“Estamos a conduzir o carro enquanto o fabricamos”
Telma Negreiros é a vice-presidente de RP e Comunicação para a Europa de um fabricante chinês de automóveis que ainda não chegou a Portugal, mas que não faltará muito. A Lynk & Co já está em Espanha e o sucesso para lá da fronteira encoraja-a a dar o salto até aqui, ao jardim à beira-mar plantado.
Foto: Lynk & Co12 de julho de 2022 às 10:22 Luís Merca
Quem é a Telma Negreiros e o que faz ela no mercado automóvel?
A Telma Negreiros trabalha há um ano e oito meses para a Lynk & Co. Sou a vice-presidente de Relações Públicas e Comunicação para a Europa e costumo dizer que estamos a conduzir o carro à medida que o estamos a fabricar. Estamos a expandir a marca na Europa e neste momento já nos encontramos em sete mercados. A minha experiência no mercado automóvel inclui ter trabalhado para outro fabricante de que agora não vou mencionar o nome [risos], mas estou na indústria da mobilidade e do lifestyle há 28 anos, tanto na minha agência como directamente nos clientes. Por isso, já tenho um longo caminho [risos].
Tem sido difícil ultrapassar um certo preconceito em relação a marcas chinesas?
Curiosamente, é nos mercados onde há uma indústria automóvel instalada – França, Alemanha – que isso se verifica mais. É aí que somos vistos, não como Lynk & Co, mas sim como uma "chinese brand"... mas o mais engraçado é que quando começam a conhecer a nossa marca e a compreender o nosso conceito e os nossos clubes, ficam encantados. E consideram-nos uma brisa de ar fresco. É que, embora ainda estejamos, repito, a conduzir o carro enquanto o estamos a fabricar, o nosso conceito e o nosso modelo de negócio são tão diferentes que, de facto, se destacam. Somos, na verdade, qualquer coisa de novo.
A indústria automóvel esteve parada durante tantos anos que eu costumo dizer que é mais um dinossauro. Tudo mudou: os telemóveis foram o produto que mais evoluiu, se olharmos para a TV e para os serviços de ‘streaming’ como a Netflix, se pensarmos no Airbnb, tudo evoluiu, tudo ficou mais tecnológico. Enquanto isso, a indústria automóvel continua a fazer a mesma coisa, sempre a mesma coisa. Não faz sentido. Estava na hora de haver mudanças e nós chegámos na altura certa. Chegámos na altura em que o consumidor precisa de uma coisa nova, principalmente as novas gerações. Em Portugal, por exemplo, nós ainda precisamos de um carro para ir do ponto A ao ponto B...
Em Portugal eu vou ali ao outro lado da rua e vou levar o MEU carro, a minha propriedade...
E não haverá um risco de o vosso modelo de negócio vos colocar a jogar no tabuleiro do lado, em vez de jogarem no tabuleiro principal, o da compra efetiva e da propriedade do carro?
Boa pergunta! Acho que era essa a ideia que muitos países tinham, muitos jornalistas fizeram-nos essa pergunta. Vou dar o exemplo do Airbnb: quando o conceito do Airbnb foi introduzido, se me perguntassem se eu arrendaria a minha casa em Portugal, eu pensaria: "Espera lá, ter pessoas na minha casa, a dormir na minha cama, a usar a minha máquina de café?". Eu cá nunca iria querer uma coisa dessas. ‘Fast-forward’ para os dias de hoje: não posso esperar para alugar a minha casa, porque vou fazer dinheiro com isso.
Exatamente! Este é o nosso conceito e acho que o que estamos a oferecer é completamente novo para as pessoas. E se conseguirmos oferecer um conceito flexível, em que as pessoas até podem ganhar dinheiro com ele, e se o preço que pedimos por um carro que é mesmo, mesmo bom, for competitivo, acho que vamos conseguir mudar as mentalidades de alguns mercados, entre os quais o português.
Ainda assim, querer ser o Airbnb da nova mobilidade é uma afirmação algo arriscada...
É sim! É.
... e que acarreta uma grande responsabilidade.
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Traz consigo muita responsabilidade, sim. A tecnologia que suporta o que nós estamos a pregar ainda é uma espécie de versão Beta. Para que o conceito de partilha do carro funcione, é necessário que haja carros suficientes na estrada, é preciso que a ‘app’ funcione a 100% – e estamos a desenvolvê-la nós próprios – por isso iremos encontrar desafios ao longo do caminho, mas se atentarmos no exemplo que dei há pouco, da Netflix, no início o portfolio deles era quase não-existente e eu pensava: "Vou assinar Netflix para quê, para ter dois filmes?". Acho que tudo isto depende de adaptações, de evoluções, de estar atento ao ‘feedback’ dos clientes e de ir melhorando sempre o produto.
Foto: Lynk & Co
Um statement muito sensato...
Achamos que sim! Pelo menos até agora [risos], vamos ver como corre à medida que formos avançando. Somos uma marca que faz afirmações ousadas, mas ao mesmo tempo tem um posicionamento humilde. E como somos os primeiros a apresentar um conceito assim, seremos também os primeiros a encontrar e ultrapassar desafios de que ainda ninguém ouviu falar. Mas não temos receio disso e iremos comunicando – com os ‘media’ e com os clientes – à medida que formos desbravando caminho.
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A Lynk & Co partiu de uma base completamente comprovada, a expertise da Volvo no fabrico de automóveis. Isso é um trunfo para vocês ou, pelo contrário, pode atrasar-vos porque a Volvo tem prioridade?
Muito boa pergunta. A Volvo e a Lynk & Co são duas entidades separadas, e se olharmos para a holding Geely [ndr: proprietária de ambas as marcas] como um todo, para o mundo exterior pode parecer "mais uma marca chinesa", mas para nós é uma hipótese de partilhar ‘know-how’, de aprender, é definitivamente um trunfo, é um ‘plus, plus, plus’ [risos]. E as pessoas têm que se habituar à ideia: as marcas chinesas estão aí.
Foto: Lynk & Co
Por falar em geoestratégia, como vai a Lynk & Co posicionar-se no mercado ibérico? O mercado português vai ter a sua própria autonomia?
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Absolutamente que sim! O facto de eu ser portuguesa ajuda e o meu coração está lá. Nós estamos em Espanha desde abril do ano passado, e Espanha vai ser o ‘hub’ do Sul. Abrimos o nosso "engagement center" há um mês em Barcelona, vamos abrir também um clube em Barcelona este ano, seguido de Madrid. Quanto a Portugal, é preciso que faça parte desse ‘hub’ do sul. Por isso, estará provavelmente na calha no próximo ano. Temos recebido pedidos, mas vamos passo a passo: fazer com que a marca seja conhecida é um processo orgânico que irá resultar em termos a Península Ibérica toda coberta.
Falemos do conceito dos clubes: qual é a ideia de apostar em clubes Lynk & Co?
Nós não queremos concessionários, queremos clubes. Vai haver três tipos de clubes: permanente, temporário e ‘on tour’. Este conceito de clube pretende ser uma experiência ‘cool’. Voltando ao tema do dinossauro [o modelo de negócio convencional à volta do automóvel], desculpem, mas tenho que o referir, o mercado é dominado por homens, brancos, que decidem o que cada grupo demográfico vai necessitar. E não estou a dizer que todas as escolhas sejam necessariamente más, o que estou a dizer é que temos que mostrar ao mundo que somos uma marca que pensa diferente e defende a igualdade. E que temos um rácio de quase 50-50 entre géneros. É importante praticar o que pregamos, e por isso contratamos as pessoas da forma que queremos que o mercado nos veja – e se continuamos a repetir os mesmos comportamentos, não podemos esperar resultados diferentes. Isto não se passa apenas com as pessoas que contratamos, e com os nossos embaixadores, passa-se também com os nossos clubes: os nossos clubes são um novo conceito de mobilidade.
Foto: Lynk & Co
Como assim?
Eu sempre tive carro e quando contactava a(s) marca(s) – e ainda bem que eu percebo de carros – recebia sempre o típico tratamento reservado às mulheres: não são levadas a sério, são vistas como "presa fácil", e esse comportamento é uma pena! A mulher toma 85% das decisões de compra, incluindo tudo o que tenha a ver com mobilidade. É o homem que vai lá [ao concessionário], mas é a mulher que dá o "sim" ou o "não". É uma estupidez não se aproveitar isto! Não é só uma questão ética, é uma questão comercial, é bom para o negócio!
E planos para Portugal?
Obviamente que também abriremos um clube em Lisboa, vamos ver se também no Porto, se tivermos suficiente fidelização. E também aí esperamos ver a mesma coisa que em Amesterdão, Berlim, Estocolmo, Hamburgo, Gotemburgo, Antuérpia e Roma. E, a seguir, Barcelona e Madrid. A questão, nos clubes, não é o carro. O carro estará algures nas traseiras (numa gaiola, como gostamos de dizer), porque o que os clubes irão ser, na realidade, é um ponto de encontro para os membros. Vamos organizar e receber eventos, vamos ter bar, café grátis, os membros podem trabalhar lá – um clube também pode ser um local de trabalho.
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Foto: Lynk & Co
Telma Negreiros
Nasceu em Amesterdão, filha de pai neerlandês e de mãe portuguesa. A sua vida é o marketing e a Lynk & Co viu nela a personalidade ideal para comunicar uma marca automóvel que é tudo menos convencional. Vive em Berlim com o marido e o filho, mas as ondas da costa portuguesa continuam a exercer grande atração nesta ex-surfista – que, diz quem a viu, percebia mesmo daquilo.
Lynk & Co: o conceito inovador
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Esta marca não se preocupa em vender automóveis. O seu objetivo é vender assinaturas, criando ao mesmo tempo uma comunidade de clientes, perdão, de membros, que até podem partilhar a sua viatura com outros membros e ganhar dinheiro com isso. A ideia é otimizar os assustadores 94% que um automóvel passa parado – estacionado à porta de casa e do trabalho – ao longo da sua vida. Por 500 euros mensais, o membro de um dado clube Lynk & Co (abaixo os concessionários, vivam os clubes!) tem direito ao SUV "01", um híbrido plug-in, e não tem de se preocupar com seguros, manutenção, avarias e taxa de circulação. Pode viajar até 1250 km por mês (15 mil km/ano) e os quilómetros não utilizados nesse mês serão acumulados ou compensados ??nos seguintes. Há apenas uma coisa com que o membro se deve preocupar: escolher a cor do carro. Felizmente que a "vastíssima" paleta de cores disponíveis se resume a duas: azul e preto.