No princípio eram poemas, cantigas de amor, canções de amigo, serenatas. Eram as cartas de amor, as flores, as surpresas. Sofria-se por amor, meses, anos, vidas. Diz-se, até, que se morria por ele. No século XIX, o Romantismo exaltou-o, a estética, a poesia, o idealismo, a intuição, a fé, o sonho. O romance vivia-se ansioso à janela ou tímido na sala dos pais, nos bailes, até os carros começarem a tirar as raparigas de casa. O amor era aquela entidade mágica, misteriosa, pré-destinado ou arrebatado num olhar cruzado numa festa, na fila do cinema, entre amigos. Às vezes permanecia na memória, sem sentença de realidade, outras avançava, receoso e cheio de formalidades, à velocidade do que se ia descobrindo. Podia abarcar uma existência ou ser um motor de vida. Era eleito, raro, especial.
Na era da Internet, que tudo acelerou, o amor ganhou leveza, a par dos avanços da sociedade que, nos anos 60 do século XX, tanto sacudiram à sua volta. Juventude, liberdade, romance: os cânones dessacralizaram-se à medida que o mundo se soltava. Agora, o amor é tantas coisas, que já não tem uma cartilha. O tempo, e a nossa percepção sobre ele, mudou radicalmente. Tudo se procura na voracidade de um teclado. As relações tornaram-se mais líquidas, como descreve o sociólogo Zygmut Bauman no seu famoso Amor Líquido, não são feitas necessariamente para durar. A sociedade repensa os pilares que asseguravam a sua solidez e a família, o estado e a religião deixaram de ser absolutos. Agora, com a mesma facilidade com que nos conectamos, desconectamo-nos, na vida virtual e na vida real. Sem certezas, avançamos num mundo muito maior, do tamanho da Internet - e as pessoas deixaram de ser as que nos acontecem, passaram a ser as que procuramos também. E nem sequer precisamos de sair de casa.

Assim chegaram os sites de encontros e o novo e admirável mundo do Tinder. Nascido em 2012, é uma aplicação (app) de encontros para sistemas Android e iOS. Através do Facebook e do site de música Spotify, escolhe-se a idade e o género que se prefere num raio de procura até 160 quilómetros e, com um simples deslizar de dedo sobre cada perfil, decidimos ? para a direita, se nos interessa, ou para a esquerda, se nem por isso ? e alinhamos anonimamente no nosso ecrã uma lista de possíveis pretendentes. A partir daqui encetamos conversa e combinamos encontros.
A aplicação pioneira a desbravar este terreno foi o Grindr, lançado em 2009, para gays e bissexuais. Hoje não param de sair novas versões ou actualizações de apps, como o Happn, o Badoo ou o Blendr, e o agora muito popular Bumble, fundado por Whitney Wolfe, em 2014, onde só elas podem enviar mensagens. Já este ano, foi lançado o Tinder Select, pensado para as elites e para as celebridades (também existe o Luxy ou o The League), ou o Raya, para os mais populares no Instagram. Existem os especializados, como o Models Club e o Grouper, para encontros de grupos de amigos, e outros como o JSwipe só para… judeus. Agora, parece que o próprio Facebook quer aventurar-se neste mundo do online dating.
Dois anos depois de nascer, o Tinder já tinha cerca de 100 milhões de seguidores e os números não param de subir. Estudos indicam que 20% dos adultos já usaram dating apps, e uma boa parte dos utilizadores vai às suas contas cerca de onze vezes por dia, passando lá uma média de 90 minutos. O mundo parece apaixonado pelo Tinder. Como não? Somos todos "divertidos e extrovertidos por detrás do ecrã do telemóvel, as pessoas mostram a sua parte mais bonita", afirma Rita Castro, psicóloga clínica e terapeuta familiar na Oficina da Psicologia. Relembra-nos que se vai ao Tinder por duas razões: "Para relações pontuais ou procurar alguém para uma relação sólida e duradoura." Chega-se à vida adulta e, submersos em afazeres, torna-se complicado conhecer pessoas novas e interessantes. Esta pode ser uma ferramenta, mas convém "salvaguardar as expectativas e os objectivos, porque as intenções podem ser muito diferentes: nem tudo o que se diz no Tinder é verdadeiro e, às vezes, o contacto real defrauda as expectativas". Como nas redes sociais, aqui podemos ser o que quisermos, até porque temos uma distância de segurança: pensamos melhor no que mostramos e dizemos e, em última análise, estamos menos comprometidos. Se parece mais artificial é porque é. Mas, por outro lado, na Internet tudo é perdoado, a fila segue, como se costuma dizer.

Vivemos numa hookup culture, os encontros são mais e, naturalmente, mais casuais e desinvestidos. Um super jantar? Com sorte, pagam-lhe uma bebida. Ainda mais numa era em que os jovens contam literalmente os tostões. Hoje os rapazes gostam de juntar as raparigas aos seus programas ou tudo se combina por mensagem – por isso, parece haver a ideia generalizada e frustrante de que ninguém quer namorar. Até porque a falsa proximidade trazida por estes mecanismos é directamente proporcional à facilidade com que se descarta um encontro com uma desculpa de última hora, uma mensagem que se perdeu no espaço sideral ou um telemóvel que ficou súbita e inesperadamente sem bateria. Hoje em dia, multiplicam-se dates com mais do que uma pessoa: o plano B, C, D, sem que haja necessariamente um A. Dispara-se em todas as direcções. Parecemos ter perdido a vontade para o "amor até que a morte nos separe". Como nos descreveu uma vez Marta Crawford, sexóloga e especialista em relações, o amor deixou de ser um, aquele, o único, para poderem ser vários. A história de amor de cada um passou a ser a soma das estórias de amor que se vive numa vida; passámos a escrever o nosso próprio destino sem nos sentirmos culpados por ter falhado, tudo é mais leve e fluido.
Semanas a trocar mensagens pode ser tão incendiário como meses a fazer programas – e é certamente mais rápido. Esta sucessão de flings românticos espontâneos e sem compromisso (muitas vezes regados a álcool) anda, dizem os especialistas, a deixar toda uma geração infeliz, sexualmente insatisfeita e confusa com a sua intimidade ? sem referências e códigos de sedução. A corte exige interesse, planeamento e alguma devoção. O The New York Times diz que os dates tradicionais tornaram-se obsoletos porque, se a sua finalidade era descodificar o passado e perfil do outro, hoje está tudo na Internet. Bernardo Coelho, sociólogo, investigador e professor na Universidade Técnica de Lisboa, diz-nos que "nas sociedades contemporâneas, as pessoas vivem uma plasticidade amorosa: podem escolher os seus parceiros e ir mudando na busca da sua felicidade. Assim, as relações tornam-se mais performativas: as pessoas estão mais expostas e querem provar através daquilo que expõem que cumprem os seus projectos com sucesso (profissionais, amorosos, etc.)".
Ao mesmo tempo, os papéis sociais de género estão cada vez mais diluídos, o que, em matéria de romance, pode deixar-nos um pouco confusos. Um estudo publicado pela Reach Advisors de Boston concluiu que, nas grandes cidades, apesar de os homens continuarem a deter os empregos mais bem pagos, o ordenado médio das mulheres jovens, solteiras e sem crianças é muitas vezes superior. É natural que a velha estrutura da corte se sinta abalada e os rapazes menos motivados (e até perdidos). Os especialistas dizem que eles ainda querem tomar conta delas, mas que as nossas idealogias estão a seguir as possibilidades das nossas finanças, por isso, muitos homens podem sentir que hoje o romance, como sempre o preconizamos, pode parecer passé, um relicário paternalista. Muitos deles nem sabem como conquistar uma mulher e até sentem a necessidade de ironizar o processo e os seus clichés, para não parecerem desactualizados. É difícil ler o que uma mulher quer nos dias que correm. Mas, por outro lado, a maior parte de nós continua a não aceitar por menos: se nos querem, têm de esforçar-se. Especialista em temas de género, Bernardo Coelho relembra: "Historicamente, as mulheres (sobretudo) estão mais livres nas suas escolhas amorosas e eróticas. Surgem novas feminilidades organizadas em torno da cidadania sexual e do sentimento out and proud. As novas tecnologias não criaram esta nova atitude e identidade feminina, mas são um meio de expressão e de concretização dos desejos."

O Tinder e cada vez mais o Bumble também são aplicações que as mulheres realmente usam. Whitney Wolfe, a fundadora deste, afirma-se feminista. Em How One Matchmaker Changed Online Dating for Women Everywhere, diz: "Nós, jovens mulheres, é suposto esperarmos, e sermos tímidas, mesmo quando não somos tímidas, e agir desinteressadamente. Não podemos ser apenas o que somos! E fez-me pensar que sempre me senti insegura na interacção com os rapazes - porque tem a ver com a dinâmica de quem (de)tem o poder." No Bumble, "os homens não têm de ser caçadores, nem correr o risco de ser chatos, porque são elas que dão o primeiro passo", desta forma, "sentem-se empowered e mais confiantes". Hoje até existe o The Gaggle que comenta e aconselha as jovens a navegar na paisagem post-dating, a como contornar os não-dates e a reconhecer as oportunidades para o romance. A psicóloga Rita Castro conta-nos o caso de uma paciente que, apesar de bonita, criou um perfil no Tinder com uma fotografia pouco favorável para que conversem com ela não apenas pela aparência. E fala-nos de como, em termos psicológicos, estas aplicações podem ser uma armadilha. Muitos utilizam-nas "de forma ingénua e tendem a ficar descrentes por terem más experiências. A probabilidade de correr mal no Tinder é ainda maior do que na vida real", explica. Mais: são tantas as escolhas que "depender do Tinder pode criar um alheamento e um desinvestimento nas oportunidades reais para conhecer pessoas", explica.
Depois, "têm um potencial altamente aditivo" e, como os jogos, podem tornar-se patológicas. São viciantes porque tudo parece perfeito: é fantasista, egocêntrico e tem a adrenalina da conquista. Da mesma forma, levam a "uma insatisfação permanente", porque se está "sempre à procura da pessoa perfeita e ninguém parece suficientemente bom, quando o modelo de perfeição não existe", acrescenta a psicóloga. É o FOMO (fear of missing out) que resulta numa interminável lista de encontros, o speed-dating. "De uma maneira geral, as pessoas, ao menor sinal de conflito, desistem das relações; porque a perspectiva é que existe um mundo lá fora de pessoas bonitas que não vão trazer conflito. A solução é vista fora da relação, por isso não há investimento no amor maduro e romântico. E estas ferramentas propiciam-no." Rita fala-nos de um casal em que um dos elementos estava no Tinder e queria "manter aquelas pessoas em suspenso para quando ganhasse coragem para terminar a relação". Estas plataformas transformam as relações em jogos – A mensagem já foi entregue? Já leu? Porque não responde? –, códigos dignos de um espião treinado. "As relações estão a ser mais jogadas do que vividas", diz. Isso pode ter muita piada quando se tem 20 anos, mas, mais tarde, pode tornar-se desgastante, até des(exas)esperante.
Tudo isto é muito visível no documentário da Netflix Turned On, Hot Girls Wanted, no episódio Love me, Tinder, onde acompanhamos o protagonista, James Rhine, de 40 anos, um verdadeiro profissional do engate, que começa por dizer: "A tecnologia fez do compromisso uma coisa do passado; quando queres estar apenas com alguém, não há nada como estas aplicações. São superficiais, sim, é essa a ideia." Mas, alguns percalços depois, muda de ideias: "Tornámo-nos tão egoístas que já não conversamos, já não resolvemos e não temos noção das consequências que provocamos nos outros. Nada disto é real. Estás a sair com este rapaz, que é simpático contigo e, por razão nenhuma, ele deixa de te responder", diz sobre si próprio. "Acho que devia pedir desculpa a todas as raparigas com quem saí." Na maior parte das vezes, é um sabotar constante e consciente de compromissos em prol da diversão. "Dating is a jungle", diz uma jovem de 25 anos apanhada nesta roda de encontros de Rhine: "Tornámo-nos uma geração inábil socialmente. Não conheço bem uma boa parte dos contactos que tenho no telefone, por isso, tecnicamente, estou sozinha."

Este também é, já sabemos, um mundo de falsas expectativas e até pode ser perigoso. "Is a dark virtual world out there", diz uma vítima do Tinder num documentário do britânico Channel 4, The Secret World of Tinder, onde, entre outros, conhecemos um homem que envia mensagens-tipo a todas as mulheres e confessa já ter dormido com cerca de 700. Mas, no fundo, continua à procura "daquela". "Há uma tendência para o desprendimento, mas a necessidade de estabelecer laços significativos continua a existir. As feromonas não deixam de acontecer, assumem é outras formas", diz-nos a psicóloga Rita Castro. "As pessoas procuram as mesmas coisas: ser cortejadas, namorar, ter relações em que se sintam realizadas. A necessidade de conhecer alguém até cresceu, porque estamos cada vez mais sós e as redes sociais reais são mais pequenas. Depois, fala-se mais de sexo, o que é benéfico. E, dentro das relações, sentimos que há menos tabus. Antes, os casais não falavam sobre sexo, principalmente as mulheres, que passavam uma vida insatisfeitas. Há maior abertura, liberdade e aceitação." Bernardo Coelho completa: "As novas tecnologias não estão a matar o romance, expandiram a realidade, criaram novas dimensões. São um meio onde podemos seduzir o outro em várias esferas ao mesmo tempo", acrescenta o sociólogo. "Torna-se mais rápido testar as afinidades e, no limite, são uma forma rápida de mostrar o estilo de vida e os recursos que dispomos para viver e experimentar a vida."
Hoje, queremos que tudo dê menos trabalho, inclusive a conquista, mas, em matéria de amor, será esta uma boa notícia? Há quem tenha casado e esteja à espera de um filho depois do Tinder, mas não existem dados que provem que a taxa de sucesso é alta. Um chat é muito menos glamouroso do que uma carta, mas não será menos eficaz, sobretudo quando a medida dos nossos dias é o tempo e a moeda de troca corrente é a informação.
Hoje, o Google dá-nos respostas rápidas sobre as pessoas, mas serão certeiras ou totais? Da mesma forma, o perfil virtual depende apenas da nossa fotogenia, o que diz ela sobre nós? E será que a nossa profissão, desporto ou a idade é tudo o que somos? E, por outro lado, receber convites via mensagem é menor do que um bilhete ou um telefonema? Não há respostas certas, a vida acontece agora e em directo, mas sabemos que estas novas ferramentas mudaram completamente a nossa ideia de descoberta.

Tornámo-nos mais acessíveis? O amor tornou-se mais fácil? Talvez não, não sabemos nada sobre ele, se é que alguma vez saberemos, continua a ser um dos maiores mistérios da Psicologia, mas passámos a ter o poder activo de agir sobre ele em segundos, de agilizá-lo, e depender menos do acaso. Ou como alguns de nós gostamos de dizer: do destino. Protegidos pela tecnologia, agora podemos tentar, talvez arriscar. E ainda que o casamento continue a ser um símbolo de estrutura emocional e compromisso social, acrescentámos ao namoro, o date, o encontro casual e podemos divertir-nos, escolher, viver. Antes, os sites online de encontros eram para os desesperados, hoje são para todos. Os melhores momentos para usar o Tinder são, segundo a coach de online dating Ivana Franekova, a Primavera e o Outono, "a época da caça" - agora pode ser, portanto, o seu momento de aventura.
