Marine le Pen, do trauma de infância à luta para escapar à sombra do pai
Nas vésperas da segunda volta das eleições francesas, que opõem Le Pen e Macron este domingo, 24, viagem pelas motivações da candidata da extrema direita à presidência.
A extrema-direita europeia, cada vez com mais poder e a exercer influência sobre as gerações mais novas, aparece nos últimos anos liderada por mulheres. Existem até mulheres lésbicas, como acontece na Alemanha, onde a líder parlamentar Alice Weidel se assume como homossexual e apoiante da união civil para casais de gays e lésbicas, embora se manifeste, por exemplo, contra a legalização do casamento entre pessoas do mesmo género. Na Itália, Giorgia Meloni, líder da extrema-direita, ganhou as eleições e é a primeira mulher à frente do seu país. Isto pode parecer uma coisa positiva para as mulheres, mas não é; Meloni representa um ideal machista e misógino típico dos partidos fascistas. E se a líder italiana tenta distanciar-se de Mussolini (a quem fez elogios na juventude), a verdade é que lidera um partido pós-fascista (diferente do fascismo tradicional, é certo, em que a mulher apenas tinha o papel da reprodução e de cuidar do lar e dos filhos), e que se autoproclama feminista, embora seja assumidamente contra os direitos da população LGBTQIA+ e dos imigrantes, e procure uma reestruturação da União Europeia.
Itália é agora liderada, pela primeira vez desde 1945, por um governo pós-fascista, por um partido que se identifica com o lema "Deus, Pátria e Família" (slogan do movimento fascista Ação Integralista Brasileira, criado na década de 1930 e também adoptado pelo Estado Novo Português), e quer, ao mesmo tempo, ser feminista. É óbvio que as duas coisas não são compatíveis. Feminismo e fascismo não são compatíveis. A ascensão de partidos nacionalistas e racistas, não apenas na Europa, mas também nos Estados Unidos, é, de facto, preocupante. A questão é que estes partidos não podem ser feministas porque não é possível alcançar a liberdade das mulheres se os direitos de outras pessoas não estão a ser defendidos também. O feminismo tem de abranger tudo, todas as pessoas. É assustador assistir a uma nova era fascista com a normalização de impulsos reaccionários básicos. O feminismo deveria estar atento a todas as minorias, sobretudo, como é o caso, se temos algumas mulheres a chegar a cargos de poder. Mas uma mulher que chega ao poder não significa que se torne automaticamente feminista. Até porque sempre houve uma participação activa das mulheres nos movimentos e partidos da direita. Figuras importantes como Marine Le Pen podem ser ícones perigosos porque talvez passem a falsa ideia de que são feministas. Anda por aí muita tentativa falhada de aglutinação de «ismos», que é como quem diz juntar alhos com bugalhos. É preciso repetir que feminismo e fascismo não são compatíveis e que o feminismo não passa por vezes de uma máscara atraente no rosto dos/as fascistas.
*A cronista escreve com o antigo acordo ortográfico.