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Como falar de sexo aos seus filhos

Perguntam mais cedo e colocam questões mais difíceis. Têm muita informação, mas correm o risco de estar mais baralhados. Mário Cordeiro e Margarida Gaspar de Matos ajudam-no a falar de sexo aos seus filhos.

17 de dezembro de 2019 às 07:00 Isabel Stilwell
"Como e onde", perguntou a Marta, seis anos feitos há pouco, os braços cruzados à frente do peito. Perante a expressão confusa da mãe, acrescentou dificuldade à questão: "Como, onde e quando é que se fazem os bebés?"
Não foi o "como" que afligiu Teresa, educadora de infância, além de mãe, e mais do que habituada a estas questões, mas o "onde" e o "quando". "Senti que não podia indicar-lhe um lugar concreto, nem uma hora, era como se estivesse a abrir a porta para a intimidade dos adultos, o que não me parecia fazer sentido." Optou por devolver-lhe a questão, e a filha concluiu, como quem tira um trunfo da manga: "Eu acho que é quando os pais vão de férias para um hotel." Sossegaram as duas.
O pediatra Mário Cordeiro confirma: "Mesmo que a relação pais/filhos não esteja cheia de tabus e de mal-entendidos ou obscurantismo (como ainda por vezes está), é fundamental preservar as distâncias, a hierarquia do triângulo pai-mãe-filho e a intimidade de cada um dos patamares. Os filhos não podem, de forma alguma, entrar na intimidade sexual dos pais." Fronteira que os pais também são obrigados a respeitar em relação aos filhos. "O desenvolvimento da sexualidade da criança e do adolescente não pode ser a ‘abertura do telejornal’ lá de casa!", diz Mário Cordeiro.
Aliás, recorda, se para as perguntas deve haver "uma resposta verdadeira, criteriosa e científica correta, não é preciso ir buscar um ‘manual de sexologia’ só porque um filho quer saber ‘onde é que eu estava antes de nascer’. Provavelmente o ‘dentro da barriga da mãe’ será suficiente, mantendo-se um saudável mistério. É manter sempre o algo mais a saber, algo mais a desvendar..."
Mas manter mistério não é fácil, num tempo em que as crianças vivem muito mais no mundo dos adultos e estão expostas a todo o tipo de informação. Talvez façam perguntas mais cedo, confirma Mário Cordeiro, mas recorda que o sexo é um assunto para as crianças, desde que nascem. Esquecer isto, lembra, é "assobiar para o lado".
 
 
"Lésbica ou lésmica?"
Muito mais informados, mas não necessariamente melhor informados, garante Margarida Gaspar de Matos, psicóloga e coordenadora do estudo HBSC, que avalia os comportamentos de saúde dos pré-adolescentes e adolescentes portugueses. Os dados indicam que falam de sexo, na escola com os professores, com os pais e, é claro, entre si. Tendo a Internet como braço armado, correm um duplo risco: "Não só a informação é de qualidade variável como a consulta não protege do confronto com obscenidades e mesmo pornografia." Por outras palavras, por muitas voltas que o mundo dê, não se dispensam adultos de referência para clarificar estes assuntos.
Que o diga Joana, surpreendida ao pequeno-almoço por um "Mãe, diz-se lésbica ou lésmica?", disparado por Catarina, de oito anos. Respondeu com toda a naturalidade, mas quis saber a que propósito vinha a dúvida. "É por causa de uma conversa que tivemos no recreio."
Mas se para Joana o assunto era pacífico, Manuel, pai de Tomás, da mesma idade, confessa que quando o filho lhe fez perguntas sobre a homossexualidade, ficou engasgado. "Não sou um troglodita, respeito as pessoas e as suas escolhas, mas preferia que o assunto ficasse para mais tarde...", confessa.
Mário Cordeiro repete a cautela: "Responde-se com a verdade, mas apenas com a verdade necessária. Pode dizer-se que é uma mulher que ama outra mulher e acrescentar que o essencial é que as pessoas se amem quando estão unidas. Com uma criança pequena, não é preciso ir mais longe." E deixa uma regra que pode ajudar: os pais precisam de ser capazes de explicar o que é isto ou aquilo, com base em informação factual e cientificamente correta, distinguindo claramente o que é opinião pessoal do que é a ética e conhecimento. Até porque se for esse o seu compromisso, terão o cuidado de se atualizar, procurando informação credível, o que tornará não só mais clara a explicação como fundamentará também o seu juízo sobre o assunto.
Margarida Gaspar de Matos vai mais longe, recordando que só assim se mudará de facto alguma coisa. Porque a verdade é que o discurso politicamente correto que vamos ouvindo não tem impedido, por exemplo, que as crianças ou os adolescentes continuem a ser "torturados" pelos outros quando parecem afastar-se do estereótipo associado ao que deve ser um menino ou uma menina. Nem tão-pouco, diz a investigadora, que jovens que assumiram a sua homossexualidade durante o curso universitário não tenham um verdadeiro terror de o assumir nas suas terras de origem, temendo problemas com os pais e os vizinhos.
E explica: "A questão é que as pessoas têm preconceitos de ordem pessoal, social, religiosa ou política que não ousam exibir diretamente, mas que minam todo o discurso e atitudes. O preconceito também se ‘pega’ por modelagem social e passa de pais a filhos sobretudo antes de, na adolescência, os próprios jovens construírem os seus quadros de referência que lhes permitem ‘opor-se’ aos pais."
 
Mais informados, mais adiam
Muitos pais temem que tanta informação, nomeadamente vinda da escola, incite os filhos a uma atividade sexual precoce ou a uma vida "promíscua". Mário Cordeiro indigna-se: "É a mais profunda mentira. Todos os estudos são unânimes: jovens informados são jovens que têm relações sexuais mais tardiamente e com mais medidas preventivas." Margarida Gaspar de Matos corrobora e acrescenta que os mais informados são também os que valorizam positivamente as relações sexuais, referindo que resultaram não só da sua vontade como de uma decisão tomada com o parceiro/a, por oposição aos menos informados, que declaram sentir-se forçados a ter relações, as descrevem como desagradáveis e menos frequentemente usaram preservativo.
Mas atenção, referem os especialistas: imaginar que as crianças e os adolescentes "já sabem tudo" pode levar a que se lhes impinja uma realidade para a qual, objetivamente, não estão preparados, ferindo a sua sensibilidade. Se Mário Cordeiro sente que os pais por vezes reagem de forma hipócrita, sem sequer se darem ao trabalho de perguntar aos filhos o que sabem sobre o assunto, por outro não tem dúvida de que "uma educação para a sexualidade deve ser responsável e sabedora, mas evidentemente com bom senso, conta, peso e medida e sem generalizações. Uma coisa é mencionar prevenção de doenças e de gravidezes indesejadas, outra é agarrar em curgetes e preservativos e fazer demonstrações na sala de aula".
Para Margarida Gaspar de Matos este não é um tema que se resuma a um powerpoint e a um teste de conhecimentos. Diz: "O segredo de uma formação de qualidade na área da sexualidade é estar atento, tratando o assunto com seriedade, sobriedade e naturalidade, como um fenómeno biológico mas também sociocultural e emocional e, já agora, inserido nos direitos humanos." E deixa uma nota final: "Se os pais aceitam que os filhos lhes respondam mal, os tratem como ‘euros com pernas’, ‘lavadores de roupa’ e ‘chatos de serviço’, não estão a ajudar os jovens a querer crescer e a um dia gerirem saudavelmente as suas relações." Pois é, educação sexual é muito mais do que repetir o aparelho reprodutor sem gaguejar.
 
O que se passa na cabeça e no corpo do seu filho
(Não esqueça que cada criança é única e que escutá-la é a melhor forma de perceber o que ela pretende saber.)
 
3 aos 5 anos  
O domínio da linguagem permite-lhes fazer cada vez mais perguntas. Comece sempre pela resposta mais simples. "De onde vêm os bebés?" "A semente do pai, o ovo da mãe encontram-se e o bebé cresce na barriga da mãe." Se ficar satisfeita, fique por aí, se continuar a perguntar, continue a responder. Ajude-a a desenvolver as emoções e o respeito pelos outros.
 
6 aos 10 anos  
É uma idade ideal para conversar sobre estes temas porque o assunto ainda não os embaraça e não estão reféns das hormonas. Não se esqueça que a puberdade acontece mais cedo, por isso vá falando das mudanças que ocorrem no corpo, nomeadamente a menstruação. Se o seu filho não faz perguntas, confirme que o silêncio não resulta de sentir que falar de sexo é tabu ? as mensagens que lhes passamos não precisam de ser verbais. 
 
11 aos 13 anos
É um momento fulcral porque, por um lado, embaraça-os falar de sexo com os pais (resultado também das hormonas aos saltos), mas por outro estão convencidos de que já sabem tudo. Confirme que têm ideias claras sobre questões fulcrais, como a correlação entre relações sexuais e uma gravidez, as doenças sexualmente transmissíveis e a contraceção, mas não esqueça o respeito pelo outro, a violência no namoro, etc. Fale-lhe das suas convicções (porque defende que as relações sexuais não devem ser precoces, se for o caso), argumente a favor das suas convicções, mas sobretudo ajude-os a pensar por si, nomeadamente nas consequências dos seus atos.
 
13 aos 18 anos
A grande maioria dos adolescentes portugueses fala com os pais, sobretudo com as mães, mas os seus monossílabos podem desencorajar-nos. Não desista, eles ouvem! Vá recapitulando informação (o uso do preservativo baixou perigosamente!), mas fale de emoções (de amores e traições, de surpresas e desilusões). Leve-os a sério, mas não esqueça o humor; respeite-os, mas não deixe de ser exigente; seja generosa, mas responsabilizando-os sempre.
 
Por Isabel Stilwell
*Texto originalmente publicado na edição de abril de 2017 da Máxima (nº 343)
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