Covid-19: como confrontar quem não segue as regras
A vacina já chegou, mas a pandemia está longe de acabar. Até lá, temos de cumprir com as orientações impostas e/ou recomendadas pela DGS, mas há quem não pense assim. Um especialista explica como ser assertivo com todos aqueles que (ainda) não respeitam o vírus.

Existem muitas razões que podem levar alguém a rejeitar, desacreditar ou mesmo desvalorizar a realidade da Covid-19. Senão vejamos: há os negacionistas puros da situação, os que se regem por um sentimento de invencibilidade ou quem sente que nada tem a perder. Já para não falar da desinformação, uma das grandes inimigas desta pandemia.
Para Catarina Canelas Martins, psicóloga clínica, existe ainda uma outra possibilidade: o cansaço."Se na primeira vaga existia uma tendência para cumprir tudo à risca, até pelo medo do desconhecido e pela novidade, nesta fase noto que as pessoas estão mais descontraídas, mas não necessariamente relaxadas e descuidadas". A verdade, é que algumas estão mesmo.

E o que acontece de seguida é aquilo que temos visto na comunicação social: pessoas que decidem não cumprir com as orientações dos órgãos oficiais do país. Assim, ocorrem todo o tipo de infrações, desde as mais flagrantes como a recusa ao uso de máscara na rua, às mais chocantes como as festas clandestinas.
Mas e quando estas mesmas pessoas são também as pessoas da sua vida? O seu companheiro, os seus pais, os seus filhos ou o seu chefe e colegas de trabalho? De facto, esta foi só mais uma forma que a Covid-19 encontrou para entrar nas nossas vidas em pleno: perturbar os relacionamentos – por si só já complexos o suficiente.


Poucos dias após o novo confinamento, semelhante ao dos meses de março e abril, fomos perceber como se pode promover a assertividadea com recurso a exemplos práticos.
Parte 1: Covid-19 na chaise longue
Como seria de esperar, são muitos os clientes que trazem o assunto pandemia para as consulas de apoio psicológico. E, se a maioria consegue "integrar a informação, as suas necessidades e as das pessoas mais importantes, encontrando um equilíbrio e ajustando-se à sua rede", noutras situações "este equilíbrio não é tão simples ou pacífico, pelo que envolve colocar limites, verbalizar necessidades e até mesmo cortar algumas relações pela incompatibilidade de visões." resume Catarina Canelas Martins.

Para muitos este tema é mesmo um foco de ansiedade extrema "em personalidades mais rígidas, perfecionistas ou até quando existe uma perturbação como a Perturbação Obsessivo Compulsiva, o facto dos outros não agirem em conformidade consigo, pode ser altamente angustiante", refere a psicóloga clínica, que aponta os mais jovens como quem mais aborda este assunto, até porque "estão ainda sob a alçada de um modelo familiar que não conduzem". Nesse caso, como encontrar um estado de harmonia nas relações pessoais?
Parte 2: A psicologia do confronto
"As opiniões ou posturas diferentes face à Covid-19 vão existir pois cada um de nós lida com a realidade de forma diferente, no que toca ao perigo ou risco", refere Catarina Canelas Martins ao mesmo tempo que aponta a idade, a personalidade, a história de vida, a rede social ou a escolaridade como fatores que contribuem para posicionamentos diferentes.

A terapeuta não tem dúvidas de que o confronto com aquele que tem uma atitude diferente da nossa vai depender da disponibilidade para gerir esse mesmo confronto. Para esta situação, a assertividade é a resposta, pelo que nos dá algumas sugestões de como aplicar na prática esta capacidade.

Para além de ser necessário perceber com quem estamos a falar e em que contexto, adequando o discurso e a abordagem, deve-se ainda: considerar as várias perceções; não ofender ou desconsiderar o outro; ser sempre educado; assumir desejos e necessidades, considerando os direitos do próximo; saber ouvir críticas sem entrar em ataques ou defesas e, finalmente, aceitar acordos.

No essencial, ser honesto e humilde numa comunicação pautada pela positividade e acima de tudo: "aceitar que não podemos controlar o comportamento do outro, pelo que não somos responsáveis por isso", revela a psicóloga clínica antes de exemplificar como fazê-lo na realidade.
Parte 3: Na práticaEis como pode abordar as pessoas da sua vida que insistem em não cumprir as regras:
O parceiro
"Fará parte de uma relação saudável a comunicação e partilha de pontos de vista, nomeadamente da forma como se sente quando o companheiro não está em cumprimento. A forma como resolvem divergências irá ser posta à prova e será extremamente importante para que possam viver alinhados quanto aos valores pelos quais orientam a sua vida".

Os seus filhos
"Com os filhos o exercício é de sensibilização. Dar informação adequada a cada idade, empatizando com as emoções que possam surgir associadas. De um modo geral, não esquecer nunca que os filhos aprendem muito por modelagem, por isso se pretende que o filho cumpra as regras, dê o seu melhor para cumpri-las também".
Os pais
"Em qualquer relação que lhe importe e exista abertura para essa partilha, fará sentido perceber a que se deve esse incumprimento. Partilhar informação e o quanto esse descuidado nos preocupa poderá ser uma forma de sensibilizar quem nos rodeia, nomeadamente os pais"
A melhor amiga
"Será importante perceber de que forma estas diferenças impactam na vossa relação num sentido prático. Conseguem continuar a relacionar-se de forma harmoniosa? As divergências estão a causar algum tipo de incómodo? Se sim, sensibilizar para como esse incumprimento a está perturbar, caso haja abertura para isso".
O chefe
"Sendo o local de trabalho um sítio com normas a serem cumpridas, caso estas não sejam deverá questionar e sensibilizar para o seu cumprimento, expressando a sua preocupação ou desconforto, que deverá ser respeitado".
Os colegas de trabalho
"Relativamente aos colegas, caso existam normas gerais, poderá sempre apelar ao cumprimento. Se a relação permitir essa intimidade, partilhar o incómodo que lhe gera, poderá fazer o outro entender melhor o seu desconforto e assim levar a que este comece mais facilmente a colaborar".
Os clientes
"Será importante existirem regras explícitas e visíveis para que o cliente possa ajustar-se. Caso não as cumpra, será importante chamar a sua atenção. Tratando-se de um local em que [o dono] é responsável, será importante fazer os clientes cumprir apelando educadamente às diretrizes da DGS para espaços comerciais".
O vizinho
No caso de algumas das regras, "será fundamental perceber, por mais que seja difícil, que cada um terá a liberdade para cumprir ou não. É uma escolha pessoal. Se se sentir à vontade para uma conversa mais informal poderá sensibilizar para o incómodo que lhe causa. Em caso de incumprimento, poderá sempre denunciar às autoridades, contudo, não esquecer das implicações que isso poderá ter para a relação futura".
Um estranho na rua
"De uma forma educada poderá apelar para o cumprimento. Respeitando que [no caso de algumas das regras] cumprir é uma decisão pessoal. Alguns poderão agradecer pela chamada de atenção, outros poderão não gostar tanto. Esteja preparado para estas opções (...)".
"Quanto mais olhamos e consideramos o todo mais compreenderemos e nos ajustaremos às normas. Se olharmos apenas para a nossa realidade, estaremos a tomar decisões com base na individualidade o que trará consequências à forma como nos ajustamos, quer seja este ajuste um cumprimento exaustivo de todas as normas quer seja oposto".
