesse rolar algo" conta Lucas. "Quando a primeira quarentena começou, por sermos um produtor cultural e o outro DJ, começámos juntos a organizar festas onlines todos os sábado pelo Zoom (assim nasceu a Um/Quarto Club, que hoje é uma agência de artistas). Nos víamos sempre aos sábados na minha casa ou na dele, na hora da festa para organizar tudo, e ao longo de algumas semanas acabamos nos indo aproximando, descobrindo e conhecendo melhor um ao outro. Quando demos conta já estávamos juntos!" continua Lucas, que foi quem deu o primeiro passo. "Fui eu, sim! No meio de uma dessas festas online, quando estávamos na minha casa e ao mesmo tempo online no Zoom, com a festa rolando e a gente dançando na sala, eu puxei ele e dei o primeiro beijo. Foi meio de amigo, mas sem nenhuma conexão. No sábado seguinte repetimos, no outro também e aí acabou vindo o afeto."

Este acaso bonito ensinou-lhes que nada na vida se controla, como conta Pedro. "Às vezes olhamos muito para longe e idealizamos muito as relações e as pessoas, mas as coisas podem acontecer de uma forma muito mais simples do que esperamos. Às vezes a pessoa já está no seu círculo de amigos mesmo. A pandemia fez a gente ver tudo o que está próximo de nós com um outro olhar."
Lucas e Pedro, 29 e 27 anos
Lucas e Pedro, 29 e 27 anos


Também há, claro, amores que se descobrem nas amizades. Foi o caso de António, 32 anos, e Carolina, 37. que já se conheciam mas começaram a namorar em novembro de 2019. "Ele passava a vida em minha casa, apesar de cada um ter a sua casa. Foi tudo muito rápido. No dia 1 de março de 2020 fomos viver juntos. Não sei bem explicar, encontrámo-nos, a sensação que temos é que finalmente apareceu a pessoa que nos fez acalmar, e sem nos darmos contas fomos ficando juntos" conta António. Nessa altura não sabiam que, 15 dias depois, surgiria uma pandemia mundial. "Isso poderia ter sido uma adversidade, tendo em conta que namorávamos há pouco tempo, mas correu mesmo muito bem. A pandemia e o facto de estarmos juntos em casa 24h/24h reforçou o nosso amor. Fomos percebendo que não queriamos mais ninguém, que estávamos bem juntos" continua António, que não deixa de mencionar que na altura viviam numa casa grande, onde cada um podia habitar a sua divisão durante o dia, o que lhes dava liberdade individual.

"A pandemia fez com que tudo o que nós queriamos na vida se acelerasse" conta. Na verdade, acaba de nascer um desses desejos - um bebé. Chama-se Amadeo e tem 11 dias. "Foi durante a pandemia que decidimos que queriamos ser pais, sentimo-nos feitos um para o outro." É por isto que vale a pena celebrar todos os dias o amor, seja ou não em tempos pandémicos.
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