Dating em Lisboa. "O que leva um homem a chamar uma mulher de prostituta? O facto de ter opiniões? Ter múltiplos parceiros? Ser emancipada?"

Foto: IMDB / Pretty Woman
24 de maio de 2024 às 07:00 Maria Pestana

Além de "atividade de quem obtém lucro através da oferta de serviços sexuais", o Priberam define ainda a prostituição como um ato de "servilismo degradante" ou de "colocar interesses materiais à frente de princípios ou ideias". Nunca recebi um tostão por (ou para) alinhar num date, também nunca ofereci serviços sexuais, porque sou meio egoísta e gosto mais de os receber. E embora a minha liberdade de expressão (verbal e sexual) possa importunar muita gente, ainda não vendi a alma ao diabo por uma relação. Reforço o "ainda", porque um dia poderá dar-se o caso, mas para já continuo uma mulher de fé. Acendo velas ao Santo António, peço-lhe um amor para a vida toda, ele revira os olhos no alto do seu Altar, fartinho de me ouvir, mas estamos bem. Continuo fiel às minhas convicções e princípios, não sou refém de nada, nem de ninguém. Por isso, o que será mais degradante? Viver uma liberdade contestada ou numa prisão dogmática? E se me apetecer foder no primeiro encontro, e arruinar esse possível amor, fodo. Isso faz de mim uma prostituta? Pois, então, prostituta serei.

Maria Teresa Horta, que acabou de fazer 87 anos, foi espancada na rua para aprender a não escrever sobre as coisas que escrevia. Tantas outras mulheres, tais como Natália Correia, foram presas por terem a língua afiada. Saltamos uns anos, na verdade, mais de 50, coisa pouca, e no Parlamento algumas deputadas estarão a ser recebidas com "mugidos", interjeições que pretenderiam tomá-las por "vacas". Nem me ouso comparar, porque não sou ninguém na fila do pão, posso apenas aspirar vir a ser, mas nas caixas de comentários esta mera cronista é apelidada de "prostituta" a torto e a direito, sendo este o termo mais simpático. "Como ser puta sem ser julgada", escreveu um dos meus leitores, comentário que não entendi, pois a sentença estava feita. Onde faltava julgamento? Consola-me saber que a prostituição, não sendo legal no nosso país, é uma profissão reconhecida em alguns outros. Veja-se a Alemanha, por exemplo. Por isso, poderá uma mulher sentir-se ofendida por somente pertencer à classe operária e trabalhadora? – é sarcasmo, para quem não entender.

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Enquanto assistia à última temporada da série Bridgerton não pude deixar de pensar que encontrar um marido sempre foi toda uma ocupação, seja em que século for. É preciso escolher as indumentárias, tratar do cabelo, das unhas, frequentar os sítios in, dar-se a ver e preparar a conversa de ocasião. No fim, se forem bem-sucedidas, as donzelas encontram os seus Duques, Condes ou Barões e recebem uma mesada para gastar em mais vestidos, cabeleireiros, manicures. Resta-lhes não cair em desgraça! Essa malandra! Sempre ali à espreita para arruinar as mulheres. Ah, mas o saudosismo do romance à antiga, dos casamentos arranjados, da sorte (e não escolha) de casar por amor… Sempre fomos um país dado à saudade, nunca imaginei que à saudade dos costumes bacocos também. Existe uma diferença entre acreditar no romance e deixar-se levar por prosas bafientas.

Sentei-me para beber um café com um grande amigo e estes pensamentos dominavam absurdamente a minha mente. "Em pleno século XXI, o que leva um homem a insultar uma mulher chamando-a de prostituta ou de vaca?". O facto de ter opiniões? Ser sexualmente ativa fora do casamento? Ter múltiplos parceiros? Ser emancipada? Feminista? Fazer piadas sarcásticas sobre a vontade de encontrar um sugar daddy? Porque é legitimo criar-se um estatuto para as domésticas, que elas possam obter uma remuneração, desde que fiquem em casa e não pratiquem o coito por gosto, só por procriação. Ou aí também já elas estarão a vender serviços a mais? As celebrações do 25 de Abril ainda ecoavam lá fora, mas cá dentro todas as ideias misóginas fervilhavam. "Casavas-te comigo?", perguntei ao Luís do nada, que me fitou percebendo que a conversa tivera uma travagem brusca e se preparava para mudar de direção. "Eu? Porque perguntas?". Expliquei que precisava de uma opinião masculina. "Falo demais, tenho demasiadas ideias, a vida comum inquieta-me. Sou incongruente porque quero ter uma relação séria, mas posso ter atitudes levianas e sei que isso ainda é uma questão para alguns homens, mas achava que seria apenas para uma certa categoria e não para todos. Achas que sou uma puta?", acrescentei.

O Luís suspirou. "Voltamos à velha história, minha amiga. Os homens são caçadores. Qualquer homem vai querer foder contigo, vai querer ter esse desafio, saber como é realmente ter-te na cama, porque és demasiado bonita, se calhar depois não dás tesão nenhuma. Mas tu deves dar. E das duas uma: ou eles fogem com medo ou vão querer mais, mas independentemente disso na cabeça deles vão achar-te sempre uma oferecida. Já se não fores cordial, e recusares investidas veementemente, passas a ressabiada e a cabra". Eu ouvi calada, já conhecia a história de trás para a frente. "Mas eu perguntei se tu casavas comigo…". "Eu? Então não casava! Oh filha, eu não percebo esses caramelos. Tu é que nunca me deste hipótese! Tu é que não queres casar comigo!". Comecei a pensar. Ele tinha razão. Mais de 15 anos de amizade e de cada vez que ficava solteiro o Luís comentava que ainda havíamos era de ficar juntos. "Olha lá, e se nós juntássemos os trapinhos? Estou eu para aqui a perder tempo com estas miúdas, tu aí sempre a queixares-te de que não tens ninguém". E, no entanto, mais de uma década de amizade e nem um beijinho. Nem um! Pois talvez não seja uma verdadeira mulher de negócios na área da troca de favores ou não desperdiçaria uma oportunidade assim, à espera de um clique, de uma conexão de almas.

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"Já te apercebeste da quantidade de pessoas que descartas? Falas como se ninguém te quisesse, mas tu também tens um crivo apertado!". Saber o que se quer é considerado ter "crivo apertado", ser picuinhas, ter demasiado requisitos, expetativas elevadas. De facto, eu já podia ter calçado as pantufas e estar casada. Comentei que apenas éramos grandes amigos e nos dávamos lindamente porque não temos uma relação amorosa. As coisas nele que me aborrecem não me aborrecem verdadeiramente, porque não me imagino a partilhar a vida consigo, a lidar com elas até ao caixão. A partir do momento em que isso acontecesse começaríamos a discutir. Todos os defeitos inofensivos até então tomariam proporções catastróficas. "Luís, és viciado no OLX. E eu vivo bem com isso, porque sou apenas tua amiga. Agora, se fossemos namorados eu estaria constantemente farta dos teus negócios, de venderes tudo e um par de botas, de seres refém dessas trocas e baldrocas. Haveria de chegar o dia em que, depois de tanto queixume, porque não suporto mesmo a ideia de que faças quilómetros a uma terça-feira à noite para ires vender um tupperware à Amadora, até tu estarias desertinho de me despachar no Marketplace do Facebook! Tens de encontrar uma viciada na Vinted. Assim juntam as tralhas e vendem em conjunto". Ele riu-se e concordou inteiramente, o vício pelas vendas online estará sempre acima de qualquer relação para este meu amigo. Quem lhe tira o prazer, a excitação de ganhar 5 euros num "ganda negócio" tira-lhe tudo, mas por alguma razão que o bom senso desconhece, à luz de uma caixa de comentários nas redes sociais, ele é apenas um vendedor e eu sou uma vendida. Com tudo isto, continuei sem saber se me acha uma puta e o que é a prostituição, afinal.

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