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Duas influencers lutam pelo direito ao bege

Uma crónica quinzenal na qual a jornalista diz coisas sobre o mundo e os que nele habitam, que não pode dizer num artigo a sério – se quiser manter o trabalho.

Foto: Unsplash
16 de dezembro de 2024 às 15:22 Madalena Haderer

Nos Estados Unidos, está a desenrolar-se uma crise nunca vista. Um confronto de titãs que promete paralisar os tribunais durante os próximos meses. Sean Combs e os seus hábitos sexuais criminosos? O indulto de Joe Biden ao seu filho Hunter, que se livra de conhecer a pena que havia de cumprir pelas ilegalidades de que foi considerado culpado? O italo-descente fotogénico que terá alvejado o vilão CEO da seguradora de saúde – esperto o suficiente para usar um silenciador, mas não ao ponto de não se deixar apanhar pelo circuito de videovigilância do Starbucks, enquanto tentava engatar a miúda que o estava a atender? Nada disso. Falo-vos de uma coisa séria. Um evento francamente dramático. Um tema fracturante, quanto mais não seja porque uma pessoa corre o risco de partir uma falangeta ao dar com a mão na testa com toda a força. Sucede que duas criadoras de conteúdos digitais, também conhecidas como influencers, estão de candeias às avessas porque uma roubou a "estética bege triste" da outra. Fúcsia fulgurante, qualquer um roubaria. Amarelo exuberante, uma pessoa não é de ferro. Cerúleo luxuriante, tudo muito certo. Agora, é preciso um tipo muito especial de pessoa monótona para roubar o bege de outra – e triste, atentem. E um tipo ainda mais especial de pessoa enfadonha para ir chatear o tribunal com uma parvoíce destas. Ainda se estivéssemos a falar do moca rato, que a Pantone acaba de anunciar como sendo a cor de 2025 – uma espécie de cocó de bebé pálidozinho, se dúvidas restassem sobre a qualidade do ano que se avizinha –, mas não. Foi mesmo o bege triste que foi fanado e agora o tribunal que venha pôr ordem nisto.

Sydney Nicole Gifford diz que demorou cinco anos a desenvolver a sua imagem de marca pardacenta. Em dezembro de 2022, encontrou-se com outra criadora de conteúdo digital, Alyssa Sheil, à porta de um centro comercial de luxo no Texas, para fazerem algumas filmagens e discutirem as especificidades do esfuziante mercado de influenciadoras texanas. Voltaram a encontrar-se um mês depois, presumivelmente à porta de um liceu porque Alyssa diz que Sydney estava com uma amiga e que não só não lhe ligaram peva, como ainda lhe torceram o nariz enquanto riam e cochichavam. Chegada a casa, Alyssa fez o que qualquer pessoa razoável faz nestas situações: bloqueou Sydney em todas as suas contas das redes sociais e começou a congeminar um plano para roubar a sua estética. Há coelhinhos beges e com um ar meio tristonho. Felizmente, Sydney não tinha um desses ou ter-se-ia arriscado a que Alyssa o enfiasse num tacho.

Meses depois, vendo a sua lista de seguidores a diminuir e as parcerias com marcas a eclipsar-se, Sydney começou a investigar o motivo. Estranhou o bloqueio de Alyssa e usou outra conta para espiar a ex-quase-amiga. Qual não foi o seu espanto quando descobriu diversos posts a explorar a imagem de marca que ela própria havia desenvolvido: bege triste, creme acabrunhado, casca de ovo deprimido, marfim melancólico, pérola desanimado, camel taciturno, champanhe angustiado. Estava tudo lá. Uma pessoa com uma mente menos virada para o negócio talvez se enroscasse na cama, a chorar e a comer um balde de gelado de baunilha desolada, mas Sydney não é dessas. Vai daí, registou o copyright de oito dos seus posts – provavelmente os que melhor ilustravam o copianço de Alyssa – e seguiu para tribunal para apresentar queixa por violação de direitos de autor. Queixa essa que será agora analisada por um juiz envergando uma toga cor azeviche estarrecido e que está a causar toda uma discussão sobre se a estética de alguém pode, ou não, estar protegida por direitos autorais. Pessoalmente, sempre achei que todo o conceito da moda residia em copiar o aspecto de alguém mais bonito e mais elegante do que nós. E agora estou com medo de receber uma carta dos herdeiros de Carmen Miranda a dizer que a minha estética "entrar no armário, sair a correr e vestir tudo o que trouxe agarrado", foi, na verdade, criada por ela e que eu não passo de uma copiona.

Quando eu era miúda, bege triste era o que eu me sentia quando a minha mãe me enfiava uma camisola interior Thermotebe. Por mais que eu crescesse de ano para ano – que, convenhamos, não era muito –, o raio das mangas ficavam-me sempre demasiado compridas, sempre um centímetro e meio a aparecer fora da roupa. O suficiente para ficarem encardidas ainda eu não tinha saído de casa. Tomara eu que alguém tivesse roubado essa estética lá de casa.

A autora escreve segundo as regras do Antigo Acordo.

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