"Mais cedo ou mais tarde, em cada relação, o sexo tornar-se-á um tanto mediano, insatisfatório, e talvez até dececionante. Isto é um facto. E quando isso acontece, os casais sentem vergonha. Eles sentem que qualquer coisa errado com eles. Começam a culpar-se mutuamente, lendo livros de autoajuda, aconselhamento, ou abrem o seu casamento a mais parceiros sexuais. Por vezes, os casais têm a certeza de que o sexo medíocre é um sinal de que não devem estar juntos porque "perderam a faísca" ou não são assim tão compatíveis" escreve o terapeuta de casais Assael Romanelli, no site Psychologie Today, que defende que o "sexo medíocre" é melhor do que nenhum sexo, para efeitos de satisfação. Mas será mesmo assim?
Pelo menos uma das razões para que a chama se apague relaciona-se com o chamado "sexo de performance". Qual é o peso da performance sexual numa relação? Até que ponto criar uma persona, na cama, é uma boa ideia? Entre nenhum e sexo pouco satisfatório, qual é mais compensatório? Será que não é a pornografia que distorce a nossa ideia de sexualidade e intimidade? "Há muitas pessoas que têm uma ideia performativa [do sexo]. Por vezes, no início de um relacionamento, as pessoas estão demasiado preocupadas com a performance, pensam que têm de ser atores eróticos, deuses e deusas sexuais, que querem mostrar que são muito bons na cama", começa por explicar Marta Crawford, quando a questionamos sobre o papel do desempenho sexual numa relação amorosa. "Como se o único ingrediente que serve para as pessoas se relacionarem ou terem um compromisso seja esse. Por um lado, numa relação ocasional, as pessoas estão muito mais despreocupadas com o facto de terem que ter uma performance excelente, nos Tinders da vida. As pessoas marcam encontro e esse encontro é o primeiro, pode correr bem ou não, se correr, repetem. A preocupação em ter uma grande performance ou dar prazer ao outro, tendencialmente não existe. Porque a pessoa está despreocupada. A não ser que tenha estado a promover essa performance através da escrita, e queira corresponder ao que diz", afirma a sexóloga.
"Mais do que dar prazer ao outro, numa relação ocasional a pessoa não vai tanto à procura da satisfação do outro, mas satisfazer-se a si próprio/a. Numa relação que tem algum compromisso, ou se sentem atraídas, querem dar o melhor de si. A ideia do que é um bom desempenho também difere de pessoa para pessoa."
Agora a questão que todos queremos ver respondida: é melhor não ter sexo de todo, ou ter sexo que não satisfaz? "Um mau sexo ou um sexo medíocre é um sexo que não satisfaz. Dizer que um sexo que não satisfaz é melhor do que não ter nada… Não tenho essa certeza. Porque quando a sexualidade, a intimidade sexual, é vista como uma coisa fraca, a tendência é deixar de acontecer", afirma Marta Crawford, que acredita que "o prazer sexual é diferente de pessoa para pessoa. Para umas é marcado pelo facto de poder ter um orgasmo sempre, mas isso não é o certificado que diz que o sexo é bom. Há muitos casais que têm orgasmos e não sentiram que aquele envolvimento fosse gratificante, que lhes desse satisfação sexual, intimidade, cumplicidade, proximidade, prazer. É possível fazer sexo sem ter esses condimentos todos, que fazem com que o sexo seja considerado positivo. Portanto, dizer que é melhor fazer do que não fazer nada, é uma ideia com a qual não concordo. Às vezes digo na brincadeira: se é para ser mau sexo, mais vale ir comer um gelado."
Não é raro que procurem a sexóloga, em consultório, para responder a questões desta natureza. "O ser mau, ou não ser minimamente satisfatório é o que leva as pessoas a pedir ajuda. É essa consciência de que é mau, ou de que não é suficientemente bom, ou que não é tão interessante como já foi, ou nunca foi. Ou que as coisas mudaram ao longo do tempo e as necessidades que existiam inicialmente naquele relacionamento alteraram-se e a intimidade não se alterou. Nesse sentido, as pessoas procuram ajuda porque não querem que fique mau, que deixe de acontecer, que o tempo espace" explica.
Marta exemplifica com um caso. "Há uns anos, recebi um casal e ele referia-se a ela como uma deusa sexual. E ele estava convencido que era algo da natureza dela. Em consulta individual, ela explicou-me que não gostava do sexo, que não tinha prazer, mas sabia ser uma deusa sexual. Na sua cabeça precisava de ser essa deusa sexual para ter um relacionamento com alguém. De outra forma, ela achava que não tinha interesse suficiente para conseguir ter alguém que quisesse ter um relacionamento com ela. Já vi esta história repetir-se muitas vezes. É um papel que não se consegue manter, pois não é verdadeiro, é irrealista. É baseado em ideais do sexo que se vão buscar à pornografia", esclarece. "Só aqueles casais que conseguem ter relações de proximidade e afetividade é que vão conseguir superar a crua e nua verdade: aquilo que eu senti até agora afinal não é verdade. E vão construir uma nova realidade." A especialista menciona, ainda, os casais que ao fim de vários anos decidem ser francos sobre o que se passa na intimidade sexual de cada um, juntos.
"O sexo pode ser profundamente minimalista, não é preciso grandes jigajogas. É preciso é estar-se lá, sentir, esse é o principal desafio da sexualidade. As pessoas falam muito em conceitos como orgânico, espontâneo ou natural quando se referem à sexualidade, mas sabemos que não é assim, que as pessoas racionalizam. As preocupações da vida reflectem-se na sexualidade. Esse é que é o grande desafio: libertar-se dos preconceitos, dos tabus, da educação, da sua historia pessoal, e conseguir, na relação com a outra pessoa, entregar-se e sentir. E para isso não é preciso um kamasutra ao lado da cama. Saber dizer, sentir, dar e receber, ouvir, verbalizar, dizer não, – aí é que a verdade da intimidade sexual" esclarece.
"Isto para dizer que a sexualidade tem que servir um propósito. De aproximar, de fazer-nos sentir-nos bem" conclui. "Se for só para descarregar a energia sexual, se calhar, individualmente cada um com o seu próprio corpo consegue tirar mais prazer e ter um sentimento de maior plenitude do que estando numa ação com outra pessoa e sentir que aquilo não é bom."