Com Oliviero Toscani, a Moda começou a vestir a camisola
O diretor criativo da Benetton já injetava grandes doses de igualdade e de inclusão na Moda, nos anos 80. Acabamos de perder um visionário, mas ele plantou as árvores que agora vemos crescer.

Todas as suas campanhas eram o que pregavam – uma united colors, feita de grupos de crianças e jovens lindos e de todas as raças. Eram os anos 80 e esta era uma espécie de mundo ideal que John Lennon já cantara em Imagine, refrescante e fraterno. Alguns de nós cresceram com este idealismo colorido de Toscani, muito jovem, alegre e sonhador, mas falava de coisas sérias e herdava, das décadas anteriores, uma atitude punk de quem queria mudar o mundo. E as questões continuam as mesmas, tantos anos depois, e ainda mais prementes, diria. A globalização pôs-nos a viver todos juntos, mas ninguém nos ensinou antes como fazfê-lo.


Em criança, a minha irmã e eu pedíamos sempre uma camisola da Benetton no Natal, ainda antes das marcas de fast-fashion varrerem as outras todas. Era a nossa marca porque nos seus anúncios víamos padres e freiras a darem beijos na boca para nos pôr a pensar sobre o celibato e o desprezo a que as mulheres sempre foram votadas na Igreja Católica, mais tarde seriam líderes políticos e a marca teve de remover os cartazes das ruas. Também retratavam jovens rapazes gay a morrer de SIDA como cristos descidos da cruz, mulheres afegãs aprisionadas em burkas, sem identidade nem direitos, israelitas e palestianos de mãos dadas ou apenas a roupa ensanguentada de um soldado bósnio. Em 2011, a marca lançou a Fundação Unhate, mundialmente, como parte de uma estratégia de responsabilidade social na luta contra a cultura de ódio. Podia ser hoje.

Tudo isto é escola do milanês Oliviero Toscani. Estudou fotografia e design na University of the Arts, em Zurique, de 1961 a 65, e as suas campanhas diziam o que ninguém dizia. Sempre frontal e desbocado, porque não há outra maneira de partir redomas, numa entrevista que lhe fiz, para a saudosa revista UP da TAP, disse-me que o segredo era nunca ter medo de arriscar, porque "a inteligência é uma trip: se não tens sentido de viagem, não tens sentido de fantasia. E esta é mais importante do que ir à escola". Até hoje, os desbocados são sempre carne para canhão porque falam antes do tempo, ainda mais quando falam do seu tempo. Mas antecipam o que todos os outros vão achar óbvio uns anos depois. É o costume.


Toscani trabalhou com a Cruz Vermelha italiana, com o Alto Comissário para os Refugiados das Nações Unidas, as suas campanhas globais de comunicação e iniciativas impactantes na comunidade internacional e especialmente junto das novas gerações, envolveram organizações internacionais, ONGs e representantes da sociedade civil. Foram 50 anos a usar a Moda como ferramenta social de mudança, de fazer o bem. Assinou tantos projetos incríveis que é difícil resumi-los. A partir da escola de criativos que a Benetton criou em Treviso, a Fabrica, saíram campanhas belíssimas contra a violência doméstica (que continua a matar mais pessoas em Portugal do que qualquer outro crime) ou a violência nas estradas (outra desgraça nacional, recentemente ceifou a vida de um grande ativista literário, o Pedro Sobral, tolhido na sua bicicleta, numa madrugada de sábado em vésperas de Natal, levado por um carro demasiado acelerado, provavelmente under the influence). Fizeram campanhas para combater a anorexia (que ainda mata tantas meninas), a caça furtiva de animais selvagens (são lindos os retratos dos pequenos macacos órfãos fotografados por James Mollison) ou o abandono dos animais domésticos.


Para uma criança super idealista e nascida em meados dos anos 70, numa família super politizada que ainda hoje debate assuntos profundos e humanistas e à mesa de jantar, Toscani e a Benetton era onde queria estar. Era ver o futuro em direto, a visão da vida que me parecia mais certa. Sempre fui a maluquinha ativista a riscar o verniz das conversas com diferentes argumentos. A Benetton foi uma das razões porque quis escrever sobre causas através do jornalismo, a Moda era o terreno ideal para acelerar o mundo, porque era feita de estrelas e de sonhos.
É verdade que a Moda nasceu para os que tinham demasiado dinheiro e tempo livre para mudar de roupa várias vezes por dia. Mas, tal como a música, sempre foram os visionários e os líricos que a pensaram. Toscani tinha uma inteligência arrojada, um humor sofisticado, e por isso provocador, e o seu trabalho foi inédito. Na altura, a Moda não exibia o seu lado humanista e agregador, de que hoje faz bandeira. "A Moda são os lugares, a maneira como andas e falas e educas os teus filhos e te relacionas com os outros. Também há a roupa, mas essa é a parte mais fácil, e a mais fácil de definir. Moda é muito mais do que isso, é seres testemunha do teu tempo, perceber o que se passa, é tudo o que tens de ser", disse-me meses antes da pandemia rachar o mundo e as nossas vidas. Senti como um abraço quando me aconselhou: "Nunca pense como a maioria ou será loser. A maioria são apenas seguidores, tem de se ter cuidado!"


Pena ter desaparecido sem vislumbrar o futuro mais risonho que preconizou. "O mundo não vai poder continuar assim, estamos a cometer grandes erros, num recuo. É um momento de ter paciência, o pendulum está do lado errado. Mas sou um optimista. Eu nasci em 1942, sabe como foi este ano, como estava a Europa? Estávamos a matar-nos como moscas. Nasci num país fascista, com um rei, e aliado de um nazi. Comparando com aquele tempo, não estamos assim tão mal, estamos a evoluir, mas de uma maneira muito estúpida, vagarosa e pouco clara. Todos devíamos preocuparmo-nos com isso, com a condição humana. Mas ainda não estamos suficientemnete civilizados".

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