Desintoxicar não é para meninas
"Como sou uma lambona, não conseguia deixar de pensar que aquelas bolinhas de frutos secos seriam ainda melhores se fossem do tamanho de um bolo grande."
Pestanejei e passou um ano. De Março a Março foi um relâmpago de dormência. Os dias no calendário riram-se de mim: «Deves pensar que mandas.» Não mando, claro, em nada. Muito menos nas rugas que me aparecem na cara, umas novas, outras mais acentuadas, quando me olho de manhã ao espelho. À noite nem reparo, não tenho vagar nem energia para ficar a ver-me, e a luz artificial encobre bem as linhas que estão cada vez mais marcadas. Ninguém as convidou e não param de aparecer. Fossem gente e chamava-lhes
O tempo não é nada relativo no que toca ao envelhecimento. Por exemplo, passou rápido, a correr, a torcer-nos as feições e a azedar-nos, por cansaço, o ânimo. E devagar, lento, lento, como um amante que tivemos de encarar durante o último ano, saturados entre quatro paredes. «O culpado é o sol», diziam-me antes, quando queriam arranjar um bode expiatório, não para as rugas causadas pelo sol, mas para os meus comportamentos. E eu que nem sequer gosto de ficar ao sol. Da praia e das piscinas só se aproveita a água, seja com cloro ou carregada de sal. Olho para o candeeiro junto ao computador, a luz que apanhei praticamente todo o ano, e acho-o inocente. Coitado. A culpa não é da luz, é do tempo. Esse cabrão implacável — e aqui uso a personificação e o insulto, ele aguenta —, esse arquitecto exímio das rugas. Pestanejei e passou um ano, talvez o melhor seja agitar o menos possível as pálpebras. *A cronista escreve de acordo com o Acordo Ortográfico de 1990.
*A cronista escreve de acordo com o Acordo Ortográfico de 1990.