Creches para os maridos e histerectomias para todas

Uma crónica quinzenal na qual a jornalista diz coisas sobre o mundo e os que nele habitam que não pode dizer num artigo a sério – se quiser manter o trabalho.

Foto: Pexels
29 de novembro de 2024 às 18:00 Madalena Haderer

Naoki Hyakuta, líder do Partido Conservador japonês, teve, há uns dias, uma daquelas ideias tão brilhantes, que é preciso uma viseira de soldador para a contemplar. Como isso é coisa que escasseia na mala de ferramentas mediana, o homem, coitado, foi mal interpretado. Ora, numa conversa sobre a diminuição da taxa de natalidade no Japão, Hyakuta partilhou uma opinião muito construtiva: se não há bebés, é porque as mulheres não querem tê-los. Esta parte é óbvia. Aliás, não sei como é no Japão, mas eu não consigo chegar à estação de comboios sem ser abordada por meia dúzia de tipos, de gabardine, que prontamente abrem as abas dos casacos à minha passagem, para me mostrarem inúmeros frascos de sémen e seringas de rechear perús que tentam vender-me, sempre sem sucesso porque também eu não quero ter bebés. No fim de contas, não passo de uma cosmopolita, mimada, egoísta e obcecada com dormir até tarde e passar o que sobra das manhãs, em silêncio, a tomar café e a ler o jornal, como, pelos vistos, boa parte das japonesas – só que com chá verde.

Ora, perante este facto, este líder político chegou à conclusão que tudo correria melhor se as mulheres tivessem mais regras nas suas vidas. Portanto, doravante, estudar, só até aos 18 anos. Casar passa a ser permitido apenas até aos 25. E aos 30 anos, vem um cirurgião lá a casa tirar-lhes o útero. Numa espécie de "olha, minha menina, se não usas isto, dá cá que há mais quem use". Quem? Bom, aqui há uns anos dizia-se que os cientologistas comiam placentas. Ora, quem come placentas, come úteros. Quem sabe se Tóquio não se tornará a capital mundial do ceviche uterino com esta ideia peregrina?

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O objectivo deste conjunto de regras seria, naturalmente, incutir às jovens mulheres um sentido de urgência para casar e formar família. E é capaz de resultar. Em princípio, mulheres que cheguem aos 24 anos ainda sem namorado vão criar grupos de milícia para caçar solteiros. Uma espécie de FARC, mas que, em vez de gritaria e metralhadoras, usam lingerie sexy e ramen quentinho para sequestrar homens incautos. Depois, se não quiserem assinar a certidão de casamento, é atá-los a uma cadeira de gaming com o jogo League of Legends a piscar no ecrã do computador e ver quanto tempo eles aguentam.

Já às que cheguem aos 29 casadas, mas ainda sem filhos, só resta uma opção: seguir o exemplo daquela cabeleireira russa que, à hora do fecho do seu estabelecimento foi surpreendida por um assaltante. A senhora não só conseguiu vencer o meliante pela força como o prendeu e passou o fim-de-semana inteiro a enfiar-lhe Viagra pela goela abaixo e a sentar-se, vigorosa e repetidamente, ao colo dele. A pobre Babushka provavelmente ficou abalada com o assalto. Levantava-se com ideia de ir a algum sítio, mas depois não se lembrava onde e volta a sentar-se. Um choque faz isso a uma pessoa.

Que um político conservador queira soltar tamanha onda de violência sobre os homens japoneses não deixa de ser surpreendente. Outros países asiáticos tendem a tratar os seus homens com mais carinho. Na China, por exemplo, onde hostes de maridos e namorados passavam grandes secas em centros comerciais – era vê-los, quase desfalecidos e em lágrimas, encostados a grandes pilhas de roupa da Zara, incapazes de dizer se determinado vestido fica melhor em azul-petróleo ou em verde-água, rezando a Confúcio para que a bateria do telemóvel não se acabe –, abriram uma espécie de creches para homens adultos. Em vez de andarem a ser arrastados de loja em loja, à entrada do shopping são ali depositados pelas suas caras-metade. Têm sofás, televisões, computadores, carregadores de telemóvel e snacks. Alguns chegam a fazer amizade com outros homens e, pela primeira vez na história da Humanidade, mal podem esperar pela próxima ida ao centro comercial.

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Isto sim, é forma de tratar um homem. Estranhamente, não foram os japoneses que se indignaram com as sugestões do líder conservador, mas as japonesas. Perante a polémica, Naoki Hyakuta não teve opção a não ser retratar-se. Não só pediu desculpa, como disse que não era para ser levado a sério. Era apenas uma ideia teórica, um exercício mental de ficção científica para motivar a discussão sobre o declínio da taxa de natalidade.

Pessoalmente, diria que, se é para fazer ficção científica com mulheres, que seja como no Arcane – uma série de animação que fui obrigada, perdão, que vi de iniciativa própria e de muito bom grado, em que diversas miúdas com cortes de cabelo questionáveis dão porrada em homens com o triplo do seu tamanho. Se for para isso, voluntario já o meu útero. Se calhar ainda dá para fazer umas iscas ou assim.

A autora escreve segundo as regras do Antigo Acordo.

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