A violência obstétrica é vagamente definida como um "fenómeno multidimensional que abrange uma série de situações cuja base está no desrespeito físico e psicológico em relação à mulher e uma anulação da sua individualidade e dos seus direitos", explicou Isabel Valente, da Associação Portuguesa dos Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto (APDMGP) numa entrevista à Máxima. Mas vai muito além disso, e existem cada vez mais exemplos e testemunhos.
De acordo com um estudo recente, publicado na revista The Lancet Regional Health Europe, as grávidas portuguesas foram mais submetidas a práticas não recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) do que as mulheres de outros 11 países europeus, isto no primeiro ano de pandemia. Os dados revelam também que, entre o total das mulheres europeias que entraram em trabalho de parto (18,063), 31% das participantes portuguesas afirmaram ter tido um parto instrumentado, no qual foram usados fórceps ou ventosas para facilitar a saída do feto. Um valor três vezes superior à média dos restantes países (11%), afirmou Raquel Costa, investigadora de saúde pública na Universidade do Porto, ao site da TSF.
A investigação teve por base um inquérito que envolveu mais de 21 mil mulheres, desenvolvido de acordo com os standards da OMS, e abrangeu quatro dimensões: prestação de cuidados e experiência destes, recursos humanos e estruturas e mudanças organizacionais relacionadas com a pandemia. No inquérito online, participaram voluntárias de Itália, Suécia, Noruega, Eslovénia, Alemanha, Sérvia, Roménia, França, Croácia, Luxemburgo, Espanha e de Portugal, sendo que 1,685 das mulheres eram portuguesas.
Embora a OMS não estabeleça nenhum princípio de recomendação ou falta desta quanto ao parto instrumentado, a conversa é outra relativamente às episiotomias (corte na zona do períneo para ampliar o trabalho de parto) e à manobra de Kristeller (utilização de pressão externa sobre o útero), práticas não recomendadas pela Organização e proibidas em vários países, mas bastante presentes na realidade portuguesa.
Segundo o estudo, 41% das participantes portuguesas foram vítimas de violência obstétrica através da realização de episiotomias, o dobro da média europeia (20%). A manobra Kristeller foi utilizada em 49% das portuguesas com partos vaginais instrumentados, enquanto a média europeia situa-se nos 41%. Sabemos também que a 63% das portuguesas não lhes foi pedido qualquer consentimento para a realização do parto instrumentado, valor chocante quando contrastado com a média dos restantes países (54%).
Em Portugal, 42% das vítimas disseram não ter tido envolvimento nas escolhas durante o parto, 32% afirmaram não ter sido tratadas com dignidade e 28% mencionaram que não existiu uma comunicação eficaz por parte dos profissionais de saúde, tópicos analisados ao pormenor neste artigo da Máxima. Relativamente aos impactos sentidos na prestação de cuidados durante o primeiro ano da pandemia, destacaram-se a diminuição de consultas de rotina ao longo da gravidez e a escassez de cuidados materno-infantis durante o período pandémico.