Histórias de Amor Moderno: "Ah, és influencer" e, dito isto, virou-me as costas. Fiquei danada. Fui atrás dele."

“Nessa noite, quando voltámos para o hotel, tivemos de refrear o entusiasmo. Os quartos eram partilhados.” Todos os sábados, a Máxima publica um conto sobre o amor no século XXI, a partir de um caso real.

Foto: IMDB / Emily in Paris
27 de abril de 2024 às 09:33 Maria Olívia Sebastião

Eu tive de lhe explicar até quem era a Chiara Ferragni - "ah, sim, o nome não me é estranho". Charlie D’Amelio? Eva Evans? Emma Chamberlain? Esquece, parecia que lhe estava a dizer as fórmulas químicas de metais pesados ou a explicar a origem da medida a que chamamos metro: não fazia a menor ideia do que é que eu estava para ali a dizer. Podia ter-lhe dito que eram criadoras de Moda, futebolistas internacionais, esteticistas, patinadoras ou astrólogas, teria reagido da mesma maneira, suponho. "São influencers, Luís. Influencers!", fiz-lhe eu um resumo, com a síntese no mínimo e a ênfase no máximo, e ele, exponenciando como pôde a emoção, respondeu "ah, ok".

Conheci o Luís numa viagem a Madrid para apresentação de uma nova linha de sapatilhas de uma grande marca de roupa e calçado desportivo. A marca organizou uma espécie de excursão, como se usa fazer para estas apresentações. Dantes, estas viagens juntavam um grupo de jornalistas de lifestyle. Normalmente, iam em trabalho para publicações vocacionadas para a área, mas não só - havia, e continua a haver, muitos profissionais de jornais e revistas ditos "generalistas" ou até "de referência". Para mim é tudo igual. Nunca fui jornalista na vida, tão pouco fui pessoa de comprar e ler jornais ou revistas. Os tempos mudaram, a minha geração é outra, as nossas referências não vêm impressas em papel. Nesse aspeto, concedo que se o Luís me falasse de nomes de jornalistas - dos que escrevem, não dos que dão na televisão, que eu esses conheço uns poucos -, ficaria sem saber de quem ele falava, tal como ele ficou quando mencionei a D’Amelio ou a Chamberlain. Não ligo, pronto.

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Nessa viagem, e precisamente porque os tempos mudaram e as marcas perceberam que pessoas como eu não ligam assim tanto aos meios tradicionais e à comunicação social convencional, também havia influencers. As marcas olham para os influencers como veículos de promoção tão válidos e legítimos como os jornais ou as revistas. Estes mantêm o seu papel de relevo, mas é um papel que se fica mais pelo prestígio do que pela intenção de chegar às massas. É importante sair nas revistas para juntar aos portefólios e assim, mas se querem os miúdos da secundária e da universidade a usar sapatos daquela marca, o melhor é dá-los a calçar a uma atriz das novelas ou, melhor ainda, fazer uns posts patrocinados com influencers de renome.

Eu era uma das influencers nessa viagem. Éramos muitos, talvez uns quinze, todos ainda bastante novos, alguns mesmo miúdos, só duas ou três mais conhecidas. Eu estava ainda a começar - como tantas outras, com rotinas de maquilhagem no Instagram, que depois fui estendendo para cuidados de pele, sempre a crescer, até que cheguei às peças de roupa e, eventualmente, graças a qualquer golpe de sorte ou simpatia dos algoritmos, consegui ter mais de 50 mil seguidores. Nesse ponto, já eram várias as marcas a mandar-me produtos e a pedir-me que os experimentasse. Quando fizemos a viagem, não era uma das estrelas influencers, mas já tinha algum estatuto.

Logo no embarque, em Lisboa, percebemos que não seríamos só influencers a bordo. Também iam jornalistas. Eram poucos e estavam visivelmente desconfortáveis com a nossa companhia. Um deles era o Luís, que escrevia para uma revista. Ia acompanhado do videógrafo, que também fotografava. A viagem incluía a presença na inaguguração de uma exposição de street art encomendada pela marca. As sapatilhas seriam exibidas juntamente com as obras de artistas muito cool, mestres do grafiti e de outras técnicas cujo nome me escapa agora. No evento, influencers e jornalistas distinguiam-se facilmente: os primeiros, estavam vestidos de acordo com a ocasião, estavam ali para brilhar, para fazer os seus lives, tirar as suas fotos, enfim, para promover o momento e mostrá-lo aos seus seguidores, e acima de tudo para se divertir; os jornalistas estavam vestidos como se simplesmente tivessem ido trabalhar e olhavam para as coisas, faziam perguntas de vez em quando, observavam as obras, tomavam notas. E parecia que não sabiam divertir-se.

Meti-me com o Luís. Achei-lhe graça, estava claramente fora do seu ambiente. Pela sala, circulavam hospedeiros com bandejas de cocktails e finger food, rapazes e raparigas muito bonitos e bem-vestidos a distribuir comida e bebida. Eu ia bebendo, claro. E pareceu-me que o Luís, cada vez mais sozinho no meio de toda aquela gente - o videógrafo estava ocupado a recolher imagens pelo espaço -, se entretinha a beber copos de vinho branco. "Já provaste os cocktails?", perguntei-lhe, e ele sorriu-me, como se estivesse agradecido por alguém notar que ali estava - mas logo retomou a pose de quem prefere ficar sossegado. "Isto é uma seca", disse. Apresentei-me, "sou a Alice". Disse-me que se chamava Luís, disse que escrevia para a revista e perguntou-me para que meio eu trabalhava. Revirei os olhos e disse "sou blogger, Luís". Mostrei-lhe a conta de Instagram, na altura não tinha Tik Tok. "Ah, és influencer" e, dito isto, virou-me as costas. Fiquei danada. Fui atrás dele. "Olha lá, ó amiguinho, e tu tens algum problema com isso?" Ficou atrapalhado e começámos ali uma conversa. E a conversa durou e durou e durou, às vezes séria, outras vezes não tão séria assim, acerca do assunto, das nossas profissões, daquele tipo de eventos, das marcas, do dinheiro - sim, o dinheiro, falámos de dinheiro logo quando nos conhecemos -, até que, enfim, eu lhe disse "e se fôssemos dar uma volta por Madrid? Não temos de estar aqui fechados, não estamos de castigo". Ele sorriu, com algum espanto - claramente, era um menino bem comportado -, "vou só avisar o meu colega", e eu "ó Luís, deixa-te disso, anda e pronto. Ele logo há de descobrir que não estás aqui." Ele riu-se.

Passeámos, parámos para comer tapas e para beber cañas de cerveja, e fomos rindo. O Luís, um pouco mais velho - não o suficiente para nos situar em gerações distintas, mas o bastante para ter uma perceção da realidade um bocadinho mais arcaica do que a minha -, era também tímido. Então, eu fui a locomotiva daquele nosso imprevisível encontro: desafiava-o, sugeria, comentava, indicava. E ele deixava-se ir, e foi deixando, e deixando, ria-se, às vezes dizia "eu não acredito, tu és louca", e depois ria-se mais. Até que nos abraçámos e acabámos por nos beijar.

Nessa noite, quando voltámos para o hotel tivemos de refrear o entusiasmo. Os quartos eram partilhados. O Luís estava num com o seu videógrafo. Eu estava num quarto triplo com outras duas bloggers menos conhecidas. Não trocámos muitas mensagens, foi tudo muito sossegado. Na manhã seguinte, no meio de todas as pessoas, tentámos ser discretos, como se nada tivesse acontecido. Mas tinha. Eu só conseguia pensar nele e no nosso passeio e no quanto nos tínhamos divertido. É estranho quando alguém tão diferente parece estar tão sintonizado contigo. Não havia uma explicação razoável para a nossa ligação.

Quando aterrámos, de volta a Lisboa, fomos cada um para seu lado. Despedimo-nos sem grandes gestos, mas olhámo-nos nos olhos, como quem diz "isto não pode acabar aqui". Tentei afastar os pensamentos do que tinha acontecido e não queria ser eu a primeira a dar sinais de ter vontade de falar com ele. Caramba, já tinha sido eu a fazer tudo em Madrid. Se ele estivesse interessado em mim, decerto iria mandar-me mensagem. Então, decidi esperar. No meu íntimo, acreditava que ele mandasse mensagem logo daí a minutos. Ou, pelo menos, era isso que eu desejava. Então, ia olhando para o telefone quase de minuto a minuto, como se isso pudesse acelerar a mensagem dele. Mas a mensagem só chegou ao fim de quase uma hora! Até me fez suspirar de alívio. Abri, era um verdadeiro testamento, um texto enorme e eu "ó, não… agora vou ter de ler isto tudo?", então, mesmo antes de ler, respondi-lhe logo, "lol estava à espera de um convite para um café ou de um simples ‘apetecia-me estar contigo’, Luís, não de uma epopeia grega logo à primeira".

Mas depois pus-me a ler a mensagem dele. "Querida Alice", começava, e eu achei fofinho. Às vezes, estas maneiras mais antiquadas podem ser bonitas, mostram cuidado. "Queria pedir-te ajuda", continuava, e fiquei apreensiva. Ainda agora nos tínhamos conhecido e já me pedia ajuda. "Como te disse, gosto muito de cozinhar", blablabla, uma série de considerações e descrições dos momentos e das conversas em Madrid, "por isso, tenho duas coisas para te propor", e eu "a-ah! Finalmente, tens a minha atenção". "Queria que me ajudasses a fazer uma conta de Instagram com coisas cozinhadas por mim", ok, isso é fácil - vejam bem o pretexto que este rapaz arranjou para podermos estar juntos, é mesmo tímido -, "e, para que possas avaliar se vale ou não a pena perderes o teu tempo, gostava muito de cozinhar para ti…" - ui! - "hoje, se puder ser." E eu senti o coração a bater mais rapidamente e os meus lábios a abrirem-se num sorriso feliz e espantado. "Ok, dá-me a tua morada." Fui. E ainda hoje ele cozinha para mim.

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